Eficácia de remédio contra obesidade testado em adolescentes surpreende especialistas


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San Diego, Estados Unidos – O combate à obesidade na infância e na adolescência está prestes a ganhar um novo aliado. Estudo publicado no The New England Journal of Medicine no início do mês traz o resultado de uma pesquisa realizada com jovens de 12 a 18 anos que fizeram tratamento com uma dose semanal de 2,4 mg de semaglutida, remédio já utilizado por adultos nos Estados Unidos e na Europa.

Entre os participantes, 134 receberam o medicamento; e 67, um placebo. Os pacientes de ambos os grupos tiveram acompanhamento profissional ao longo das 68 semanas e foram submetidos a uma rotina de dieta e exercícios físicos.

O resultado surpreendeu os especialistas: em média, os jovens que tomaram a dose subcutânea da semaglutida perderam 15,3 kg. Em relação ao Índice de Massa Corpórea (IMC), a redução foi de 16,7%. Já aqueles que receberam placebo ganharam, em média, 2,4 kg e viram o IMC subir 0,6%, mesmo com atividades físicas e alimentação regrada.

A semaglutida é uma agonista do GLP-1, o hormônio que promove a sensação de saciedade e otimiza a produção de insulina no sangue. O termo agonista refere-se à substância capaz de se ligar a um receptor celular e ativá-lo, provocando resposta biológica.

Os efeitos colaterais sentidos por parte dos pacientes no início do tratamento foram os mesmos relatados por adultos: problemas gastrointestinais e náuseas. O estudo está na fase 3 – a última etapa antes da obtenção do registro sanitário para comercialização.

Segundo o médico Daniel Weghuber, um dos pesquisadores que participaram do estudo, o resultado é superior ao verificado em adultos que fazem uso contínuo da semaglutida 2,4mg. Além disso, destaca, foi verificado o aumento da autoestima dos jovens que perderam peso ao longo do tratamento.

“Muitos desses adolescentes estão lutando há anos. Não é uma questão de falta de força de vontade, pois a obesidade é uma doença crônica. A pesquisa dá esperança a esses pacientes, seus pais e médicos”, afirmou Weghuber, especialista em obesidade na Faculdade de Medicina de Paracelsus, em Salzburgo, na Áustria.

O médico está entre os autores da pesquisa recém-publicada no The New England Journal of Medicine, apresentada na Obesity Week, em San Diego, nos Estados Unidos. O congresso norte-americano reuniu especialistas de todo o mundo entre os dias 1° e 4 de novembro.

Ozempic e Wegovy

A semaglutida é o mesmo princípio ativo do Ozempic, remédio destinado ao tratamento de diabetes e usado também para a perda de peso, uma vez que aumenta a sensação de saciedade e ajuda a controlar a fome.

No Brasil, o Ozempic, que tem concentração de semaglutida entre 0,25 mg e 1 mg, se popularizou especialmente para uso off label – quando o medicamento é administrado para um tratamento não previsto na bula. A prática, contudo, é contraindicada pela fabricante, a dinamarquesa Novo Nordisk.

Para o combate à obesidade, a farmacêutica comercializa o Wegovy, que tem concentração de semaglutida de 2,4 mg, superior à encontrada no Ozempic.

O uso do Wegovy em adultos é aprovado por órgãos reguladores de outros países, como o Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, e o European Medicines Agency (EMA), da Europa.

No Brasil, o pedido de liberação do Wegovy está na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde março de 2021, e a expectativa é de que, caso aprovado, o medicamento seja disponibilizado para prescrição médica voltada a adultos até meados de 2023.

Não há estimativa de quanto o medicamento custará no país, mas não deverá ser barato. Para efeitos de comparação, uma caixa de Ozempic pode ser encontrada a partir de R$ 700 nas farmácias. Em geral, uma unidade é suficiente para um mês de tratamento contra a diabetes. Tanto a aplicação do Ozempic quanto do Wegovy é feita por meio de uma caneta injetável.

Ainda que o Wegovy seja vendido por valor semelhante ou mesmo inferior, provavelmente não será acessível para a maior parte das famílias brasileiras.

Atualmente, nos países onde é comercializada, a semaglutida 2,4 mg só pode ser prescrita para pessoas acima de 18 anos. Entretanto, com a fase 3 do estudo clínico feito em pacientes abaixo dessa faixa etária, o tratamento deve ser liberado para jovens dos Estados Unidos e da Europa nos próximos meses.

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Números e tratamento no Brasil

Embora seja uma doença crônica, assim como hipertensão, diabetes e câncer, a obesidade muitas vezes não é vista dessa forma. A falta de informação por parte de pacientes, parentes, amigos e até mesmo médicos é uma das principais barreiras para o tratamento da obesidade.

De acordo com o Ministério da Saúde, nas 26 capitais estaduais e em Brasília, 22,4% da população acima dos 18 anos é obesa. Os dados são de 2021, os mais recentes da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), iniciativa de monitoramento do governo federal.

Em relação à obesidade infantil, a Organização Panamericana da Saúde (Opas) e o Ministério da Saúde apontam que 12,9% das crianças brasileiras entre 5 e 9 anos sofrem de obesidade, assim como 7% dos adolescentes na faixa etária dos 12 aos 17 anos.

O diagnóstico é feito por meio do cálculo do Índice de Massa Corpórea (IMC), que avalia a relação entre o peso e a altura. Quando o IMC é maior do que 30, a pessoa é considerada obesa.

Segundo o Hospital Israelita Albert Einstein, entre os problemas que o acúmulo de gordura no organismo acarreta, estão o aumento o risco de doenças como hipertensão arterial, colesterol, diabetes, apneia do sono, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e alguns tipos de câncer.

O tratamento é multifatorial e sistêmico: é necessário acompanhamento clínico e psicológico, mudança na dieta, exercícios físicos e, quando necessário, uso de medicamentos.

De acordo com a Anvisa, o Brasil tem, hoje, apenas quatro medicamentos aprovados para o combate à obesidade em adultos: a sibutramina, o orlistate, o cloridrato de lorcasserina e a liraglutida. No caso de adolescentes, só um é liberado: a liraglutida, para pacientes a partir dos 12 anos.

“Destes, somente a sibutramina é de uso controlado. Os outros exigem prescrição médica simples”, informou a Anvisa ao Metrópoles.

Como os medicamentos não são baratos e para se obter resultados, é necessária uma grande mudança nos hábitos dos pacientes; muitas vezes o tratamento acaba sendo restrito a pessoas com razoável poder aquisitivo.

Outro obstáculo é a falta de opções acessíveis para o grande público, pois nenhum dos medicamentos comercializados no Brasil está disponível na rede pública. No Sistema Único de Saúde (SUS), a cirurgia bariátrica é a única alternativa para quem tem mais de 16 anos, e só pode ser feita quando há diagnóstico de obesidade mórbida.

“Atualmente, temos poucas opções para o tratamento, tanto de adultos quanto de crianças e adolescentes. A base do tratamento é a modificação de estilo de vida, com o incentivo de atividade física e alimentação mais adequada”, afirma a endocrinologista Cintia Cercato, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).

Segundo Cintia Cercato, a liraglutida é uma ferramenta importante que consegue ajudar as crianças e os adolescentes a partir de 12 anos de idade a alcançarem uma boa perda de peso.

Esses medicamentos levam, em média, a uma perda de 10% do IMC. Contudo, a especialista ressalta que, quando os jovens têm obesidade severa, às vezes a quantidade não é suficiente.

“A semaglutida 2,4 mg, que apresentou nos estudos uma perda de peso até então não vista, com 16% de redução no IMC e 15% de diminuição nos quilos, pode ser uma ferramenta muito mais eficaz”, afirma.

A presidente da Abeso destaca a importância de se combater a obesidade na infância e na adolescência não apenas pelos danos à saúde que a doença provoca, mas pelos problemas psicológicos. “Nessa fase de vida, os adolescentes sofrem muito bullying, e isso também prejudica o comportamento alimentar.”

Estigma e desafios

Para a endocrinologista Monica Palmanhami, que há anos trata pacientes com obesidade, existem muitos estigmas no combate à enfermidade. “Não se trata de falta de vontade daquelas pessoas que estão precisando de ajuda. Esse é o maior desafio. É uma doença crônica, como como diabetes e hipertensão”, ressalta a especialista.

A obesidade, na grande maioria das vezes, é multifatorial. Há questões hormonais, comportamentais e do próprio ambiente em que se vive. Por essa razão, Monica Palmanhami defende uma visão sistêmica para reverter um quadro que exige disciplina de pacientes e familiares, pois engloba uma mudança comportamental, com dieta e exercícios físicos associados a medicamentos.

Nesse contexto, a informação é essencial, acrescenta a especialista. “Mesmo porque, hoje em dia quando se tem algum problema, costuma-se recorrer às redes sociais em busca de respostas. No caso da medicina, essa prática é muito perigosa, pois a recomendação de um influencer, de um youtuber, pode provocar sérios danos à saúde”, reforça.

No caso de crianças, o acompanhamento e apoio dos pais é essencial. “Não julguem seus filhos simplesmente porque eles têm obesidade, como se fosse uma escolha deles. E procure ajuda médica, para entender melhor o que é a obesidade e o que pode ser oferecido para o seu filho. Sabemos que, quando os pais incentivam, acompanham e ajudam no tratamento, os resultados melhoram”, diz Monica.

  • O repórter viajou a convite da Novo Nordisk
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