Cerco à Amazônia: aumento da presença dos EUA na região é motivo de preocupação para o Brasil?


Atualmente, os Estados Unidos já contam com bases e instalações militares em alguns países amazônicos, dois deles na fronteira brasileira, o Peru e a Colômbia. O aumento dessa presença é um risco para o Brasil? Ela ameaça a soberania brasileira da Amazônia, floresta tropical que tem mais da metade de sua extensão localizada em território brasileiro?

Qual o interesse dos EUA na Amazônia?

Se em 2020 os comentários do presidente norte-americano, Joe Biden, sobre uma mobilização internacional de recursos para salvar a Amazônia, repercutiram mal na mídia e no governo brasileiro, à época chefiado por Jair Bolsonaro, historicamente, não faltam motivos para desconfiar da presença dos EUA e de outras nações estrangeiras na região.
“A Amazônia é uma região rica em recursos, e muitos recursos que nós ainda não conhecemos“, explica Pedro Martins, mestre em ciências militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).
Durante anos, a região serviu de base para a extração de recursos naturais, desde as drogas do sertão do período colonial, como o cacau, a baunilha e o guaraná, à borracha e, agora, o petróleo, presente em diversos pontos da floresta, como na Margem Equatorial, na foz do rio Amazonas. “Existem muitas plantas e árvores, muitas espécies que são endógenas da Amazônia e que não foram totalmente mapeadas“, diz Martins.

“Você tem todas essas desculpas e todos esses interesses geopolíticos na Amazônia por causa de recursos naturais, não só madeira, mas recursos genéticos, recursos de plantas, botânicos. É, basicamente, uma velha disputa por recursos.”

Presença dos EUA causa problemas na região

Para Danilo Bragança, cientista político, professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), a presença dos Estados Unidos na América do Sul é, tradicionalmente, “um elemento desestabilizador das relações políticas internas e externas”.
No cenário interno, por exemplo, são sabidas as intervenções políticas feitas pelos EUA, que remontam à época da Doutrina Monroe e continuam até hoje, ainda que de forma “sutil”, como descreve o cientista político.

“A gente não pode esquecer que o golpe no Paraguai com o governo Lugo (2008–2012) teve presença estadunidense. A participação do Departamento de Justiça [dos EUA] na Lava Jato, no Brasil, indica que o golpe em Dilma Rousseff (2011–2016) também teve participação direta dos Estados Unidos.”

Isso vai causando, explica Bragança, uma instabilidade na região que atrasa o processo de integração da América do Sul, “que já poderia estar em outros patamares”.
A nível internacional, o professor de Relações Internacionais cita o exemplo da Unasul, organização de países sul-americanos que foi esvaziada a partir de 2018. Bragança explica que a instituição supranacional previa o desenvolvimento de uma base industrial de defesa compartilhada pelos países da América do Sul, tendo a indústria brasileira como carro-chefe dessa integração.

“Isso permitiria que os países modernizassem suas forças com transferência de tecnologia da nossa indústria, sem precisar recorrer a contratos bilionários com empresas estrangeiras, sobretudo estadunidenses e francesas.”

“Então, quando o Comando Sul constrói a sua presença aqui, ele não só desestimula, mas ele inibe a integração de natureza militar e de natureza política”, resume Bragança.

O que é o Comando Sul?

As Forças Armadas dos Estados Unidos, explica Martins, são divididas em diferentes comandos. O responsável pela América do Sul é o Comando Sul, ou South Command (South Com). “Com sede na Flórida, ele é responsável por todas as questões da América do Sul e todos os países abaixo do México, que, apesar de ser da América Latina, está dentro da área de operações do Comando do Norte”, afirmou.
O Comando Sul possui à sua disposição forças da Aeronáutica, Marinha, Exército e dos Fuzileiros Navais dos Estados Unidos. A unidade possui diversas funções dentro do seu escopo, desde ajuda humanitária em caso de desastres naturais a combate ao narcotráfico. No entanto, a mais importante para a manutenção do poderio geopolítico estadunidense é a realização de exercícios militares em conjunto com as forças armadas locais, como o realizado com a Guiana.
Martins também vê na projeção do South Com uma presença inibidora no desenvolvimento das forças armadas locais. O especialista ainda lembra que a política de defesa norte-americana possui suas idiossincrasias.
“Mesmo para aliados da OTAN [na qual a Guiana Francesa está representada através da França], alguns equipamentos mais modernos da indústria de defesa americana não são disponibilizados de forma muito simples”, afirmou.
© AFP 2023 / KENO GEORGEComandante do Comando Sul dos EUA (USSOUTHCOM), general Laura Richardson durante cerimônia de encerramento dos exercícios militares “Tradewinds 23”, realizados na Guiana e liderados pelos EUA, em 27 de julho de 2023

Comandante do Comando Sul dos EUA (USSOUTHCOM), general Laura Richardson durante cerimônia de encerramento dos exercícios militares Tradewinds 23, realizados na Guiana e liderados pelos EUA, em 27 de julho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 14.12.2023

Comandante do Comando Sul dos EUA (USSOUTHCOM), general Laura Richardson durante cerimônia de encerramento dos exercícios militares “Tradewinds 23”, realizados na Guiana e liderados pelos EUA, em 27 de julho de 2023

Chegou a hora de o Brasil se preocupar?

Se a crescente proximidade dos estadunidenses com a região ainda não causa preocupações às autoridades, “deveria causar”, afirmou Bragança. Não só a presença militar norte-americana, mas também de grupos econômicos “interessados na Amazônia e na riqueza que ela produz”.
Para Martins, a principal preocupação é o possível desequilíbrio de forças na América do Sul. Tradicionalmente, explica, as nações sul-americanas são pacíficas. Em primeiro lugar, porque elas investiram muito em diplomacia. Mas não só isso.

“Mas também porque todas têm equipamentos e Forças Armadas mais ou menos equiparáveis. Isso acaba gerando uma sensação de tranquilidade. Quando você tem uma nova potência, uma presença militar muito grande de uma grande potência, isso perturba esse equilíbrio, essa correlação de forças na América do Sul, e faz com que você tenha um efeito dominó imprevisível.”

Segundo Bragança, a solução para combater essa influência não é um maior investimento na distribuição de tropas na região, mas sim aumentar a cooperação industrial de defesa e segurança com os países da fronteira.
“Isso implica na cooperação das polícias dos países vizinhos, fóruns de discussão, debates e a construção de uma política integrada no que se refere à Amazônia e seus elementos políticos e comerciais“, afirmou.
Para isso, destaca o professor, é necessário retomar o uso de instrumentos supranacionais, como é a CELAC, que envolve a América Central e o Caribe, e o que foi a UNASUL. “A gente vai vendo que essas ondas [de integração] são interrompidas por eventos mais ligados até às eleições, e não necessariamente aos golpes. Isso vai evitando que essa unificação aconteça de maneira mais eficiente.”

“E essa integração sendo mais eficiente, ela teria como efeito o desenvolvimento dessa região, a criação de mecanismos comuns que pudessem, por exemplo, trazer maior segurança jurídica para a região.”

Fonte: sputniknewsbrasil

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