Desemprego diminui, mas informalidade cresce: como está o trabalho na Argentina de Milei?


“As famílias pobres não podem se dar ao luxo de ter pessoas desempregadas e por isso procuram qualquer fonte de rendimento, por mais precária que seja”, explicou um especialista à Sputnik.
Na Argentina, as pessoas trabalham em condições cada vez piores. Embora os últimos dados oficiais mostrem uma redução do desemprego, a verdade é que os empregos destruídos no setor privado formal foram substituídos pelo forte salto dos empregos precários, desprovidos de todos os direitos trabalhistas. A tendência, estabelecida nas últimas décadas, se aprofundou durante o primeiro ano do governo de Javier Milei.
O Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC) informou que, no terceiro trimestre de 2024, o desemprego foi de 6,9%, o que mostra uma ligeira diminuição diante da medição anterior (7,6%), ao mesmo tempo que um salto diante do mesmo trimestre de 2023 (5,7%). Contudo, a vitória sazonal parece ter tido um custo irreparável: no período em questão a taxa de informalidade atingiu 36,7% entre os trabalhadores assalariados, a segunda pior marca desde 2008.
Segundo relatório do Instituto Interdisciplinar de Economia Política da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires, a informalidade aumentou um ponto no último ano. O recorde é consistente com a queda dos empregos registrados: desde o final de 2023, mais de 180.000 empregos formais foram destruídos, no calor da recessão desencadeada pelo ajuste fiscal.
Embora o governo tenha destacado que outubro foi o segundo mês consecutivo de criação de emprego — com um aumento de 0,3% mensal, em linha com o abrandamento da recessão — o próprio Ministério do Trabalho detalhou que entre outubro de 2023 e agosto de 2024 houve uma queda acumulada de 2,4%.
O então candidato à presidência argentina Javier Milei segura uma imagem de papelão de uma nota de 100 dólares americanos com seu rosto durante comício de encerramento de campanha em Córdoba, em 16 de novembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 18.12.2024

Os dados, que parecem desanimadores, fazem parte de uma Argentina que desde 2003 — após a fatal crise socioeconômica de 2001 — regista uma taxa de informalidade consideravelmente elevada. Precisamente, desde 2008 o indicador oscilou entre 32% e 36%.
Como explicar que, no meio de uma queda acentuada do consumo e da produção, o desemprego permaneça em níveis relativamente estáveis? O sociólogo Eduardo Donza, pesquisador da Universidade Católica Argentina, explicou à Sputnik que “as famílias pobres não podem se dar ao luxo de ter desempregados e por isso procuram qualquer fonte de renda, por mais precária que seja. Por isso, os postos de trabalho formais são substituídos por outros informais”.

“A Argentina não tem tanto um problema de desemprego, mas de precariedade: o trabalhador de uma família vulnerável que perdeu o emprego em uma fábrica provavelmente optou por sair para recolher papelão ou [virou] entregador de aplicativo, e dessa situação é muito difícil sair”, explica o pesquisador.

A transição da formalidade para a informalidade não é gratuita. Entre os dois casos, existe uma disparidade salarial inevitável: os trabalhadores informais recebem, em média, um rendimento 46% inferior aos registados em empregos relativamente semelhantes.
Nesse sentido, o referido relatório especifica que 63% dos assalariados não registrados vivem em lares pobres, em contraste com 27% dos formais. Além disso, quase 60% dos trabalhadores informais não conseguem cobrir o valor da cesta básica com os seus rendimentos, enquanto no caso dos trabalhadores registrados o valor é de apenas 8%.
Javier Milei gesticula ao fazer um discurso durante o evento Europa Viva 24, realizado pelo partido espanhol radical Vox, em Madri. Espanha, 19 de maio de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 17.12.2024

Segundo Donza, “a informalidade laboral persiste porque a estrutura produtiva não está desenvolvida. Desde o aprofundamento do modelo neoliberal durante a década de 1970 — mas especialmente ao longo da década de 1990 — foi desenhado um esquema que exclui muitos trabalhadores do sistema formal“.

O sociólogo sublinhou que, para inverter estes indicadores, “é fundamental a recuperação do setor industrial, que habitualmente contrata dentro do regime formal”.
A precariedade não afeta todos igualmente. A idade é um fator crucial para entender o mapa trabalhista: enquanto a informalidade entre os empregados entre 45 e 64 anos é de 27,5%, no caso dos menores de 24 anos o número salta para 64,3%, mais que o dobro. Os jovens ficam mais expostos à falta de cobertura legal e médica, de regimes de segurança social e de direitos como férias remuneradas.
Outro indicador central responde ao nível educacional alcançado. Entre aqueles que não concluíram o ensino médio, a informalidade ultrapassa os 56%, enquanto o número cai para 15% entre aqueles com ensino universitário completo.

Questionado sobre isso, Donza comentou que “é claro que pode haver informalidade laboral nos setores mais ricos da sociedade: o caso paradigmático são os jovens programadores que trabalham no exterior e são pagos em dólares ou criptomoedas. No entanto, esta é uma parcela muito pequena da população: a grande maioria dos trabalhadores não registrados vive em uma situação vulnerável”, explicou.

Para o especialista, não basta ter um crescimento da atividade econômica ou uma reforma trabalhista como a promovida pelo governo: “é provável que nos próximos meses o produto interno bruto [PIB] aumente, mas isso será em grande parte graças aos setores primários e os exportadores, que são pouco intensivos em mão de obra e não distribuem sua riqueza para a sociedade.
Mais do que a flexibilidade trabalhista, é preciso reativar os itens ligados ao consumo interno, que impactam os mais vulneráveis”, afirmou.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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