Dia da Língua Árabe: escolas de diplomacia no mundo fazem questão de ensinar o idioma, nota analista


Nesta quarta-feira (18) é celebrado o Dia da Língua Árabe. O idioma é falado por cerca de 400 milhões de pessoas, em mais de 20 países, abrangendo uma região rica em recursos naturais essenciais, como o petróleo e o gás natural. Essa região é estratégica para a economia global, impactando na segurança energética e nas relações internacionais.
Além disso, o árabe é uma das seis línguas oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU) e representa um elo cultural e religioso entre as nações árabes e islâmicas, influenciando políticas regionais e globais. A importância geopolítica da língua árabe é reforçada por sua capacidade de mediar diálogos e acordos internacionais, promovendo a cooperação em questões de segurança, economia e cultura.
A origem da língua árabe está ligada à religião islâmica, como aponta ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Claude Hajjar, psicanalista, autora do livro “Imigração árabe: 100 anos de reflexão”, editora do site Oriente Mídia, pesquisadora de temas do Oriente Médio e conselheira da presidência da Federação de Entidades Americano-Árabes (Fearab).
“O [idioma] árabe vai começar junto com o islamismo. Nos séculos VI, VII, você tinha a presença da língua árabe na Arábia Saudita e em algumas tribos árabes nômades. Com o advento do islamismo e a construção de todo um sentido político e religioso […], você tem no Alcorão a presença da língua árabe como obrigatória e não traduzível naquele momento. Então o Alcorão coloca o idioma árabe como um idioma sacro, praticamente, que não pode ser traduzido, uma coisa que mudou completamente a partir dos séculos XIX, XX. Nós passamos a ter, no século XX, principalmente, traduções do Alcorão para o português e outros idiomas”, explica.
Ensaio fotográfico sobre a fé no Brasil. Na foto o banho de pipocas na igreja de São Lázaro, em Salvador (BA). Brasil, 17 de outubro de 2015 - Sputnik Brasil, 1920, 28.06.2024

Hajjar afirma que, embora a situação tenha mudado posteriormente, os séculos em que a língua árabe foi exclusiva no Alcorão acabaram fazendo do idioma um fator agregador no sentido islâmico-religioso. Nesse contexto, ele se tornou dominante no chamado Crescente Fértil, região que abrange os territórios de Palestina, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano, Chipre e partes da Síria.

“Todos esses países passaram a adotar o idioma árabe como a língua deles, logicamente com dialetos diferentes e sempre usando o árabe clássico para o Alcorão. Então é lógico que esse idioma vai unificar mais de 23 países árabes e um outro tanto de países islâmicos.”

Ela explica que o idioma passou a ter contexto comercial durante a década de 1970, por conta das transações envolvendo petróleo.
“Começou a ser muito importante o idioma árabe, porque naquela época o inglês nos países árabes ainda não era predominante. Então, se você queria fazer negócio com os países árabes, você precisava falar o árabe. E não só falar o árabe, como entender hábitos, costumes: como você vai se comportar; como você vai comer — com a mão direita, com a esquerda —; se você senta no chão, não come, come junto, no mesmo prato, come separado, garfo e faca; ou então se você coloca um lenço na cabeça; ou se uma mulher cumprimenta um homem ou não cumprimenta”, afirma.
Segundo Hajjar, com o tempo isso mudou, pois muitos dos árabes passaram a querer fazer negócios em inglês.

“Mas até hoje, por exemplo, o Itamaraty e outras escolas de diplomacia pelo mundo fazem questão de colocar o ensino da língua [árabe] e o ensino da cultura, hábitos e costumes [nas suas ementas].”

Ela afirma que não há resistência quanto à língua árabe no Ocidente, pois o idioma sempre foi visto como algo que evoca mistério e magia. Porém ela frisa que o que existe é o impedimento do idioma por questões geopolíticas.
“O impedimento aqui de as gravadoras [ocidentais] não permitirem que ela [língua árabe] se divulgue muito. Talvez exatamente para não mostrar um árabe civilizado, para mostrar um árabe menos civilizado.”
Fiéis se reúnem para comemorar o feriado muçulmano do Eid al-Fitr, em Cartum, Sudão, em 24 de maio de 2020 - Sputnik Brasil, 1920, 05.12.2024

Ela afirma que para compreender a geopolítica, sobretudo envolvendo o Oriente Médio, é preciso buscar notícias em sites de língua árabe, pois traduções ou notícias veiculadas por portais ocidentais podem trazer uma interpretação errada ou mesmo enviesada.

“Durante as guerras de Gaza e do Líbano, e agora da Síria, o número de amigos meus que buscavam quem pudesse traduzir para eles um vídeo ou alguma coisa que era falada em árabe era muito grande. Por quê? Porque você não acredita no que está sendo veiculado no Ocidente. Você precisa, na verdade, da mídia alternativa para te dar o real da notícia”, afirma.

Qual a raiz da influência da língua árabe no português?

Ao podcast Mundioka, Muna Omran, cofundadora e pesquisadora sênior do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (GEPOM), afirma que a influência da língua árabe está presente no português falado no Brasil.

“A gente sempre aprende na escola que o árabe no Brasil, que as palavras de origem da língua portuguesa que tem ‘al’, elas são de origem árabe. Isso realmente procede, mas existem algumas outras palavras que não têm, porque o ‘al’ é o artigo. Então, muitas vezes, as palavras em língua portuguesa não vão ter o ‘al’, mas são de origem árabe”, afirma.

Omran cita como exemplo as palavras “azeite”, que vem do árabe “al-zait”; “algodão”, que vem de “al-qutn”; “açougue”, que vem de “as-suq”; e “azulejo”, que vem de “al-zulaich”.
Bandeiras de países de língua portuguêsa representadas em teclado - Sputnik Brasil, 1920, 05.05.2024

Ela explica que a influência do árabe na língua portuguesa remonta à chegada dos árabes na península ibérica, no século VIII, na época do reino dos Visigodos.
“Quando acontece a morte do rei godo Vitisa, que era o rei godo em 710, pela ausência de herdeiros, Rodrigo, que era o último rei godo, assume. E aí começa a disputa pelo poder, a instabilidade política. E quem vai reunificar [a península ibérica], quem vai entrar e organizar essa disputa é Tariq ibn Ziyad, que era um general muçulmano, que vai enfrentar o rei Rodrigo, e finalmente os árabes se instalam na península ibérica.”
Omran afirma que esse contato levou à influência do árabe no espanhol e no português, já que os árabes permaneceram por nove séculos na península ibérica. Ela enfatiza que essa influência ocorreu de forma natural.

“Quando os árabes chegam à península ibérica, eles não obrigam as pessoas a falarem o árabe. Eles vão chegando, conquistando e ocupando os espaços, sem impor o idioma como uma forma necessária da identidade daquele país, no caso, da península ibérica. Tanto é que o português e o espanhol sobreviveram. Tiveram as influências naturais, mas sobreviveram. Então isso tem muito a ver também com a percepção de como acontecem essas ocupações territoriais, essas ocupações culturais”, afirma.

Ela acrescenta que essa influência é diferente da observada em outras culturas ocidentais, que impunham suas línguas e seus costumes aos povos dominados.
“Os árabes, ao chegarem na península ibérica, eles não impuseram a sua cultura, eles não impuseram o seu idioma. Ela [influência] foi acontecendo naturalmente e se adaptando, entrando nas entranhas, por exemplo, da língua portuguesa. Então o português continua a falar português. O árabe se adequa ali, eles foram trazendo algumas contribuições. Situação contrária a países do Ocidente, que têm o desejo do imperialismo, da colonização, que impuseram a língua do colonizador. É o caso do Brasil, é o caso dos países das Américas, é o caso dos países da América Latina. O português, os espanhóis, eles impuseram, eles destruíram, acabaram com as populações nativas”, afirma Omran.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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