O que são as plataformas continentais e qual sua importância?
“No século XX, o direito internacional evoluiu de forma a estabelecer algumas zonas marítimas distintas, separando, por exemplo, o mar territorial, a zona econômica exclusiva, o alto mar, e tudo isso foi definido através de alguns tratados firmados principalmente ao longo do século XX, o principal deles sendo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982, que a gente chama de UNCLOS, na sigla em inglês.”
Por que a Rússia não reconhece os novos traçados pelos EUA?
“Os Estados Unidos assinaram durante a administração [Ronald] Reagan a UNCLOS, mas isso nunca foi ratificado por seu Congresso. […] A expansão da plataforma continental depende de um pleito que é feito pelos países que são signatários [da UNCLOS] e submetido à Comissão de Limites da Plataforma Continental [CLPC].”
“Mas os Estados Unidos fizeram isso de forma unilateral, sem submeter à ONU [Organização das Nações Unidas]. E a Rússia, por sua vez, faz parte da UNCLOS. Então o discurso que foi feito pelo representante russo na Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos [ISA, na sigla em inglês], que fica em Kingston, na Jamaica, fala exatamente sobre isso, que não cabe aos Estados Unidos escolher a dedo quais são os dispositivos presentes para o tratado que lhe convém.”
Qual o papel do Conselho do Ártico na disputa?
“O critério para ser membro permanente [do Conselho] é ter território nacional acima do Círculo Polar Ártico, que é acima do Paralelo 66. Inclusive, por esse critério, a Islândia quase não é um Estado ártico, mas por causa de uma ilhota ela entrou”, acrescenta.
“O fraseamento da questão [na Carta de Ottawa] é exatamente assim: o Conselho do Ártico não lidará com matérias relacionadas à segurança militar. Em 2019, inclusive, o então secretário de Estado americano Mike Pompeo falou que estava na hora de rever isso devido à escalada das tensões entre os membros do Conselho do Ártico, que se polarizam entre a Rússia e a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]. Hoje em dia isso é ainda pior do que era em 2019.”
Países árticos se preparam para ‘combate abaixo de zero’
“A presença americana naquela região incomoda [a Rússia] porque está colocando ali uma espécie de espaço que pode virar um posto avançado dos Estados Unidos numa região extremamente próxima da costa leste da Rússia. E o Ártico hoje passa por uma corrida de estabelecimento de quais vão ser as zonas do Ártico capazes de serem exploradas pelos Estados. A gente está falando da maior reserva natural de petróleo do mundo ainda intocada. […] os recursos que existem abaixo do leito oceânico do Ártico são absolutamente intocados e capazes de suprirem as economias por muitas décadas”, explica o especialista.
“Isso hoje é uma possibilidade real. Os Estados Unidos ficaram décadas envolvidos em guerras que se passavam no Oriente Médio, preparando-se para um tipo de combate que era feito efetivamente no deserto, mas hoje eles são instruídos. A doutrina americana hoje passa por treinamentos no Alasca, porque o soldado hoje nos Estados Unidos e em outros países que têm uma porção ártica no seu território se preparam para um combate abaixo de zero”, afirma Gaspar Filho.
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Fonte: sputniknewsbrasil