Tema em alta na agenda do BRICS, a desdolarização já vem sendo testada por grandes empresas brasileiras, como a mineradora Vale e a Suzano — esta última a maior fabricante de celulose do mundo. Recentemente, ambas confirmaram ter usado a moeda chinesa, o yuan, em transações feitas com a China.
A medida vem na esteira de uma tendência global que precede a pandemia, tem apoio do setor privado e é acompanhada por bancos, como o Bocom BBM, banco especializado nas relações China-Brasil que, no ano passado, anunciou a adesão ao Cross-Border Interbank Payment System (CIPS), alternativa chinesa ao SWIFT — sistema ocidental interbancário internacional de transmissão e pagamento. Bancos como Itaú e PNB Paribas também estudam operações similares, com uso de moedas locais.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam quais benefícios a desdolarização nas transações pode trazer para a economia e a indústria brasileira e qual o papel do BRICS nessa tendência.
‘Evolução do sistema monetário’
O momento geopolítico, diz Alexandre Coelho — professor de relações internacionais, secretário do Comitê de Estudos de Ásia e Pacífico da Associação Internacional de Ciência Política (IPSA, na sigla em inglês) e pesquisador não residente na Observa China —, é um “exemplo prático e significativo da possível evolução do sistema monetário internacional“.
“Embora o dólar americano continue sendo a moeda dominante, a crescente importância da China na economia mundial e suas iniciativas para promover o uso internacional do yuan indicam um potencial aumento na aceitação do yuan nas trocas globais”, afirmou.
Segundo Coelho, para as empresas, há diversas vantagens em negociar usando o yuan, e não o dólar, como a redução dos custos de transação, que evitam “custos associados a taxas de câmbios e comissões bancárias”, e o hedge cambial, que protege as companhias em tempos de flutuação do dólar.
“Negociar em yuan pode oferecer maior estabilidade para empresas em países cujas moedas nacionais são menos estáveis do que o yuan.”
Além disso, comercializar em yuan dá às companhias acesso a novos mercados de capitais chineses, “que estão gradualmente se abrindo para mais investidores estrangeiros”.
Internacionalização da moeda chinesa
Para Sergio Quadros — economista e ex-gerente do Banco do Brasil em Xangai, responsável pela abertura do banco na China e que há mais de dez anos analisa o mercado financeiro chinês —, o fato de a Vale e a Suzano terem usado o yuan em transações é mais um indício da internacionalização da moeda chinesa.
Quadros diz considerar que a questão “não se trataria de uma desdolarização, e sim da abertura de mais uma opção para as empresas brasileiras negociarem com a China”. Ele afirma que a redução dos custos de transação ao optar pelo yuan incentiva o comércio entre o Brasil e a China.
“Isso [a ampliação do uso do yuan] abriria um nicho de mercado para exportar também não só commodities, mas outros produtos do Brasil para a China. Então haveria um aumento de comércio, e reduziria os custos de transação sem passar pelo dólar. É lógico que isso implicaria em mais segmentos da indústria, além da de commodities, para colocar mais produtos do Brasil dentro da China“, explica o economista.
Ele afirma que o governo chinês vem trabalhando no processo de internacionalização do yuan e cita como exemplo o fato de que, hoje, os Estados Unidos, mesmo com moeda forte, já têm um centro financeiro para negociar em moeda chinesa que responde por quase 3% do volume total do negociado ao redor do mundo.
“Assim como você tem o dólar, o euro, o iene, você passa a ter o yuan. Inclusive o yuan já está na reserva dos bancos centrais de vários países.”
Oportunidade para a indústria brasileira
Johnny Silva Mendes, professor de economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e economista chefe da BridgeSea Consultoria Econômica, afirma que este é um “claro movimento de desdolarização”, uma vez que para manter esses acordos de pagamento em yuan, é necessário aumentar as reservas cambiais brasileiras nessa moeda. “Esse é um processo inevitável.”
“Esse processo de desdolarização […] ocorre com negociações bilaterais e, nesse caso, podemos até estender para uma negociação com o BRICS.”
Segundo o professor da FAAP, no entanto, esse movimento não altera a necessidade de estabelecer contratos em dólar. Tanto a China quanto o Brasil têm necessidade de adquirir dólares para suas reservas, e “uma das formas de adquirir reservas cambiais são nessas negociações comerciais”.
Estrategicamente, diz Mendes, a substituição do dólar é de interesse de ambos os países a partir do processo de diminuição da dependência da moeda norte-americana, de modo que não “se torne um fator preponderante em situações adversas”, como sanções econômicas.
Por enquanto, os segmentos específicos serão comercializados em moedas regionais: o minério de ferro, a soja e a celulose. Mas Mendes também ressalta que esta pode ser uma oportunidade para a indústria brasileira no geral.
“A China [BYD] vai desenvolver a fábrica da Ford lá na Bahia e vai fabricar carros elétricos”, lembrou. Dessa forma, aponta o analista, o Brasil poderá se tornar um grande exportador de carros elétricos para toda a América Latina.
“Então esse acordo envolve outros tratados comerciais de investimento direto estrangeiro que desenvolvem a indústria do país, permitindo que o país possa exportar produtos manufaturados.”
A tendência, sublinha, é que a China importe muito mais do que o Brasil seja capaz de exportar, então “nossa indústria precisa ganhar um pouco mais de corpo”. Ademais, esses acordos com a China podem ser o estímulo necessário para que isso aconteça.
Acompanhe as notícias que a grande mídia não mostra!
Fonte: sputniknewsbrasil