Decisão do STF abre brecha para cobrança sindical retroativa e enxurrada de ações


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Via @folhadespaulo | A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de liberar a contribuição assistencial deixou lacunas já usadas por sindicatos. Entidades chegam a exigir a quitação da taxa dos últimos cinco anos.

Há ainda cobranças em elevado percentual e entraves à recusa do pagamento. Especialistas consideram as práticas abusivas.

No dia 11 de setembro, a corte decidiu que é constitucional a cobrança de empregados não sindicalizados, se aprovada em assembleia. Foi assegurado o direito de oposição —ou seja, o desconto pode ser recusado.

Segundo advogados, professores e juristas ouvidos pela Folha, para evitar insegurança jurídica, o STF precisa modular a decisão. Faltam regras sobre valor, prazo e forma de se opor, além de haver risco de responsabilização do empregador.

Caso as dúvidas não sejam sanadas, demandas em série chegarão à Justiça do Trabalho. Serão ações civis públicas do MPT (Ministério Público do Trabalho) contra cláusulas exorbitantes e reclamações trabalhistas.

“Vamos ter chuva de ações. Vamos ter o pau quebrando para todo o lado”, diz Rogério Neiva, juiz do trabalho e ex-juiz auxiliar da Vice-Presidência do TST (Tribunal Superior do Trabalho), órgão responsável por negociações coletivas. “Se o Supremo tivesse fechado o pacote [modulação], estaria resolvido.”

Procurado, o STF não comentou. A corte afirmou apenas que o tema poderá ser tratado em recurso. O prazo dos chamados embargos de declaração é de 60 dias após a publicação da decisão.

Enquanto isso, as polêmicas se espalham. Sindicatos já recorrem a práticas condenadas até por centrais sindicais, que têm orientado as entidades filiadas sobre como proceder.

Como mostrou a Folha, em Sorocaba (SP), convenção coletiva do sindicato de agentes autônomos traz a cobrança de 12% de contribuição assistencial ou uma taxa de R$ 150 para quem se opuser.

Agora, sindicatos de domésticas da Grande São Paulo, Jundiaí e Sorocaba querem o pagamento desde 2018. Segundo empregadores, a exigência, por email e informes nos sites, começou dois dias depois da decisão do Supremo.

Mensagem enviada a empregadores domésticos com cobrança retroativa de contribuição assistencial – Reprodução

“O sindicato adverte os empregadores para que imediatamente passem a efetuar os descontos”, diz parte da mensagem. Há ameaça de “cobrança judicial”.

Um empregador doméstico de Jundiaí, que não quis ser identificado, recebeu o email da cobrança. Ele diz ter um empregado que atua como caseiro e tem feito oposição ao pagamento da taxa.

O empregador afirma que não considera a atitude correta e ressalva que não é contra a atividade sindical, desde que ela seja exercida em parceria.

O sindicato de Jundiaí abrange 27 cidades. A convenção coletiva, de janeiro deste ano, determina contribuição assistencial de 2%, descontada a cada três meses. O direito de se opor à taxa pode ser exercido a qualquer momento.

Já no Sindoméstica-SP, sindicato da Grande São Paulo que engloba 25 municípios, a convenção coletiva definiu contribuição assistencial de 2%, com desconto nos salários em quatro parcelas mensais.

O direito de oposição foi de dez dias contados a partir da assinatura da convenção, o que ocorreu no início do ano. Agora, as negociações para quitação estão abertas até o final de setembro.

Nathalie Rosário de Alcides, advogada responsável pelo departamento jurídico do Sindoméstica, afirma que o entendimento da entidade é o de que deve ser cobrada a contribuição assistencial retroativa dos últimos cinco anos após a decisão do Supremo.

“Uma vez constitucional, o sindicato entende que ela sempre foi válida e, portanto, obrigatória”, diz ela. Para Alcides, a responsabilidade pelo desconto é do empregador, que não o teria feito na época.

O argumento da advogada, no entanto, suscita controvérsia. Na ação em que liberou a cobrança da contribuição assistencial, o STF primeiramente havia proibido, no mérito, a taxa e, só mais tarde, deu uma guinada, em embargos.

Sindicato das domésticas tem mensagem em seu site informando sobre a contribuição e cobrando valores retroativos – Reprodução

“Não pode [cobrar retroativamente] porque havia tema de repercussão geral do próprio STF dizendo que não podia. Então, se o próprio STF dizia que não podia, como é que vou cobrar retroativamente?”, diz o ministro Alexandre Agra Belmonte, do TST.

Segundo ele, para quem o novo posicionamento do Supremo é “corretíssimo”, a decisão poderá passar por modulação, embora, nesse caso, ela já possa ser considerada “intuitiva”: “Pode cobrar, sim, dali para frente”.

Já Pedro Aires, advogado do Bastos-Tigre, diz que falta base legal. “A contribuição assistencial serve para o custeio de negociações coletivas, logo, se já foram feitas antes da decisão do STF, não faz sentido a cobrança retroativa”, afirma.

Há quem discorde, porém. “É o famoso caso dos embargos que merecerão outros embargos”, diz Ricardo Calcini, professor do Insper e sócio do Calcini Advogados.

“Uma vez constitucional, o sindicato entende que ela sempre foi válida e, portanto, obrigatória

Nathalie Rosário de Alcides

advogada de sindicato

“Quando o Supremo não modula, ele formalmente autoriza que tudo que há cinco anos não existia passe a existir. Faltou modulação”, afirma Calcini. “Dá um cheque em branco ao sindicato.”

Para ele, a decisão do STF ainda impõe o que chama de “filiação forçada” por ferir o princípio da livre associação. “Quando o Supremo obriga todo mundo a pagar, desconsidera, na minha opinião, porque isso está lá na Constituição, que a pessoa tem a liberdade de se filiar ou não.”

Em relação aos pontos pendentes de modulação, os especialistas elencam a fixação de um limite de valor, para que não ocorram cobranças abusivas, determinação de como será o direito de oposição e qual o quórum da assembleia que definirá o percentual de cobrança da contribuição assistencial.

“Será que seria justo, por exemplo, 2% dos dirigentes sindicais fazerem uma assembleia, 3% dos trabalhadores comparecerem, e aí os 3% que compareceram decidirem pelos outros 97% que tem de ter desconto da contribuição para todo mundo?”, questiona o advogado trabalhista José Eduardo Pastore, do Pastore Advogados. Por outro lado, todos são beneficiados pela negociação coletiva.

Para evitar questionamentos, Neiva, que foi do TST, lembra de um acordo da Vale com um sindicato de ferroviários, de 2018. Na ocasião, após a reforma trabalhista, a Vice-Presidência da corte mediou regras para cobrança da taxa.

“Não pode [cobrar retroativamente] porque havia tema de repercussão geral do próprio STF dizendo que não podia. Então, se o próprio STF dizia que não podia, como é que vou cobrar retroativamente?

Alexandre Agra Belmonte

ministro do TST

“No acordo da Vice-Presidência, tinha o [valor de] meio salário-dia, tinha a forma de oposição, o prazo de oposição, e a salvaguarda patronal, que era a responsabilidade do sindicato em uma eventual condenação do empregador”, diz Neiva.

Líderes das centrais sindicais condenam eventuais abusos.

“Isso não é orientação de nenhuma central”, diz João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, sobre percentuais abusivos em convenções coletivas e cobranças retroativas, que lembra que a entidade repudia o imposto sindical, extinto na reforma trabalhista de 2017, equivalente a um dia de trabalho.

“Se sobreviveu até agora sem, para que cobrar? Para que comprar uma briga? Nós temos de pensar para frente”, afirma.

As centrais iniciaram campanha para orientar sindicatos e trabalhadores.

A CUT (Central Única dos Trabalhadores) está distribuindo um vídeo nas redes sociais intitulado “Imposto sindical nunca mais”, na tentativa de esclarecer a diferença entre imposto e contribuição. “Falar de imposto é mentira”, diz o vídeo.

A Força realizou um fórum sobre comunicação com dirigentes para tratar de como o sindicalismo pode conscientizar trabalhadores sobre seus direitos e a necessidade de ser representado por um sindicato.

Com o fim do imposto sindical, o dinheiro nos cofres das entidades minguou. O montante chegava a R$ 3 bilhões por ano e caiu mais de 90%.

Para Antonio Carlos Frugis, sócio do Soto Frugis Advogados, a decisão do STF indica a ideia de substituir o imposto pela contribuição assistencial. “O que aparenta é que a decisão veio para dar um jeitinho para se financiar os sindicatos”, diz.

“Se sobreviveu até agora sem, para que cobrar? Para que comprar uma briga? Nós temos de pensar para frente

João Carlos Gonçalves, Juruna
secretário-geral da Força Sindical

MINISTÉRIO PÚBLICO ABRE INQUÉRITO PARA INVESTIGAR SINDICATO

O MPT (Ministério Público do Trabalho) abriu um inquérito civil para investigar o Seaac, sindicato que representa o setor de agentes autônomos de Sorocaba (SP), com base em denúncias de que houve dificuldade no direito de oposição dos trabalhadores.

“O sindicato passará a ser oficialmente investigado pelo MPT”, diz nota do órgão.

Segundo a promotoria, foi dado prazo para que a entidade apresente seus argumentos e, caso se negue a se adequar à legislação, poderá ser alvo de ação civil pública.

“O inquérito do MPT tem como objetivo garantir esse direito à coletividade de trabalhadores”, afirma o órgão.

O sindicato de Sorocaba afirma que tem TAC (termo de ajustamento de conduta) assinado com o MPT desde 2022 no qual foi fixado prazo de até dez dias para oposição à contribuição assistencial e, mesmo assim, optou por dar prazo maior aos trabalhadores neste ano.

A entidade cobra 12% de contribuição, a ser paga em quatro parcelas. A quem se opuser é imposta taxa de R$ 150.

“As reclamações dos trabalhadores são, em verdade, por desconhecerem o trabalho do sindicato e acreditarem que as normas coletivas e seus benefícios de aumento salarial, vale-refeição entre outros são concessões por mera liberalidade de seus empregadores”, afirma a entidade, em nota.

O sindicato enviou à Folha nota da federação dos agentes autônomos dizendo que a contribuição de 1% ao mês não fere o princípio da razoabilidade, “uma vez que estamos falando em convenção coletiva na qual se obteve aumento real”.

FALTA DE MODULAÇÃO PODE LEVAR A ENXURRADA DE PROCESSOS NA JUSTIÇA TRABALHISTA

  • Sindicatos x empresas: em caso de não recolhimento da cobrança assistencial pelas empresas, entidades representantes dos trabalhadores poderão ir à Justiça cobrar do empregador o pagamento da taxa, como ameaçam os sindicatos de domésticas
  • MPT x sindicatos: o MPT (Ministério Público do Trabalho), em caso de recebimento de denúncia de supostos abusos, poderá apresentar ações civis públicas para questionar cláusulas de acordos ou convenções coletivas; no caso do sindicato dos agentes autônomos de Sorocaba (SP), o órgão já abriu um inquérito para apurar eventuais práticas abusivas
  • Reclamações trabalhistas: em ações em que pedem direitos supostamente violados pelos empregadores, trabalhadores que se sentirem lesados com o pagamento da contribuição assistencial, considerado de alguma forma irregular, poderão pedir o ressarcimento do empregador
  • Empresas x sindicatos: em casos de trabalhadores que cobrarem as empresas, os empregadores poderão, por exemplo, se se sentirem lesados, pedir o ressarcimento de uma cobrança considerada irregular do sindicato beneficiado pelo desconto feito na folha

Cristiane Gercina
William Castanho

Fonte: @folhadespaulo

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