Cuiabá e UFMT: A construção de histórias em comum


A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) compartilha 52 anos com Cuiabá, a capital que completa neste sábado (8) seu aniversário de 304 anos. Diferentes histórias são construídas a partir da universidade em relação direta com a capital. Olhando para o casario colonial e para o céu estrelado é possível apontar como Cuiabá molda a UFMT e como a UFMT ajuda a enxergar Cuiabá.

Enxerga toda a história de Cuiabá

A professora Luciana Mascaro, por exemplo, pesquisadora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia (Faet), enxerga desde a fundação da cidade e o surgimento do que hoje chamamos de “Centro Histórico”. “Às vezes as pessoas falam que Cuiabá cresceu sem planejamento porque surgiu de um aglomerado motivado pela mineração. Isso não é verdade. Temos diversos registros de viajantes, desde a fundação, que mostram que sempre houve uma intenção de planejamento”, afirma.

Claro que o planejamento da época não é o mesmo de hoje em dia, mas ele existe e é evidente quando sabemos para onde olhar. “A escolha dos locais para colocar as igrejas é um exemplo. Elas foram construídas em posições de destaque, em áreas mais elevadas do relevo, de forma que até hoje é possível perceber sua presença na paisagem, especialmente suas torres em evidência”, pontua.

Além disso, desde as primeiras décadas do século XIX existem leis que se preocupavam com a estética da cidade, a segurança e a limpeza. Eram os códigos de posturas, que definiram, entre outras, diretrizes para a construção da cidade e das edificações.

“Tem a questão da altura e do alinhamento das casas. Mesmo onde não havia construção, tinha que ter o muro. Também havia a preocupação em construir calçadas seguras, sem degraus ou protuberâncias. Todas essas padronizações que a legislação exigia nós podemos ver quando andamos no Centro Histórico. Tudo parece ter sido bem organizado”.

Para além do planejamento urbano, também é possível ver alguns padrões na arquitetura, que se transformaram com o tempo, com as exigências de cada época e com a chegada de novas ondas de migração. “Cuiabá tinha um sistema muito próprio de construção, que misturava taipa de pilão e os adobes”, relata a professora Luciana Mascaro.

Taipa de pilão é uma técnica de construção que usa formas de madeira preenchidas de terra compactada. Essas eram utilizadas nas paredes principais, estruturantes. As paredes internas, muitas vezes, eram constituídas por uma combinação de taipa de pilão com  tijolos de adobe, que são como blocos de barro “cru”, secos ao ar livre e moldados de forma artesanal.

Com a chegada de imigrantes europeus, entretanto, foi introduzido o uso de tijolo cozido e novas possibilidades de construção. “Muitas das casas têm a fundação e as paredes principais de taipa e adobe, mas as fachadas são de tijolos, com platibandas decoradas, muito ligadas à arquitetura eclética”, relata sobre  inovações introduzidas na virada entre os séculos XIX e XX.

As platibandas são prolongamentos da parede que escondem o telhado. Antes disso, era mais comum ver os beirais de madeira à mostra, ou seja, a chamada “cachorrada do telhado”.  De acordo com a pesquisadora, a “cachorrada” teve seu uso interditado muito cedo por legislação. A partir disso, passam a ser comuns o uso das “cimalhas” ou das “mouriscas” (telhas aplicadas embaixo dos beirais para constituir a chamada “beira e tribeira”),  que escondem a madeira por baixo.

Essas informações sobre  Cuiabá e seu patrimônio cultural  foram apuradas por diversos pesquisadores e professores da UFMT nesses 52 anos de existência. A professora Luciana Mascaro, da UFMT, continua atuando nessa linha, juntamente com outros professores, técnicos, estudantes de graduação e ex-alunos.

Enxerga como era o céu antes de Cuiabá

Marcelo Marchiori, professor do Instituto de Física (IF) e coordenador do projeto de extensão FisicArte e membro do Projeto de Extensão Tecnológica O Céu de Mato Grosso, enxerga o céu de Cuiabá como os povos originários enxergavam, como ele era antes do primeiro veio de ouro ser encontrado nas lavras do Sutil.

“Desde o início da humanidade, a regularidade do céu, o movimento das estrelas, serve como calendário, marcando a passagem das estações, as épocas de chuva e seca”, explica.

Por causa da colonização europeia –  e aqui não podemos deixar de falar do massacre e apagamento das culturas que aqui existiam antes – o que geralmente reconhecemos quando olhamos para o céu são as constelações mapeadas pelos astrônomos daquele continente. Órion, Áries, Pégaso e Andrômeda são todos personagens da mitologia grega, por exemplo.

“Essas constelações eram usadas para facilitar a identificação da posição dos astros no céu e marcar essa regularidade do tempo, como uma forma de usar a natureza a nosso favor”, pontua Marcelo Marchiori. Sabendo os períodos de seca e chuva era possível se preparar para cada um deles. Armazenar mais ou menos alimentos. Reforçar as construções. Saber a melhor época de plantar.

Por isso, os povos indígenas que habitavam aqui tinham as próprias constelações. Os próprios desenhos no céu que eram interpretados conforme sua cultura. “A do Homem Velho ou Índio Velho é muito tradicional, principalmente na cultura dos povos indígenas daqui e de toda a américa do sul, com registros muito antigos e de lugares diferentes”, aponta o professor.

“Todos viam basicamente a mesma forma, que é uma pessoa, segurando um cajado, com um penacho na cabeça e uma perna que só vai até o joelho”. As estrelas que formam o Homem Velho estão na região do céu onde vemos Touro e Órion. Seu joelho da perna mais longa são as Três Marias, que também fazem parte do Cinturão de Órion, e o penacho são as Plêiades, conjunto de estrelas que fazem parte da Constelação de Touro.

Para os indígenas mais próximos da região Sul, o Homem Velho indicava o início do Verão. Para os mais ao norte, indicava o início da estação chuvosa. Olhando para o céu, o professor Marcelo Marchiori, seus colegas da Física e estudantes, conseguem ver o céu como era visto antes de Cuiabá sequer ser fundada.

Enxerga Cuiabá quando ela ainda estava no fundo no mar

O professor Caiubi Kuhn, da Faculdade de Engenharia (Faeng), vai ainda mais longe, pois estuda os processos de formação das rochas desde seu surgimento, até os dias de hoje.

“Ao andar por Cuiabá é possível reparar em rochas com forma de placas, formando dobras, com ângulos que vão desde próximo a horizontal até próximo à vertical. Podemos ver rochas metamórficas intercaladas, hora com composição mais argilosa, hora arenosa, algumas vezes com seixos no meio delas”.

De acordo com o professor, todas pertencem a uma unidade geológica chamada Grupo Cuiabá e, olhando para elas, podemos ver a história de um processo completo de abertura e fechamento de um oceano, com o surgimento de uma grande cordilheira.

“Esta unidade começou a se formar após a fragmentação do supercontinente Rodínia, entre 900 milhões e 1 bilhão de anos atrás”, relata. Quando o supercontinente se fragmenta, suas partes começam a se espalhar pelo oceano, criando novas configurações de terra/mar ao longo de milhares de anos. Eventualmente, como a terra é redonda, fragmentos que estavam se afastando de uns, começam a se aproximar de outros, e o oceano que existia entre eles começa a desaparecer.

“Para fazermos uma comparação, hoje o Oceano Atlântico está se abrindo, e a cada ano a África e a América do Sul se afastam alguns centímetros. Do nosso outro lado, o Pacífico está se fechando, então estamos nos aproximando da Ásia, de forma que daqui a algumas dezenas ou centenas de milhares de anos é provável que sejamos parte do mesmo continente”, destaca o professor.

Esses movimentos dos continentes são lentos, mas poderosos. Nos locais onde existem limites de placas convergentes, ou seja, onde uma placa está colidindo com a outra, surgem grandes cordilheiras, devido a compressão da borda da placa tectônica.

(Considere apontar seus indicadores um para o outro e aproximá-los até tocar, primeiro lentamente. Você pode facilmente parar no instante em que eles se encontram e terá uma linha reta. Se aproximar eles com velocidade, entretanto, as pontas vão se dobrar provavelmente para cima, formando a sua própria montanha de ponta de dedo).

“Um processo similar aconteceu com as rochas do Grupo Cuiabá, que mostram o fechamento daquele oceano com a formação de uma grande cordilheira parecida com o Himalaia, que se estendia desde a região de Cuiabá até a divisa com Goiás e parte do Mato Grosso do Sul”.

Olhando para as rochas de Cuiabá, o professor Caiubi e outros pesquisadores e estudantes da Geologia, Engenharia de Minas entre outros cursos, conseguem ver a história do nosso planeta. Quando a UFMT olha para Cuiabá, enxerga todo o seu passado (e mais)

Enxerga seu futuro

Para o reitor da UFMT, professor Evandro Soares da Silva, seja nos próximos 52 ou 304 anos, Cuiabá deve avançar não apenas nas questões econômicas, mas também sociais, culturais e artísticas, tendo a Instituição como participante ativa no desenvolvimento da cidade.

“Para isso, precisamos que a Universidade amplie seu diálogo com toda a população da baixada. Cuiabá, Várzea Grande, Santo Antônio, Mimoso. Precisamos buscar uma visão de futuro em conjunto, valorizando as raízes da população e investindo em pesquisas e inovações que melhorem a vida de todos”, afirmou.

De acordo com Evandro, também é importante que o conhecimento científico faça parte dos processos políticos que visem o desenvolvimento social.

“Cuiabá vai continuar crescendo, então precisa pensar em sustentabilidade, em formas de melhorar a mobilidade urbana; inventar formas de gastar menos recursos para alcançar mais pessoas; avaliar e replicar programas sociais que tiveram bons resultados; e a UFMT está aqui para contribuir com todas essas inovações e com a formação de profissionais que vão atuar no futuro da cidade”, concluiu.

Fonte: ufmt

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