441 quilômetros: essa foi a distância que percorri em nove horas para ir de São Bernardo do Campo (SP) a São João de Meriti (RJ). A razão da viagem? Desafiamos o Mercedes-Benz eActros 400, primeiro caminhão elétrico da marca no Brasil, a cumprir o trajeto sem a necessidade de parar para carregar.
Não Bino, isso não é uma cilada! O veículo de 27 toneladas da marca alemã – que ainda está em processo de homologação por aqui – enfrentou essa maratona para provar se está preparado para o mercado brasileiro e seus desafios, seja as longas distâncias, ou o asfalto de má qualidade.
Compartilhando meu diário de bordo, sai de Mogi das Cruzes (SP), onde moro, às 5h45min e cheguei à fábrica da Mercedes-Benz do Brasil em São Bernardo do Campo – nosso ponto de partida – por volta das 8h30min. Lá, dei de cara com os gigantes eActros 300 e eActros 400. Este último, meu meio de transporte até a região metropolitana do Rio.
Confesso que não consegui segurar o sorriso ao olhar para os dois caminhões. Primeiro, porque seria a primeira jornalista a fazer tal trajeto, mas também pelo o tamanho dos veículos e as cores chamativas. Parecia que tinha sido transportada para um filme da franquia Transformers.
Se as cores capturaram minha atenção, o conjunto mecânico do eActros 400 não é menos chamativo. Os dois motores elétricos síncronos de ímãs permanentes geram 536 cv de potência, algo próximo ao que similares a diesel entregam. Surpreendente, mesmo, é o kit de baterias, formado por quatro pilhas gigantes de 112 kWh cada – total de 448 kWh. Como comparação, a capacidade de um BYD Dolphin Mini, carro elétrico mais vendido do Brasil, é de 38 kWh, quase 12 vezes menor.
Só pude visualizar os dispositivos de energia posicionados horizontalmente no cavalo mecânico do eActros 300, já que o irmão maior estava com o implemento pronto para transportar a carga de teste de 6,2 toneladas de água em galões de 1.000 litros. O “nosso” eActros 400 é um caminhão 6×2. Ou seja, tem três eixos, mas tração apenas no último. Há também configurações do tipo 4×2 e 6×2 com reboque.
Na Alemanha, o eActros 400 começou a ser vendido em 2023, após quase dois anos de testes. “Quando o caminhão foi lançado na Europa, a gente fez esse mesmo processo de aprendizagem com alguns clientes. Nós decidimos trazê-lo para o Brasil, justamente por ser um produto amplamente testado em condições reais”, diz Marcos Andrade, gerente sênior de Marketing de Caminhões da Mercedes-Benz.
O modelo vive agora o mesmo por aqui: além da homologação, a fabricante está firmando parcerias com clientes corporativos para introduzir a novidade nas frotas antes de iniciar as vendas. Há uma diferença considerável na proposta, no entanto. Na Europa, com os 400 km de autonomia declarada, é possível sair de Stuttgart, cidade sede da Mercedes-Benz, cruzar a Alemanha e chegar, por exemplo, a Milão (Itália) ou Genebra (Suíça).
Por aqui, essa mesma distância pode não ser suficiente para sair do estado de São Paulo. Ou seja, a proposta do eActros 400 no Brasil é realizar transporte interurbano com cargas pesadas. Potencias clientes são empresas de venda de produtos pela internet. Com peso bruto total (PBT) de 27 toneladas, o caminhão tem carga útil de 8 toneladas.
Por aqui, Andrade acredita que os números serão maiores, chegando à casa dos 500 km: “O Brasil se diferencia bastante da Alemanha, por conta do relevo e da topografia mais agressiva, o que permite com que a regeneração aconteça de forma mais eficiente e faça com que o caminhão tenha autonomia maior por aqui. Nosso desafio foi exatamente entender se nós conseguiríamos chegar com segurança entre SP e RJ, pois é um marco de ligação entre duas cidades super importantes”, completa.
Partimos por volta das 9h15. A central multimídia de 10,25 polegadas mostra o nível da bateria e a autonomia estimada. O quadro de instrumentos também é digital, de 12”. Nesse momento, tínhamos 99% de bateria e um alcance calculado de 454 km. Em tese, suficiente para chegarmos, sem grandes reservas.
Minha primeira impressão da cabine é bem diferente do que eu esperava de um caminhão, já que me senti em um carro de passeio. O grande destaque vai para os retrovisores, substituídos por câmeras que projetam as imagens em dois “tablets” posicionados nas extremidades da porta. O sistema não só amplia a imagem, como emite alerta sonoro e vibra quando identifica veículos muito próximos ou saída de faixa.
As comodidades internas ainda incluem carregador de celular por indução e gancho para segurar o aparelho. Todas as telas e botões de comando, inclusive, são posicionados na diagonal, voltados ao motorista. Por se tratar de um caminhão para entregas a médias distâncias, o leito foi suprimido.
Ao volante do o eActros 400, estava Thiago Ambrósio, instrutor na Mercedes-Benz há seis anos. Apesar de o banco do passageiro não ser a ar, como o do motorista, estava muito bem acomodada, e até brinquei com meu companheiro de viagem que “dormiria facilmente por dez horas naquela poltrona”.
Mas claro que dormir estava fora dos meus planos. Como uma boa copiloto (e exercendo a função mais clássica de um jornalista), tinha uma lista de perguntas para fazer ao Thiago. Imagino que a maior curiosidade de quem não está familiarizado com a eletrificação, ou tem resistência às novas tecnologias, é entender os desafios para recarregar esses veículos na estrada e as diferenças na direção.
“Na prática é a mesma coisa. O que se tem que ter em mente é a antecipação, para sempre saber quando você vai ter um trecho para acionar a regeneração da bateria”, explica o motorista. O recurso é acionado por uma aleta atrás do volante, assim como acontece com o freio motor nos similares a diesel.
No caso do eActros 400, o freio motor é substituído por um sistema de frenagem regenerativa com cinco níveis, que se aproveita de trechos de desaceleração para alimentar as baterias e recuperar parte da autonomia.
Já o um resistor de alta potência é responsável por garantir que a regeneração possa acontecer, mesmo quando a bateria está totalmente carregada. Se não há mais onde colocar a energia elétrica gerada pelas desacelerações, o sistema a converte em energia térmica, liberada em forma de calor no ambiente.
Tal qual Pedro e Bino, do seriado Carga Pesada da TV Globo, tivemos assunto para conversar até a parada para o almoço, em Pindamonhangaba (SP). À essa altura, estávamos a 132 km de Resende (divisa entre Rio de Janeiro e São Paulo) e a 209 km da Serra das Araras, com 72% da carga da bateria e alcance estimado de 398 km. Todo o trajeto foi feito respeitando o limite de velocidade das vias – que nesse trecho é de 90 km/h para pesados.
No percurso, o futuro encontrou o passado, já que cruzamos com diversos Mercedes-Benz 1111 e 1113. Caminhões de cabine semiavançada, os modelos se tornaram ícones das estradas brasileiras.
Por volta das 14h45, chegamos à divisa entre os estados, entre Queluz (SP) e Resende (RJ). Para registrar o momento, paramos no acostamento por alguns minutos. Nesse intervalo, tive a experiência raiz de estar em um caminhão. Por estarmos em uma descida, todos os veículos pesados que passavam pela gente em alta velocidade faziam tremer a cabine.
Fico surpresa com a estabilidade da cabine, que não balança nas curvas, mesmo na descida da Serra das Araras. E olha que estamos falando de um veículo de quase 11 metros de comprimento e 2,50 m de largura. O que já era esperado é o silêncio dos motores elétricos. Ainda assim, não deixa de ser inusitado, principalmente por estarmos em um caminhão de quase 30 toneladas.
Terminamos a descida da serra por volta das 17h, com 186 km de autonomia restante e 81 km ainda por percorrer. Mesmo com o trânsito da Linha Vermelha, o eActros cumpriu o desafio e não nos colocou em cilada: chegamos à São João de Meriti às 18h08 com 30% de bateria e 162 km de autonomia restantes. Somado aos 441 km percorridos até então, podemos projetar 603 km de alcance total.
De acordo com a Mercedes-Benz, esse número é um recorde, comparado aos dados de testes anteriores.
Estacionado e conectado ao carregador, o caminhão não deixou de chamar a atenção das pessoas que passavam pelo posto, curiosas para saber quantos quilômetros o gigante silencioso teria percorrido para chegar até ali. Segundo a fabricante, o modelo recupera de 20% a 80% da capacidade da bateria em 1h15 na velocidade máxima de carregamento, 160 kW.
Se você chegou até aqui, certamente está curioso para saber o preço do eActros 400. Saiba que o investimento é de duas a quatro vezes maior do que o necessário para se comprar um equivalente movido a diesel. Ou seja, entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões. Já a data de lançamento ainda não está definida, mas uma estimativa atual aponta que será entre o final de 2026, quando os testes devem ser concluídos, e o início de 2027.
Se vamos demorar muito tempo para nos acostumar e colocar em uso esse tipo de tecnologia, não sei. Apesar de ainda não estar acessível à todos os públicos, encontros entre passado e futuro, como vivenciei ao cruzar com os 1111 e 1113, ficarão cada vez mais raros para dar lugar ao futuro que se faz cada vez mais presente.
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Fonte: direitonews