Defesa brasileira bate recorde em exportações, apesar de ser ‘ignorada’ pelo Estado, notam analistas


Formada por 252 empresas, a BID hoje emprega 2,9 milhões de pessoas direta e indiretamente. No entanto, diz Marcos José Barbieri, economista e especialista em indústria aeroespacial e defesa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ainda que seja ampla, com várias empresas, a BID é também “complexa e heterogênea”.
Complexa, pois é uma área que constrói desde equipamentos simples, como munições para armas leves, a grandes armamentos como caças, cargueiros e submarinos. “E heterogênea porque existe uma grande diferença entre as empresas, desde grandes conglomerados como a Embraer, a pequenas empresas em segmentos bastante específicos.”
Isso fica claro ao analisar o principal produto exportado pelo Brasil nesse setor: aeronaves militares da Embraer. “Basicamente havia uma concentração muito grande em aeronaves leves, os Super Tucanos. Agora, a Embraer está com um novo produto de valor agregado muito maior: o avião de transporte C-390”, detalha Barbieri.

“Então não só as exportações brasileiras da área de Defesa cresceram por causa disso, mas tendem a se ampliar muito mais. Eu acredito que vai bater recorde tranquilamente.”

Exportar cada vez mais é um claro sinal para o setor de Defesa brasileiro, que possui grande importância para a economia brasileira. Não apenas há os empregos gerados direta e indiretamente pelas Forças Armadas, como também dados da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) apontam que cada emprego aberto na BID gera outros três em áreas adjacentes.
De fato, destaca Hélio Farias, professor de economia de defesa no Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), “a Base Industrial de Defesa está integrada à estrutura produtiva nacional”.

“Os projetos e programas estratégicos demandados pela área de Defesa são de longo prazo e envolvem o desenvolvimento de tecnologias da fronteira do conhecimento, de mão de obra qualificada e de estruturas de financiamento complexas.”

Segundo o professor da ECEME, integrar a indústria de defesa a um sistema produtivo nacional robusto, diversificado e moderno é o grande desafio do setor. “Para isso, é fundamental retomar o vigor da atividade industrial no Brasil.”

Defesa é questão de soberania

Ainda que o recorde nas exportações seja motivo para comemorar, o direcionamento ao exterior não deveria ser o principal foco da indústria brasileira, apontaram os analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
“Em qualquer local do mundo, a BID depende do orçamento das compras públicas do próprio país. Esse é o ponto-chave”, afirma Barbieri. E isso não é o que acontece por aqui. Cerca de 78% do orçamento das Forças Armadas é destinado a gastos com pessoal, em vez da aquisição e do desenvolvimento de meios.
Eduardo Siqueira Brick, professor titular aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do Núcleo de Estudos de Defesa, Inovação, Capacitação e Competitividade Industrial, afirmou à reportagem que analisar a BID pela ótica econômica é um erro.

“Ela não existe por razões econômicas. Ela não existe para gerar empregos. Capacidade militar é um seguro que o país tem para garantir a sua soberania para tomar decisões próprias, se desenvolver a despeito de pressões internacionais.”

Assim como Barbieri, Brick lembra que a indústria de defesa atua em um “mercado monopsônio”, isto é, que tem apenas um comprador. “Só o Estado que compra. O Estado especifica os equipamentos, os produtos que deseja. Não compra produto de prateleira.”
Ele afirma que esse modelo “é estratégico porque a capacidade militar do país tem dois concursos”, sendo um componente a capacidade operacional de combate, que é provida pelas Forças Armadas; e outro a capacidade de logística de defesa ou de indústria e tecnologia de defesa.
Ele afirma, no entanto, que esse segundo componente é proporcionado por um sistema que “não são as Forças Armadas, do qual as indústrias estratégicas de defesa e o Instituto de Ciência e Tecnologia voltados especificamente para a defesa fazem parte”.
“Isso deveria ser parte e ser responsabilidade do Estado. É o Estado que deve bancar isso, assim como o Estado banca as Forças Armadas”, argumenta.
Brick afirma ainda que as exportações são importantes como um instrumento complementar para ajudar a sustentar a BID de um país. Segundo ele, isso explica por que países que têm uma BID forte enviam seus mais altos representantes para tentarem vender seus produtos. “Porque isso ajuda a minorar o custo que esses países têm de sustentar sua base industrial”, afirma o especialista.

Brasil comete “erro estratégico” ao importar produtos de defesa

Segundo Brick, quando o Brasil importa produtos de defesa, está sustentando a BID de um possível adversário. Ele acrescenta ainda que exportar produtos de defesa é bom, mas não o suficiente para sustentar o setor.
“Isso é um erro estratégico que o Brasil vem cometendo há muito tempo. Portanto, quando o Brasil está exportando, isso é bom para ajudar a sustentar a nossa base industrial, mas isso não é suficiente para garantir que os empresários que eventualmente se interessam por isso venham a investir nas suas instalações industriais”, explica.
Ele afirma ainda que conflitos ao redor do mundo, como na Ucrânia e em Gaza, mostram a necessidade de ter “uma base industrial de defesa independente”. “Finalmente as pessoas talvez estejam acordando para a realidade do mundo, e isso certamente pode ser positivo, embora o Brasil seja muito displicente em relação a isso.”
Ele afirma que é positivo que essas guerras ajudem “a perceber que o Brasil precisa de uma capacidade de defesa”, mas diz que, “infelizmente, isso não está resultando em ações práticas”.

“Fica só no discurso dizer que é importante, mas na prática o que nós estamos vendo é um decréscimo na realidade do seu ambiente de defesa. […] A própria Estratégia Nacional de Defesa [END] não considera que a Base Industrial de Defesa é parte dos setores de Defesa, o que é um erro muito sério”, afirma o especialista.

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Fonte: sputniknewsbrasil

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