A definição da taxa de juros na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), nesta quarta-feira (19), será uma espécie de “prova de fogo” sobre a condução da política monetária pelo Banco Central (BC) a partir do próximo ano.
O mandato do atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, se encerra em 31 de dezembro. O nome mais cotado para ser indicado à sucessão é o do atual diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, para quem estão voltadas todas as atenções do mercado.
O voto dele explicitará uma visão mais ou menos leniente em relação ao controle da inflação e sua disposição de resistir às pressões do Planalto. Desde que assumiu o governo, Lula e o PT pressionam o presidente do BC pelo corte maior e mais rápido dos juros.
Nesta terça-feira (18), Lula fez novos ataques a Campos Neto. “Nós só temos uma coisa desajustada no Brasil nesse instante. É o comportamento do Banco Central, essa é uma coisa desajustada. Um presidente do BC que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político e que na minha opinião trabalha muito mais para prejudicar o país do que ajudar, porque não tem explicação a taxa de juros do jeito que está”, disse Lula em entrevista à rádio CBN.
O episódio foi interpretado como um recado a Galípolo, que tenta se credibilizar como próximo condutor da autoridade monetária, sem, ao mesmo tempo, desagradar o presidente Lula.
Decisão do Copom em maio sobre juros causou desgaste no BC
Na reunião anterior do Copom, uma decisão dividida sobre a redução da taxa de juros causou ruído e contribuiu para a aumentar as expectativas de inflação. Na prática, os diretores indicados por Lula, ente eles Galípolo, votaram por uma redução maior da taxa, de 0,5 ponto percentual. Campos Neto e demais os integrantes indicados por Bolsonaro, votaram por uma queda de 0,25 ponto, que acabou prevalecendo.
Para esta reunião, os agentes econômicos esperam uma decisão consensual de manutenção da taxa Selic em 10,50%. Rodolfo Margato, economista da XP, diz que a aposta na manutenção da taxa se baseia na deterioração do conjunto de dados econômicos desde a última reunião. “O cenário da política monetária ficou mais desafiador, especialmente com a depreciação cambial nos últimos dias, com efeitos diretos na inflação”, afirma.
Entre maio e junho, o dólar subiu perto de 6%, fechando em R$ 5,43 nesta terça-feira (18). E o Ibovespa, principal indicador da Bolsa de Valores, caiu quase 8%.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, que também acredita na manutenção dos juros em decisão consensual, destaca que a ata do Copom de maio deu grande foco à desancoragem das expectativas, que se intensificou desde então.
Prova disso, segundo ele, é o aumento da mediana das expectativas para o IPCA de 2025, de 3,64% para 3,80%, variação maior do que a observada entre as reuniões de março e de maio. Já a mediana para 2026 aumentou de 3,50% para 3,60% após ter ficado estável por 46 semanas.
“A própria ala minoritária do Comitê, conforme a ata, apontou que compartilhava do firme compromisso de atingimento da meta e de reancoragem das expectativas”, afirma Salto. “Prosseguir com o processo de relaxamento monetário, neste momento, estaria em desacordo com aquele compromisso e com a deterioração do balanço de riscos.”
Desajuste das contas impacta juros
Também contribuiu para a necessidade de uma política monetária mais restritiva o quadro fiscal, que também se agravou. O déficit nominal do setor público (diferença entre o que o governo gasta, incluídas as despesas com juros da dívida pública e o que arrecada) atingiu o recorde de R$ 1,043 trilhão no acumulado de 12 meses até abril.
Desde abril, com a mudança da meta do arcabouço fiscal para 2025, a credibilidade do ministro Haddad como fiador da política econômica começou a ruir. A ideia era alcançar o superávit primário – sobra de recursos antes do pagamento da dívida – já no próximo ano. O objetivo foi rebaixado para déficit zero.
O desajuste das contas vem alimentando as expectativas de inflação que subiram de 3,72%, na última reunião, para 3,9% nesta semana, segundo o Boletim Focus, sondagem de expectativas do mercado financeiro.
Na contramão das necessidades, o governo resiste à redução de despesas. “O governo persiste na sua aposta de aumento de receitas, sem sinais claros de disposição para cortar gastos”, destaca Hudson Bessa, economista da Faculdade Fipecapi.
Na quarta-feira (12), em evento no Rio de Janeiro, o presidente reafirmou que o aumento da arrecadação do governo federal é o foco da gestão. Nenhuma palavra sobre despesas. “O aumento da arrecadação e a queda da taxa de juros permitirão a redução do déficit sem comprometer a capacidade de investimento público, disse Lula.
Lula culpa renuncias fiscais
Mesmo pressionado pela reação contrária do mercado, Lula dobrou a aposta, criticando o volume de benefícios fiscais como causa do desajuste das contas públicas. Após reunião, na segunda-feira (17), ministros da área econômica afirmaram que o presidente ficou impressionado com o valor das renúncias de impostos.
Sobre o tema, persiste sem solução o imbróglio criado pela devolução pelo Senado da Medida Provisória 1227, que limitava os créditos de PIS/Cofins. A medida foi editada para compensar a renúncia tributária pela desoneração da folha de pagamentos de setores de mão de obra intensiva.
A devolução deu a medida das dificuldades de articulação do governo junto ao Congresso, que deixou claro que não votará mais pautas par aumentar a arrecadação de impostos. “As sucessivas derrotas acentuam as dúvidas sobre a capacidade da equipe econômica em conduzir uma pauta [de ajuste fiscal] crível”, diz Bessa.
Decisão dividida no Copom sobre juros geraria deterioração na confiança em relação ao BC
Diante de tantos ruídos internos, analistas veem na reunião que se encerra nesta quarta uma oportunidade “crucial” para o BC restabelecer a confiança dos agentes econômicos na política monetária. “A manutenção dos juros, de forma unânime, seria uma decisão prudente e estratégica, sinalizando compromisso com a estabilidade econômica, nosso cenário base nesse momento”, diz Rodrigo Romero, economista da Levante Inside Corp.
Apesar do otimismo, o risco de pressões políticas influenciarem a decisão também é considerado. “Alguns membros, como Galípolo, que aspiram a posições futuras de liderança, podem estar inclinados a alinhar suas decisões às expectativas do governo atual. Votar com o presidente atual do BC, Roberto Campos Neto, pode ser visto como um voto contra as preferências do governo, gerando dilemas internos para os membros do comitê”, pondera Romero, da Levante.
Para Bessa, uma divisão dos votos tem o poder de causar “muito mais ruído do que há um mês”.
Ricardo Tadeu Martins, economista chefe da Planner Investimentos diz qualquer decisão “diferente de 9×0 estará errada”, mesmo que seja a favor de um corte menor, de 0,25 pontos percentuais.
“A unanimidade é fundamental para primeiro, reativar a coerência interna e gerar credibilidade e, segundo, reancorar as expectativas, expurgando os excessos nas projeções da pesquisa Focus, minimizando dúvidas sobre leniência inflacionária.”
Margato, da XP, considera improvável uma decisão não consensual. Segundo ele, no comunicado oficial da reunião anterior, os conselheiros deixaram claro a percepção do cenário “mais apertado” para a redução dos juros. “Um dissenso indicaria uma condução da política monetária diferente para o próximo ano e contribuiria para uma deterioração adicional dos indicadores no médio prazo”, avalia.
Isso significaria quebrar a confiança e por combustível nas expectativas inflacionárias. “É crucial que o BC mantenha sua independência e foco na estabilidade de preços, mostrando ao mercado e à sociedade que suas decisões são baseadas em critérios técnicos e não em pressões políticas”, afirma Romero.
Fonte: gazetadopovo