Embargo chinês à Boeing representa real oportunidade para a Embraer conquistar mercado na China?


Ontem (23), a empresa norte-americana de aeronaves Boeing informou que a China parou de receber entregas da companhia “devido ao ambiente tarifário”. Modelos da aeronave 737 MAX que estavam na China foram devolvidos aos EUA.
Na semana passada, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês Lin Jian elogiou a Embraer, reforçando a disposição em manter laços comerciais com o Brasil. Houve valorização das ações da Embraer e da Airbus, possíveis beneficiárias da suspensão de compras da Boeing.
Apesar do impacto do possível embargo chinês à Boeing para essa indústria, desafios operacionais, logísticos e regulatórios impedem que a gigante norte-americana seja substituída no curto e no médio prazos, de acordo com analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
Especialista do setor, o aviador Fernando De Borthole explica que a troca de frota é um processo longo, demorado e custoso. Além disso, no caso da Embraer e da Boeing, ele frisa que as companhias não são concorrentes diretas, por produzirem categorias diferentes de aeronaves.

“A Embraer é hoje a terceira maior fabricante do mundo, está muito bem posicionada em todas as áreas, executiva, militar e comercial, mas os aviões comerciais da Embraer são de outra categoria. Então não são aviões hoje concorrentes diretos de um Boeing 737, que é o menor avião da Boeing hoje para a aviação comercial, muito menos de aviões maiores — os wide bodies, que a gente chama —, que são o 787 ou o 77”, argumenta ele.

Logo, para o especialista, a Embraer não teria condição nem interesse em suprir a defasagem da Boeing com o fornecimento de aviões desse porte.

“No cenário global, o impacto acaba sendo uma reação em cadeia, porque China e Estados Unidos hoje são as maiores economias, mas não acredito que essa tarifa diretamente da China, em relação aos aviões da Boeing, impacte de uma forma direta outros mercados”.

De Berthole destaca que a China vem desenvolvendo sua indústria aeronáutica há algumas décadas e trazendo para o mercado aviões com qualidade à altura dos da Boeing, principalmente do 737.
Já a empresa europeia Airbus e a chinesa Comac possuem aeronaves mais parecidas com as produzidas pela Boeing e poderiam suprir em um futuro próximo a demanda interna chinesa por esses aviões.
Professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marcos Cordeiro Pires também endossa a afirmativa do aviador sobre o fato de o segmento de jatos comerciais ser distinto entre as duas companhias.

“Não creio que o Brasil possa se aproveitar dessa disputa. A União Europeia, com a Airbus, está melhor posicionada para ocupar o espaço deixado pela Boeing.”

Ele considera improvável que a empresa brasileira coopere mais estreitamente com a China no setor de aviação:

“Grande parte das tecnologias utilizadas pela Embraer são licenciadas pelos EUA. O poder de veto dos estadunidenses já foi utilizado há 19 anos, quando se vetou a venda de caças Super Tucano à Venezuela”, pondera ele.

Ele lembra que a Embraer produziu aviões comerciais na China por dez anos, em parceria com a empresa AVIC, que não foi renovada:

“Cabe lembrar que a empresa Comac, da China, lançou o seu avião C919 há cinco anos para competir com o Boeing 737 e o Airbus A320. Recentemente a Comac anunciou o desenvolvimento, em conjunto com a Rússia, do modelo C929, que concorre com aviões comerciais de grande porte”.

Mestre em economia política internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista residente no think tank Observa China, Marina Moreno de Farias lembra, no entanto, que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) se encontrou em Pequim com o administrador da Autoridade de Aviação Civil da China (CAAC, na sigla em inglês) para a assinatura de um memorando de entendimento para fortalecer a cooperação dos países na área.
“Na ocasião, foi relembrado que cerca de 30% das aeronaves de voos regionais da China foram fabricadas no Brasil pela Embraer. Já na visita de Estado do presidente chinês ao Brasil, também no ano passado, a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, o ‘banco do BRICS’, Dilma Rousseff, falou da importância da parceria entre os dois países, destacando a compra de aeronaves da Embraer como ponto central no que tange ao investimento externo chinês no Brasil”, comenta ela.
Nesse sentido, a analista acredita que há, sim, possibilidade de que as parcerias possam ser benéficas no longo prazo, mas que para isso precisam ser estratégicas.

“Há a necessidade de transferência de tecnologia, de know-how e de internalização dos ganhos, para que o Brasil não ganhe somente benefícios que gerem pouco valor agregado. A China tem buscado fortalecer sua indústria aeroespacial, e o fomento ao comércio bilateral pode ser estratégico e pode fazer com que o Brasil ganhe mais uma fatia de comércio externo, consolidando ganhos no médio e longo prazos”, conclui ela.

Já o analista militar e autor do livro “Guerra na Ucrânia: análises e perspectivas”, Rodolfo Laterza, defende o incremento da inserção do Brasil na indústria de aviação civil chinesa como um todo, seja no ciclo de desenvolvimento e produção de motores, compósitos, fuselagem e aviônicos, seja na integração de sistemas.

“O crescimento da demanda da aviação civil e comercial por lá exigirá da China uma descentralização na produção e fornecimento de certas estruturas e componentes aeronáuticos, permitindo à Embraer adquirir sinergias e ganhos de escala em novas áreas”.

Entretanto ele avalia que a Embraer é uma empresa com capital acionário estrangeiro, sujeita a decisões que levem em consideração as visões geopolíticas dos EUA e da Suécia, por exemplo, limitando o potencial da parceria na conjuntura atual.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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