Duplo impasse: por que presença militar dos EUA no Caribe coloca em xeque promessas de Trump?


Segundo a mídia do país, esse vencimento legal expõe a natureza arbitrária e extrapolada da presença militar norte-americana na região. No entanto, longe de uma desescalada, o cenário revela uma perigosa contradição: enquanto o arcabouço legal interno se desmorona, a máquina de pressão contra a Venezuela segue ativa em um contexto de crescente rejeição popular dentro do próprio território dos EUA.
Uma nova pesquisa da YouGov, publicada neste mês, confirma esse mal-estar social. A oposição a um conflito com a Venezuela permanece majoritária: de acordo com os dados, 55% dos norte-americanos rejeitam uma eventual invasão, enquanto apenas 15% a apoiariam, refletindo a continuidade do sentimento anti-intervencionista.
O levantamento também mostra que apenas 19% dos entrevistados aprovam que a CIA conduza operações para influenciar a situação interna da Venezuela. Uma ampla maioria se opõe a esse tipo de interferência encoberta — sentimento que se estende ao envio de forças militares: só 26% apoiam o envio de navios de guerra para perto das costas venezuelanas.
Esses números não são meros percentuais: representam um profundo divórcio entre a agenda do establishment de segurança nacional e o desejo de uma população cansada das “guerras eternas”.
Placa de boas-vindas na entrada da antiga base naval Roosevelt Roads. Porto Rico, 25 de janeiro de 2012 - Sputnik Brasil, 1920, 02.11.2025

Divisão partidária exposta

A radiografia política dessa rejeição é ainda mais reveladora. A maioria dos democratas (67%) se opõe aos ataques, contra apenas 8% que os apoiam. Entre os independentes, o sentimento também é amplamente contrário (42% contra 21% de aprovação). O único setor em que há apoio relevante é entre os republicanos, onde 55% aprovam as ações militares, embora 16% dentro desse mesmo grupo também as desaprovem.
Assim como nas pesquisas da YouGov em setembro, o público norte-americano continua mais relutante do que favorável ao uso da força militar para tentar mudar o governo venezuelano. Quase metade dos cidadãos (46%) rejeitaria uma derrubada armada, enquanto apenas 18% a apoiariam.
Para o analista internacional especializado em geopolítica Ricardo Gallardo, essa discrepância não é acidental. “O povo dos Estados Unidos é, em grande medida, a primeira vítima da máquina de propaganda do seu próprio establishment”, afirmou em entrevista à Sputnik.

“Durante décadas, construiu-se uma narrativa midiática que apresenta a Venezuela como uma ‘ameaça’, justificando assim ações desestabilizadoras e sanções unilaterais criminosas que tanto prejudicaram as famílias venezuelanas”, acrescentou.

O especialista ressalta, porém, uma distinção importante: “Acreditamos que uma parte significativa do povo norte-americano — aquela que luta por seus direitos trabalhistas, por saúde e contra as guerras sem fim — não concorda que seu governo invista bilhões para derrubar governos legítimos, em vez de resolver seus próprios problemas internos”.
Sobre o papel da CIA, Gallardo é direto: “A interferência da agência, documentada em inúmeras tentativas de golpe de Estado e operações de desestabilização econômica, é repudiada por qualquer pessoa consciente”.
Esse descontentamento ecoa no dividido cenário político interno dos EUA, onde a suposta unidade bipartidária sobre a Venezuela mostra fissuras cada vez mais visíveis.
Militar americano fazendo saudação à bandeira dos EUA - Sputnik Brasil, 1920, 30.10.2025

Fendas no establishment republicano

Gallardo observa que não existe um consenso real na classe política dos EUA sobre a Venezuela, o que considera “uma vitória da diplomacia de paz e da resistência do povo venezuelano”.
O especialista lembra que figuras republicanas proeminentes, como o senador Rand Paul, têm questionado abertamente a narrativa intervencionista, denunciando a falta de provas para as acusações mais graves contra Caracas e classificando as sanções como um fracasso humanitário.
Nesse grupo também está o influente comentarista Tucker Carlson, que tem sido uma das vozes mais críticas dentro da direita. Ele acusou diretamente Donald Trump de trair sua base eleitoral, ao contrariar a promessa central de retirar os EUA de conflitos intermináveis no exterior — uma bandeira que lhe garantiu amplo apoio popular.
Contudo, a militarização crescente no Caribe e a retórica agressiva contra a Venezuela, impulsionadas por figuras de seu próprio partido, como o secretário de Estado Marco Rubio, representam, segundo analistas como Carlson, um rompimento das promessas de campanha de Trump.
Essa contradição coloca o ex-presidente em uma encruzilhada política: ceder aos “falcões” republicanos ou manter-se fiel ao lema “America First” que o impulsionou ao poder.
Gallardo analisa que “os chamados fatores de poder não são um bloco monolítico. De um lado estão os falcões da guerra, representados por figuras como Marco Rubio, cuja agenda é a confrontação direta com a Venezuela e outros países. De outro, surgem setores — inclusive dentro do poder — que consideram essa estratégia geopoliticamente custosa e contrária aos interesses comerciais dos EUA no longo prazo”.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante coletiva de imprensa na Casa Branca, em setembro de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 23.09.2025

Xadrez eleitoral na Casa Branca

Nesse complexo tabuleiro, a política externa se transforma em instrumento de ambições domésticas. Surge então a pergunta: a Casa Branca estaria usando a crise no Caribe para fortalecer o controle interno e preparar o terreno para um sucessor?
“Donald Trump sempre priorizou uma política exterior que ele chama de interesse nacional, que na prática costuma ser mais transacional e menos ideológica do que a dos neoconservadores”, explica Gallardo. “Figuras como Marco Rubio, com sua obsessão ideológica por Venezuela e Cuba, representam uma ala do partido que pode se tornar incômoda para ele”.
O analista acrescenta que uma ação política ousada ou uma mudança brusca na estratégia para o Caribe — que isolasse ou expusesse Rubio — seria uma jogada interessante para Trump, pois permitiria enfraquecer um rival interno e consolidar seu domínio sobre o Partido Republicano, mostrando quem realmente define a agenda externa.
Além disso, tal movimento poderia abrir caminho para seu aliado J.D. Vance, fortalecendo-o como potencial vice e futuro candidato presidencial.
Enquanto esse intrincado jogo de poder se desenrola em Washington, e apesar da retórica inflamada, o próprio Trump tentou reduzir as tensões em uma recente entrevista à CBS, descartando explicitamente uma confrontação militar com a Venezuela.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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