A equipe brasileira estava concentrada em buscar formas de negociar as tarifas de 50% anunciadas na semana anterior.
Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e atual assessor especial da presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para temas internacionais, classificou a ação como uma ameaça sem justificativa, que levou o relacionamento entre os dois países ao ponto mais crítico em mais de 100 anos.
Falando à Bloomberg News por telefone, Amorim criticou severamente a investigação com base na Seção 301 da legislação comercial norte-americana, que acusa o Brasil de impor barreiras indevidas às exportações dos EUA.
“A simples ameaça do uso da Seção 301 já cria um tumulto em quem acha que pode ser objeto de sanções unilaterais e é uma forma que torna a negociação muito difícil. É como você negociar com o cano do revólver na cabeça“, afirmou o assessor à agência de notícias.
Amorim ainda comparou a medida a “a bomba atômica das armas comerciais”.
A investigação foi oficialmente aberta na terça-feira pelo Escritório do Representante de Comércio dos EUA e busca examinar políticas brasileiras relacionadas a áreas como comércio digital, pagamentos eletrônicos, tarifas preferenciais, combate à corrupção, propriedade intelectual, acesso ao mercado de etanol e questões ambientais, como o desmatamento ilegal, conforme documento divulgado junto com o anúncio.
Com uma carreira diplomática de quase 60 anos, sendo o chanceler mais longevo da história do Brasil, Amorim destacou que a paralisação do mecanismo de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) torna o conflito ainda mais difícil de resolver.
A possibilidade de que o Brasil fosse alvo de uma investigação pela Seção 301 já havia sido mencionada por Trump em uma publicação nas redes sociais na semana anterior, na qual ele também ameaçava aplicar uma tarifa de 50% sobre todas as importações brasileiras a partir de 1º de agosto.
Brasil foi pego de surpresa
Conforme fontes do governo, a administração Lula não esperava que os EUA avançassem tão rapidamente com o processo, especialmente num momento em que havia sido criada uma força-tarefa para dialogar com o setor privado afetado pelas novas tarifas.
Poucas horas antes da abertura formal da investigação, autoridades brasileiras haviam encaminhado uma carta ao secretário de Comércio norte-americano, Howard Lutnick, e ao representante comercial, Jamieson Greer, solicitando o início de negociações.
No documento, o Brasil reiterava pontos que já haviam sido apresentados em maio e pedia uma resposta dos EUA.
“O governo do Brasil reitera seu interesse em receber comentários do governo dos EUA sobre a proposta brasileira — dizia a carta. — O Brasil permanece pronto para dialogar com as autoridades americanas e negociar uma solução mutuamente aceitável sobre os aspectos comerciais da agenda bilateral, com o objetivo de preservar e aprofundar o relacionamento histórico entre os dois países e mitigar os impactos negativos da elevação de tarifas em nosso comércio bilateral“.
Amorim afirmou que os argumentos usados pelos EUA para justificar a investigação são frágeis e parecem ter como principal intenção aumentar a pressão sobre o Brasil. Segundo ele, os laços diplomáticos entre as duas nações vivem seu pior momento desde o início do século XX.
Declarações da Otan elevam tensão
A situação ficou ainda mais delicada após comentários feitos na mesma terça-feira pelo secretário-geral da Otan, Mark Rutte, que advertiu que Brasil, China e Índia poderiam ser alvo de sanções secundárias dos EUA por continuarem comprando petróleo russo.
“Minha recomendação a esses três países em particular é: se você está agora em Pequim, em Nova Délhi ou é o presidente do Brasil, talvez deva prestar atenção nisso, porque isso pode atingi-los com força“, disse Rutte a repórteres.
De acordo com duas fontes com conhecimento da situação, essas declarações foram vistas pelo governo brasileiro como incoerentes e desproporcionais. Elas lembraram que membros da própria Otan, como Turquia, Hungria e Eslováquia, também continuam importando petróleo da Rússia.
O Brasil, ressaltaram, tradicionalmente não apoia sanções que não tenham aval do Conselho de Segurança da ONU. Amorim também reagiu às falas de Rutte:
“Esta é uma interferência totalmente indevida e mais absurda porque, bem ou mal, é uma organização da qual o Brasil não faz parte nem quer fazer parte. Ele tem que ter um pouco mais de responsabilidade no que ele fala“.
Fonte: sputniknewsbrasil