Como o mundo tenta frear o avanço das marcas de carro chinesas


Em minha segunda participação para a Autoesporte, escrevo sobre os veículos chineses e o progresso de suas vendas em alguns mercados. Apesar do tema ser distinto da primeira coluna (elétricos), ambos estão intimamente relacionados pois o avanço da indústria chinesa ocorreu justamente com o advento deste tipo de tecnologia.

O objetivo da coluna de agora é tratar a indústria chinesa dos últimos 10 ou 15 anos sem desmerecer todo reconhecimento ao foco e a ambição que o governo chinês dispendeu desde a década de 70 com o mercado automotivo lembrando que ao final dos anos 2000 a indústria chinesa atingiu status de ser a líder na produção de veículos à combustão em nível global.

Hoje com 21,8 milhões de unidades vendidas (2023), a China é o maior mercado global de veículos com aproximadamente 45% das vendas em eletrificados (9,8 milhões de veículos). Antes da pandemia os motores à combustão puros (ICEs) representavam mais de 90% deste mercado. Atualmente representam por volta de 55% das vendas totais, com tendência de baixa ano após ano.

Também como referência, o segundo lugar está com o mercado norte-americano com números de vendas totais quase 30% menores em comparação aos da China.

Para entendermos a força da indústria automotiva chinesa atual, se considerando os emplacamentos de carros elétricos das marcas tradicionais (BMW, Mercedes-Benz, Renault, Stellantis e Volkswagen), todas somadas representam números próximos aos dos emplacamentos da BYD… a leitura não está errada. Os números são equivalentes e não consideram qualquer outra marca de origem chinesa.

Quer mais? Basta analisar o crescimento das marcas chinesas entre 2022 e 2023. Com dados da Jato, empresa de dados automotivos, na Europa a participação de mercado subiu de 1% para 3%; no Oriente Médio de 13% para 16% e na América do Norte de quase nada para 3%…

E se não bastasse, mais de 70% da produção global de baterias está na China, um processo altamente tecnológico e que exige investimentos vultuosos bem como uma alta qualificação técnico-profissional.

Por fim, foi uma indústria que contratou os maiores especialistas mundiais propiciando uma melhora significativa em design, qualidade de produto e tecnologia. Investiu em infraestrutura interna e logística facilitando o escoamento da produção pelos modernos portos construídos ou atualizados. A capacidade e tradição da China em produzir altos volumes com pequenas margens de lucro é insuperável e assusta as empresas tradicionais em nível global.

Decorrente deste crescimento, os Estados Unidos e Europa travam uma verdadeira guerra comercial contra a China em relação ao mercado de elétricos/eletrificados. A União Europeia recentemente iniciou uma investigação formal contra os teóricos subsídios para carros elétricos chineses que, alegam, serem elevados.

A Europa possui uma legislação que, no fim, exigirá aumento progressivo das vendas de veículos elétricos para o atingimento da neutralidade na emissão de Carbono até 2050. Tal objetivo fará com que alguns países do continente europeu ou mesmo determinadas regiões proíbam as vendas de veículos novos movidos a combustível fóssil. O questionamento do bloco tenta direcionar a aquisição desses novos veículos eletrificados para empresas de origem europeia minimizando ou tentando eliminar a concorrência dos veículos chineses.

Já o mercado norte-americano sobretaxou, em 2024, os veículos de procedência chinesa em 100% e outros insumos com diferentes alíquotas sob a alegação de “riscos inaceitáveis para a economia” que deve ser traduzido simplesmente como uma “proteção de mercado”… até lá isso ocorre!

Outro ponto a ser considerado nos dias de hoje é a imagem da China como produtor de veículos. A China conseguiu dissociar a imagem de seus veículos anteriores a 2010 como sendo cópias de produtos ocidentais de mal gosto e baixa qualidade.

Entretanto esta percepção ainda assombra o subconsciente do cliente final e neste contexto os veículos têm que comprovar, no médio/longo prazos, que são realmente bons. Será um reforço constante de imagem de marca e que deve acompanhar investimentos no pós-vendas, qualidade de produto, baixo custo de manutenção, treinamento e, principalmente, confiança. A indústria chinesa tem que provar que veio para ficar!

O Brasil ainda está no início do processo de eletrificação. As vendas previstas para eletrificados em 2024 estão em torno de 160 mil unidades quando o total projetado para a indústria consiste em emplacamentos de 2,45 milhões (cerca de 6% de veículos eletrificados e estes sendo majoritariamente veículos de origem chinesa).

Sob o ponto de vista da frota circulante total, os eletrificados chegam a modestos 0,5% entre automóveis e comerciais leves. Na Noruega, mercado muito mais rico e maduro em relação ao Brasil, tem nos eletrificados 80% das vendas de veículos novos.

A pressão por aqui é grande para coibir o comércio de veículos chineses e por este motivo a Anfavea, associação das fabricanfes, faz pressão política junto ao Legislativo requerendo alteração da regra do jogo previamente estabelecida e que consiste em um aumento gradativo do imposto de importação até junho de 2026 quando qualquer veículo elétrico importado terá 35% de alíquota.

As duas mais relevantes empresas chinesas atuantes no Brasil que iniciaram as atividades de forma mais contundente no mercado de veículos elétricos começaram a incomodar e mexeram num “vespeiro” acomodado. Importante analisar as consequências desta ação no longo prazo.

No geral, o mercado chinês continua próspero e produzindo bem, sentindo poucos efeitos de toda a discussão acima, em especial, claro, sobre os mercados norte-americano e europeu. Com dados da Marklines, a produção no acumulado até julho do mercado chinês está 6,8% acima dos números do ano passado mas com uma tendência de queda mês a mês. Necessário observar os próximos meses para entender os efeitos naquele mercado.

Outro ponto importante diz respeito a queda dos preços dos veículos elétricos em nível global. Os motivos são muitos e passam pela alta escala de produção em nível mundial, matérias-primas mais baratas, incentivos governamentais e uma evolução tecnológica que adequa o produto disponível a realidade econômica de cada país.

As baterias de lítio são hoje as mais amplamente utilizadas na indústria automotiva; as de sódio, menos onerosas, estão em teste e sendo aplicadas em determinados produtos. Por outro lado, as baterias no estado sólido mais caras e tecnológicas são testadas em outras frentes e em produtos mais sofisticados.

Esta acomodação nos preços foi inicialmente observada após a movimentação da Tesla em 2023. Elon Musk cortou em aproximadamente 20% os preços dos seus veículos mais populares nos EUA e na Europa em função da competição, em especial a dos concorrentes chineses.

O preço médio de um veículo chinês no continente europeu era de aproximadamente US$ 29 mil em 2011 passando para US$ 20 mil em 2023, uma queda superior a 30%. Para o consumidor, a diminuição nos preços do produto é salutar, mas para uma indústria que necessita desenvolvimento em novas tecnologias, é necessário a manutenção dos níveis de lucratividade para que não existam menos recursos em pesquisa e desenvolvimento.

Não se pode desmerecer a indústria chinesa questionando eventuais incentivos governamentais. Este ponto será definido apenas após as respectivas discussões nos órgãos e fóruns competentes. Importante frisar o que a indústria fez de positivo: design, qualidade, tecnologia, investimentos em diversas áreas e preços adequados e competitivos ao consumidor final.

A China fez a sua parte usando o dinheiro em abundância que circula em seu mercado para fomentar o desenvolvimento. Simplesmente fez o que qualquer um, com um mínimo de inteligência, precisa fazer para crescer… que o Brasil, e suas dificuldades, siga o mesmo caminho da prosperidade.

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Fonte: direitonews

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