Desde que um grande cerco militar se formou na Palestina, a chegada de itens básicos à região da Faixa de Gaza se tornou difícil. Neste pequeno espaço entre Israel e o Mar Mediterrâneo toda mercadoria é escassa, incluindo os combustíveis. Desse modo, abastecer o veículo demanda criatividade e resiliência.
Vídeos viralizaram no TikTok mostrando refinarias improvisadas em meio às cidades bombardeadas, onde palestinos queimam garrafas plásticas e sandálias para criar tanto gasolina quanto biodiesel. De tal forma, se arriscam a extrair um combustível sintético que abastece automóveis, motocicletas e até geradores.
A muitos quilômetros do conflito, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) trabalha em um projeto semelhante. O objetivo é criar um combustível sustentável que coloque insumos que seriam descartados, como detritos plásticos, de volta à cadeia produtiva. É uma proposta semelhante à do etanol feito de restos de doces que você já conferiu por aqui.
Autoesporte conversou com a engenheira química e doutoranda Edyjancleide Rodrigues e seus orientadores, os professores Renata Braga e José Luiz Francisco Alves, para entender como é possível criar combustível sustentável utilizando plástico e onde tal proposta pode chegar.
Os vídeos no TikTok dos palestinos produzindo gasolina em condições precárias preocuparam os especialistas brasileiros. “Eles não têm acesso às proteções adequadas [como luvas e máscaras], e estão expostos a processos nocivos que emitem gases tóxicos”, afirmou Edyjancleide. A pesquisadora está em Zaragoza (Espanha) para concluir uma etapa de seu trabalho sobre a produção de combustíveis sustentáveis a partir do plástico.
O objetivo do Laboratório de Tecnologia Ambiental (Labtam) da UFRN é criar um composto que possa ser usado junto dos combustíveis convencionais em automóveis e até aviões, e que tenha aprovação da Agência Nacional do Petróleo e Gás Natural (ANP). Para isso, estudam as seguintes matérias-primas:
A mucilagem do sisal é fornecida por produtores locais. Embora a fibra desta planta seja valorizada por sua resistência, o retorno financeiro para as famílias que a produzem costuma ser baixo. Já o resíduo plástico vem principalmente da indústria de embalagens, como as rebarbas que sobram nas fábricas após os cortes. São produtos com baixo índice de reciclabilidade no Brasil.
O combustível é obtido por uma reação termoquímica chamada pirólise. A pesquisadora Edyjancleide explica: “É um processo a partir da degradação térmica da mistura […]. Com ele obtemos o bio-óleo que traz os hidrocarbonetos que dão origem à gasolina e ao biodiesel”, diz.
Durante a pirólise, os resíduos das embalagens e a mucilagem do sisal são aquecidos conjuntamente a temperaturas de 450 a 650°C sob atmosfera inerte, sem a presença de oxigênio. É o que estimula que as cadeias de polímeros sejam quebradas em hidrocarbonetos — e um destes subprodutos é o óleo utilizado para fazer gasolina, diesel ou ambos, dependendo do potencial de refinamento.
Longe dos laboratórios brasileiros, este processo é improvisado pelos palestinos com a ajuda de grandes tonéis aquecidos por carvão. O bio-óleo é resfriado em dutos com água corrente antes de ser colocado em embalagens plásticas. As estações ficam à beira de estradas, onde os jovens vendem o produto a preços baixos como forma de renda em meio à guerra.
As estações podem ser avistadas a quilômetros de distância por conta da fumaça escura que se forma. Portanto, além da exposição aos processos químicos sem o uso de luvas e máscaras, os jovens trabalhadores palestinos ainda lidam com a fuligem, que causa problemas respiratórios graves.
Segundo os pesquisadores da UFRN, uma vez validado, o combustível brasileiro feito de plástico pode ser utilizado como um aditivo na indústria, reduzindo a pegada de carbono e proporcionando uma alternativa inteligente para o desperdício.
“Acho que a gasolina feita a partir de plástico substitui o combustível fóssil? Na minha visão, não. […] Mas é possível ter parte da gasolina e do diesel [de posto] com origem renovável”, projeta a professora Renata.
“Quem regulamenta o que pode ser classificado como combustível no Brasil é a ANP. É o órgão que determina os parâmetros que devem ser atingidos para a criação de um óleo que possa ser comercializado no futuro”, diz o professor José Luiz Alves. “Precisamos chegar a estes parâmetros para iniciar os testes em motores de combustão interna […]. Estamos no começo da pesquisa, mas os resultados são promissores”.
Definir a proporção entre o resíduo plástico e a biomassa lignocelulósica é a meta dos pesquisadores na obtenção do combustível sustentável. Por se tratar de um estudo recente, iniciado em 2022 no laboratório da UFRN, não existem dados sobre rendimento dos materiais na literatura científica.
O Brasil é o quarto maior produtor de plásticos do mundo, gerando 7 milhões de toneladas por ano, segundo a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Em 2023, a Associação de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe) calculou que cada brasileiro produziu 64 kg de lixo por ano apenas com este resíduo. A pesquisa da UFRN percorre um caminho inóspito que pode reduzir a pegada de carbono e dar um novo destino ao material desperdiçado.
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Fonte: direitonews