Você prefere a solidez mecânica de um carro alemão, os músculos de um americano, a confiabilidade de um japonês, a sensualidade de um italiano ou o arrojo de um coreano? A discussão sobre qual escola produz os melhores automóveis é ampla e polêmica, mas talvez tenha chegado a hora de admitir que os veículos chineses já são os melhores do mundo. Ou pelo menos estão entre eles.
Eu sei: você deve estar com vontade de ofender algumas gerações de minha família após ler a sentença acima. Eu mesmo sempre me recusei a acreditar nisso. Até visitar o Salão do Automóvel de Pequim 2024. Tal qual São Tomé, tive que ver de perto para acreditar no padrão de qualidade dos veículos ali expostos pelas marcas locais.
Não, eu não estou falando de carros de luxo feitos por ocidentais em joint ventures com chinesas, como BMW, Cadillac, Buick ou Volvo. Minha referência é às próprias marcas chinesas, muitas desconhecidas dos brasileiros, que apresentaram produtos com níveis altíssimos de qualidade construtiva, acabamento e tecnologias embarcadas.
Isso sem falar no estágio avançado de eletrificação. Quase tudo que estava ali exposto trazia motores híbridos ou elétricos. E estamos falando de híbridos plug-in (PHEV) com motores térmicos de alta eficiência energética, baterias robustas para uma boa autonomia de uso em modo apenas elétrico, além de sistemas engenhosos de transmissão, tais quais o DHT da GWM ou da Chery.
Neta, Li Auto, Leapmotor, Zeekr, IM, Nio, Radar, Geely, Dongfeng, Robocar… São marcas das quais talvez você nunca tenha ouvido falar. Assim como outras tantas. Eu mesmo desconhecia a maioria delas (ou, pelo menos, nunca tinha tido contato pessoal com nenhum produto delas). Todas, sem exceção, apresentaram produtos com boa dose de luxo a bordo.
Oito anos atrás, em 2016, visitei o Salão de Pequim pela primeira vez. Na ocasião, já era notória a evolução dos carros chineses, mas eles ainda eram coadjuvantes, aprendizes dos aparentemente inalcançáveis e irrepreensíveis veículos de marcas estrangeiras como as alemãs Audi, BMW, Mercedes-Benz e Volkswagen, ou as japonesas Honda, Nissan e Toyota.
Em 2024, o jogo se inverteu bruscamente e os chineses se tornaram protagonistas. Tanto que quase não havia tanto frisson nos estandes de todas essas marcas mencionadas. As estrelas da festa foram as locais Zeekr (com o SUV X, que será lançado em breve no Brasil) e, em especial, a Xiaomi, com seu badalado esportivo elétrico SU7.
Eis aqui a resposta para esta iminente virada de jogo: os chineses desistiram de correr contra outros mercados naquilo que eles já dominavam, os carros a combustão, e investiram fortemente em veículos híbridos e elétricos. Hoje, quando se fala de eletrificação, são os forasteiros que precisam alcançá-los.
Com muita força no desenvolvimento e produção de baterias automotivas e motores elétricos — CATL, BYD e Calb possuem, sozinhas, mais de 50% de todo o mercado mundial —, competindo basicamente contra as sul-coreanas LG, SK e Samsung, as fabricantes chinesas descobriram que seria mais negócio investir na construção e tecnologia dos veículos em si do que em complexas motorizações a combustão.
O resultado disso é que, enquanto as ocidentais precisam fazer as contas do quanto investir em eletrificação e quando desapegar dos veículos térmicos, que continuam a pagar suas contas, os chineses já estã consolidados nessa parte do processo e se preocupam agora em desenvolver gadgets tecnológicos que formarão os carros autônomos do futuro, como sistemas de segurança ativa (ADAS), células de combustível a hidrogênio e telas multimídia gigantes operadas por comandos de voz ou gesto.
Chega até a ser chato, pois os carros elétricos chineses de hoje quase não possuem botões. Mexer em funções simples vira um problema quando temos um sistema multimídia e um quadro de instrumentos em mandarim e sem nenhum comando físico. Sofri com isso. Os próprios chineses se perdem em meio a tanta tecnologia: comandos de voz e gestos, que deveriam facilitar a experiência, ainda falham e tornam a experiência muito mais penosa do que deveria.
Ou seja: apesar de a resolução das imagens e o tamanho das telas impressionarem, a tecnologia não está tão madura. Mas aí vem o ponto fulcral desta discussão: os chineses parecem não ligar para isso. Eles sabem que esta é mais uma aposta mais do futuro que do presente. E não têm tanto medo de arriscar, pois a velocidade de correção de rota é muito rápida. Os chineses não esperam quatro anos para atualizar um carro. Se preciso for, o fazem no ano seguinte. A gente que lide com isso.
Se uma década atrás os chineses corriam atrás para tentar igualar japoneses, coreanos e ocidentais, no Salão de Pequim 2024 o jogo virou: somos nós que precisamos correr atrás da maturidade alcançada por eles em eletrificação. Eles, por sua vez, já estão focados no carro de amanhã.
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Fonte: direitonews