Como Macron mudou a política da França e acabou pagando caro por isso


A decisão de Emmanuel Macron de antecipar as eleições na França em três anos após os resultados desastrosos de seu partido Renascimento no parlamento europeu decretou a a decadência de seu governo – e talvez da Quinta República.

A primeiro evidência disso foi vista no primeiro turno eleitoral, em 30 de junho, quando a direita nacionalista de Le Pen e Bardella triunfou nas urnas, alcançando históricos 33,15% dos votos, arrastando o bloco governista para o terceiro lugar na votação, com 20%.

Ao perceber a possibilidade da força direitista de Le Pen alcançar maioria no parlamento francês, Macron apelou por uma “unidade nacional” contra o que considerou “uma ameaça ao futuro do país”, convocando os eleitores às urnas.

O apelo, de certa forma, deu certo, visto que quase 60% dos franceses aptos a votar se direcionaram aos centros de votação no segundo turno. Em 2022, esse alcance chegou a 38%.

No entanto, essa “aposta total” do mandatário francês trouxe à tona uma visão oposta ao que era esperado por ele: um enfraquecimento de sua base política e uma fragmentação da Assembleia Nacional.

Enquanto a aliança esquerdista Nova Frente Popular (NFP) obteve 49 cadeiras a mais na Assembleia Nacional em relação à eleição anterior, e o Reagrupamento Nacional (RN) de Le Pen aumentou 53 assentos, a coligação de Macron perdeu 86 cadeiras.

Esse resultado é fruto de um estratégia política do mandatário francês que funcionou nas eleições passadas de 2022, mas agora foi um tiro no próprio pé.

Macron se vendeu como uma força centrista contra o “extremismo” e conseguiu juntar no passado partidos tradicionais moderados de esquerda e direita. Contudo, ele vê esse plano correr por água abaixo após os eleitores se dividirem em seus respectivos campos políticos nas eleições, tornando a França ingovernável.

Para muitos analistas, essa decisão unilateral de Macron coloca a Quinta República em mares desconhecidos e pode até ser responsável por sua destruição.

Agora, a câmara baixa é formada por três blocos principais sem que nenhum grupo esteja apto a atuar sozinho ou tenha alguma perspectiva de formar alianças para governar – o NPF, Macronistas e RN estão bem distantes das 289 cadeiras necessárias para isso. Esse cenário deu espaço a um ambiente de instabilidade política e paralisação do parlamento.

A ingovernabilidade tem previsão de durar algum tempo na França, visto que o NFP, apesar de ser o grande vencedor do 2º turno, ainda vai precisar de cerca de 90 assentos para uma maioria funcional.

Esse cenário “despresidencializa” o atual sistema francês e dá maior escopo aos próprios partidos e possivelmente retornará à prática da Quarta República parlamentarista com uma eventual elevação dos poderes da Assembleia Nacional.

Ao portal Euronews, Stéphane Cadiou, professor de ciência política na Universidade de Lyon 2, explicou que Macron “desregulamentou” o sistema político francês, tradicionalmente marcado por uma divisão entre direita e esquerda.

“Para tornar seu negócio pessoal (político) lucrativo, ele teve que convencer as pessoas da natureza divisória direita-esquerda, minando todos os parâmetros familiares do espaço político”, afirmou.

No entanto, essa tática apenas impulsionou seu próprio enfraquecimento. “Macron não conseguiu construir nada, deixando apenas um espaço político inacabado”, disse Cadiou.

Segundo o professor, o presidente tentou criar um movimento vinculado à sua imagem que unisse os dois lados políticos, colocando obstáculos a possível divisões. Contudo, o resultado das últimas duas eleições (em 2017 e 2022) mostraram que tanto as forças de esquerda quanto de direita tradicionais perderam apoio ao aceitarem o pacto.

“Ele [Macron] apostou em sua experiência, no tempo em que esteve no alto escalão do serviço público e no setor privado, que isso poderia ser usado para garantir sua legitimidade para superar a divisão esquerda-direita”, disse.

Cardiou ressaltou que Macron buscou centralizar ainda mais o poder na Quinta República (iniciada em 1958) no presidente.

O sistema francês é semipresidencialista, o que significa que existem duas figuras no Executivo: um presidente e um primeiro-ministro.

Como bem apontou o portal Conversation, nos últimos anos, sob os presidentes Nicolas Sarkozy, François Hollande e Emmanuel Macron, o poder do primeiro-ministro diminuiu visivelmente e eles seguiram principalmente as ordens do presidente.

Durante a gestão macronista, a Assembleia Nacional virou um mero “meio de respaldo” para as políticas presidenciais.

Por exemplo, quando a Câmara contestou a reforma da aposentadoria, que elevou a idade mínima, Macron conseguiu a aprovação por meio de um dispositivo constitucional que ignorava uma resposta parlamentar positiva.

 

Fonte: gazetadopovo

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