Eleições polarizadas mundo afora, BRICS como sucesso mundial e desdolarização: a geopolítica em 2024


“Andamos boas casas, e existem motivos que podem nos levar a dizer isso.” Assim resume ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o mestre em relações internacionais pela Universidade Estatal de São Petesburgo e pesquisador sobre BRICS na Universidade de São Paulo (USP) Valdir Bezerra, quanto à consolidação de um mundo cada vez mais multipolar em 2024. Prova disso foram as conquistas do BRICS em seu primeiro ano de expansão inédita, que além de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, passou a reunir Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Arábia Saudita.
Para além disso, durante a cúpula do grupo em Kazan, na Rússia, foi aprovada a entrada de outros 13 países em uma nova categoria: a de parceiros do grupo. “É um grupo que se opõe à dominância do sistema internacional por uma única superpotência, além de ser a favor de reformas em organizações internacionais que tenham o domínio exagerado do G7, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O fortalecimento do grupo também fortalece a multipolaridade, quando vimos em 2024 um cenário cada vez mais próximo disso”, declarou.
O especialista também pontuou a consolidação, ao longo do ano, da desdolarização da economia global, com cada vez mais países avançando no comércio com moedas próprias.
“O BRICS é a liderança nesse discurso que tem ganhado cada vez mais força no cenário contemporâneo, até mesmo a ponto de provocar uma publicação de Donald Trump [presidente eleito dos Estados Unidos] dizendo que vai atacar com o aumento de tarifas [para as transações] os países que participam desse processo”, destaca Bezerra, ao lembrar que o grupo também representa mais de 30% do produto interno bruto (PIB) global, cerca de metade da população mundial e os maiores produtores de petróleo, gás natural e outras riquezas cruciais ao desenvolvimento.
Foto mostra caixa cheia de notas de dólar americano em Nova York, 3 de abril de 2019 - Sputnik Brasil, 1920, 17.12.2024

Mundo polarizado

Da Europa à América Latina, da Ásia à América do Norte, o processo eleitoral em diversos países este ano foi marcado pela forte polarização entre dois grupos políticos, como explica o mestre em relações internacionais. Na Geórgia, que tem posição estratégica entre Europa e Ásia, o processo não foi diferente e reuniu forças políticas mais favoráveis à aproximação com a UE de um lado, e outra que defendia a manutenção de boas relações com a Rússia.

“Esse não é um fenômeno novo, principalmente na Geórgia e em outros países do chamado espaço pós-soviético. Também ocorreu por diversos anos em locais como Armênia e Ucrânia. O caso ucraniano é o mais emblemático dessa natureza, porque foi justamente a oposição entre esses dois vetores políticos a principal responsável pela crise que ocorreu no país nos anos de 2013 e 2014. Parece que as sociedades no geral, no mundo, têm encontrado dificuldade em estabelecer uma força política, uma terceira via que pudesse unir pelo menos alguns pontos desses dois lados que se encontram em oposição”, destaca.

Outro caso emblemático é o da Romênia, que recentemente teve o primeiro turno anulado, após o candidato pró-Rússia ter saído na frente.
“A Romênia tem uma importância estratégica no leste da Europa, porque esteve sob a influência da União Soviética por muitas décadas e atualmente está alinhada com a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]. É importante mencionar que na Romênia existem mísseis antibalísticos instalados pela aliança que, quando foram colocados naquele país, a desculpa era que esses mísseis foram direcionados contra o Irã”, destaca.
O presidente da França, Emmanuel Macron, e seu homólogo ucraniano, Vladimir Zelensky, se cumprimentam antes de jantar com o primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz. Paris, 8 de fevereiro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 21.03.2024

Crise política na França

Segundo país mais importante da UE, a França também viu a crise política se acentuar este ano sob o comando do presidente Emmanuel Macron. A situação piorou após a convocação de eleições parlamentares antecipadas, em que o partido do político ficou em segundo lugar na disputa, e houve ascensão do grupo político de Marine Le Pen, quando alcançou o maior número de cadeiras na história.

“O Macron parece ter superestimado o apoio tanto ao seu governo quanto à sua própria pessoa e à sua administração, porque [a eleição] não deu os efeitos que ele imaginava. Essa polarização atravessa várias regiões do mundo; a Europa não é diferente e a França também. O Macron nem de longe é um líder unânime […]. Recentemente, o governo francês passou por um desmonte, e o Macron se tornou um líder considerado divisivo dentro da França. E, claro, quando você tem uma crise em um país central da União Europeia provocada por falta de confiança, isso tem influência em outros locais”, diz.

No país considerado a locomotiva da UE, a situação política também não é nada fácil: o chanceler Olaf Scholz também tem enfrentado dificuldades para governar na Alemanha.
“O aumento da energia, a inflação e os problemas econômicos acumulados prejudicam a competitividade da indústria alemã. Isso tem repercussão nos empregos, em como as pessoas acabam avaliando o governo, e é por conta disso que ocorreu um desmonte recente no governo Scholz. Ele é considerado um burocrata típico, não tem muito carisma e traquejo político. Não é muito popular. Há uma diferença gritante, por exemplo, entre a figura e a capilaridade do Olaf Scholz em relação a Angela Merkel. Então temos um enfraquecimento da figura política dominante na Alemanha, e isso explica também os problemas que acontecem por lá.”
Donald Trump discursa na reunião da conferência republicana da Câmara, em Washington DC. EUA, 13 de novembro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 30.11.2024

Eleição de Trump e América Latina

Já o professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Gunther Rudzit comentou ao podcast as perspectivas para a América Latina após a eleição de Donald Trump em novembro nos Estados Unidos. Apesar de o especialista considerar que a região não é prioridade dos norte-americanos desde o fim da Guerra Fria, a escolha do senador republicano Marco Rubio para secretário de Estado pode trazer impactos. Isso porque o senador é filho de imigrantes cubanos e tem posições agressivas sobre a política externa do país.

“Ele já vem fazendo alguns pronunciamentos que fazem entender que vai dar certa atenção para a América Latina. Se isso vai ser bom ou não, depende do referencial, porque sempre que os Estados Unidos se interessam por uma região ou um tema, é a visão deles que se impõe sobre os interesses dos demais. Efetivamente, Rubio deve tentar criar uma aliança de governos de direita para se contrapor, teoricamente, a um bloco de esquerda [mais ligado à China]. Acredito que, pela primeira vez em décadas, o interesse norte-americano seja maior aqui, principalmente por conta da presença chinesa. E, para Trump, o país [China] é efetivamente a maior ameaça dos EUA.”

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Fonte: sputniknewsbrasil

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