Shibuya, Tóquio. Próximo ao cruzamento mais famoso do mundo, carros tunados começam a se enfileirar. São moradores do Japão — em sua maioria, estrangeiros — que ganham a vida levando turistas para dar um passeio nas máquinas JDM (sigla em inglês para “mercado doméstico japonês”). Estamos falando de carros como Nissan Skyline, Mazda RX-7, Honda NSX, Mitsubishi Lancer Evolution, Toyota Supra e tantos outros. Só que o verdadeiro encontro não acontece ali — mas sim em Yokohama, a cerca de 20 km da capital japonesa.
Lá está a Daikoku Parking Area, uma ilha artificial que há mais de 30 anos reúne fãs dos carros que conquistaram o ocidente graças a filmes como “Velozes e Furiosos: Desafio em Tóquio” e aos jogos da franquia “Need For Speed”.
Autoesporte esteve no local e se infiltrou na cena underground da customização que virou parte intrínseca da subcultura japonesa — isso enquanto a polícia não chega para encerrar o encontro.
A Daikoku Parking Area (DPA) está localizada no litoral de Yokohama, com acesso pela principal ponte da região. Muitos brasileiros colocam a cidade no roteiro para visitar a maior “Chinatown” do Japão e conhecer o estádio em que a seleção brasileira de futebol conquistou o penta em 2002.
Embora o encontro na DPA tenha se popularizado, preserva a atmosfera mística que lhe confere um charme “clandestino”: é uma subcultura mais difundida pela internet e no boca a boca dos frequentadores. Tem até brasileiro envolvido!
Tradicionalmente, os encontros aconteciam às quintas, sextas e sábados. Pela alta do turismo no Japão — houve avanço de 25% nas visitas ao país somente em 2024 — o evento na DPA passou a acontecer diariamente. Afinal, os carros JDM são parte da cultura local, como os samurais, os animes e a culinária, e despertam a curiosidade dos estrangeiros. Até a nova primeira-ministra do país, Sanae Takaichi, dirige um Supra adquirido por ela em 1992.
Nossa reportagem foi até a DPA num sábado à noite, a melhor ocasião para ver modelos raros e exóticos. Só que existe um problema: por ser o dia mais cheio, a polícia costuma aparecer cedo para acabar com a aglomeração e exigir que todos voltem para suas casas. Como meu objetivo era fotografar a maior quantidade de carros antes da intervenção das autoridades, cheguei às 18h30.
Que belíssima e autêntica cultura automotiva têm os japoneses. Autoesporte lista abaixo alguns dos carros mais legais que estavam expostos no encontro da DPA:
Passado e futuro se encontram enquanto várias gerações do Toyota Supra são expostas em Yokohama. Havia até uma réplica do carro de Brian O’Conner no primeiro “Velozes e Furiosos”, com a lendária carroceria laranja e adesivos verdes na lateral. Este filme não era ambientado no Japão, mas o personagem de Paul Walker sempre aparecia com um carro de origem nipônica.
Conhecedores da cultura JDM sabem que o Mazda RX-7 é símbolo deste nicho. Sua maior contribuição para a cena foi a adoção do famoso motor Wankel, em que os pistões são substituídos por um rotor triangular que realiza os quatro tempos de uma unidade a combustão — admissão, compressão, explosão e escape — em um único ciclo.
Dessa forma, é mais compacto, leve e tem menos peças móveis que motores convencionais. O problema é que o sistema Wankel queima óleo intencionalmente para lubrificar suas vedações, o que aumenta as emissões de poluentes.
Este tipo de arquitetura desapareceu em 2012, mas há quem defenda sua adoção em carros híbridos em série no futuro. Por conta das proporções compactas, motores Wankel podem ser montados com propulsores elétricos para alimentar veículos REEV (Range-Extended Electric Vehicle). A própria Mazda estuda a tecnologia há alguns anos.
Vários esportivos da Nissan caíram nas graças da cultura JDM. Tanto que, em 1999, a marca japonesa lançou o último Skyline GT-R (R34) como um veículo tunado de fábrica. Desenvolvido no Japão, mas pensado para encarar a pista de Nürburgring (Alemanha), o esportivo marcou presença no segundo filme da franquia “Velozes e Furiosos”. Quem não se lembra da famosa cena em que a personagem Suki diz: “Droga, é o Brian”?
O mais interessante é observar como a customização pode ser criativa e até excêntrica: há quem prefira o Skyline original, mas outros motoristas não têm medo de envelopar a carroceria com adesivos de garotas colegiais em estilo de anime. É algo comum (e um pouco estranho) no Japão.
A penúltima geração do Lancer Evo não poderia ficar de fora. Ela nasceu da necessidade da Mitsubishi em criar um veículo urbano para correr no Campeonato Mundial de Rali (WRC). A marca japonesa fez upgrades mecânicos, melhorou a rigidez torcional do chassi e decidiu lançá-lo ao público em 2001. O sucesso foi imediato.
Daí vieram inúmeras versões especiais, como a RS (“rally sport”), que tinha freios de competição da Brembo, bancos Recaro e pintura exclusiva. Na geração seguinte, o Lancer Evo Ralliart chegou a ser vendido no Brasil para um grupo seleto.
Antes da existência do Civic, o modelo compacto da Honda era o carismático N360. Tratava-se de um minicarro de 1967, com tração dianteira, capacidade para levar somente quatro ocupantes e motor de motocicleta.
Nem por isso o N360 deixou de ser amado pelos entusiastas da cultura JDM. O modelo da imagem acima, por exemplo, emitia um som rouco e parecia “fuçado” até a última válvula. É interessante observar como o avô do Civic era um carro de personalidade marcante.
Uma lista de carros japoneses não estaria completa sem um representante da Subaru. Aqui temos um WRX STI com neon extravagante (algo comum neste segmento) e faróis de LED interativos. Tem motor 2.5 turbo no arranjo boxer, em que os cilindros estão dispostos em lados opostos do virabrequim.
Como a arquitetura Wankel, o motor boxer tem a vantagem de ser compacto e ainda entregar níveis elevados de potência e torque. Originalmente, o WRX da imagem oferecia 340 cv e 46 kgfm, mas é claro que “ninguém está puro” quando se trata do maior encontro automotivo do Japão.
Entre motoristas, convidados, fotógrafos e curiosos, chama atenção o número de estrangeiros envolvidos neste encontro. Como em qualquer subcultura, ter um contato envolvido na cena é fundamental. Foi então que Autoesporte deu a sorte de conhecer Yago Oda, brasileiro que vive no Japão e vai à Daikoku Parking Area de Nissan Skyline.
Foi Yago quem nos revelou as minúcias sobre o encontro e deu a dica mais valiosa: chegar cedo aos sábados, antes da polícia bloquear o acesso. Você pode encontrá-lo na região de Shibuya em uma noite qualquer, encostado em um de seus carros. Em seu perfil no Instagram, compartilha o dia a dia com os esportivos e mostra como os turistas podem ter uma imersão no mundo do tuning no país.
Uma hora após minha chegada, dois carros de polícia e uma van de controle de tráfego surgiram na DPA. Com sirenes e giroflex ligados, os policiais desceram dos veículos, bloquearam o acesso ao local e pediram que todos fossem embora.
O encontro não é ilegal — tanto que a polícia japonesa sabe que ocorre todos os dias e, mesmo assim, não impõe bloqueios à entrada desde o princípio. Conversando com locais, descobri que existe uma certa permissividade das autoridades em deixar que o evento dure ao menos algumas horas antes de encerrá-lo. O objetivo é evitar aglomerações desnecessárias.
Apesar disso, vários dos carros à mostra infringem leis de trânsito. Não é permitido alterar o conjunto óptico, colocar rodas maiores do que as homologadas pela fabricante, instalar kits de neon ou elevar a potência do motor. Em vez de multar os participantes, os policiais pedem apenas que se retirem.
Por estar hospedado em Yokohama, fui até a Daikoku Parking Area de Uber. O que se revelou bem salgado. Ir e voltar do evento por carro de aplicativo deu pouco mais de 8 mil ienes — cerca de R$ 280 em conversão direta — para percorrer um total de 12 km.
É possível fazer o passeio com amigos e familiares. Basta pesquisar na internet e encontrar guias que ficam próximos às estações de metrô para levar os convidados de van até o encontro. O preço é mais acessível, mas vale lembrar que não se trata de algo “oficial”.
Inclusive, há uma loja de conveniência na DPA onde é possível comprar lanches, bebidas, doces, revistas automotivas e até miniaturas antes de voltar para o hotel. Delicie-se com o famoso sanduíche japonês de ovo com maionese ou prepare um lámen de camarão apimentado ali mesmo.
Quem estiver disposto a viver uma experiência ainda mais veloz, furiosa e imersiva pode partir de Shibuya, em Tóquio, onde donos de carros JDM oferecem um passeio até a DPA em Yokohama. Para encontrá-los, basta seguir o som dos motores no famoso cruzamento ou até garimpar nas redes sociais. Se você tem viagem marcada para o país, pode enviar mensagem para o Yago Oda no Instagram e agendar um passeio.
Ah, o Japão… Que lugar encantador para quem curte carros!
Shibuya Crossing
2 Chome-2-1 Dogenzaka, Shibuya 150-0043
Tóquio, 150-0043, Japão
(Donos de carros tunados levam turistas até o evento em Yokohama)
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Fonte: direitonews






