Brasileira chefe global da Stellantis diz que é preciso falar sobre diversidade “até que seja natural”


Em uma indústria ocupada tradicionalmente por homens, ora trajados com ternos e gravatas, ora com macacões e protetores auriculares, chega a trazer certo alívio saber da história de Juliana Coelho. A pernambucana de 33 anos acaba de completar dez anos de Stellantis (grupo dono de marcas como Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën), dos quais os seis últimos em cargos de liderança. Em 2022, decolou para voos mais altos e assumiu o inédito posto de chefe global do sistema de produção da gigante automotiva.

Mais do que ter uma trajetória admirável, Juliana traz um significado poderoso nessa história: ela é uma semente fértil em um solo que sempre foi hostil para mulheres.

Engenheira química de profissão, ela ingressou como trainee na área de pintura na planta da antiga FCA, atual Stellantis, em Goiana (PE), que estava em desenvolvimento na época. Essa posição, inclusive, é onde há maior divisão entre homens e mulheres na indústria automotiva. De acordo com a pesquisa “Diversidade no Setor Automotivo” da Automotive Business feita em 2021, 49% dos cargos de trainee e estagiários eram ocupados por mulheres e 51% por homens.

Não demorou muito para que Juliana assumisse como supervisora e gerente do setor. Cinco anos depois de ter ingressado na antiga FCA, estava trabalhando como gerente de produção da fábrica onde saem Fiat Toro e os Jeep Compass e Renegade e foi responsável por implantar o terceiro turno na unidade.

Desde aquela época, Juliana percebia que era muito mais do que fabricar 600 veículos por dia. “O que me dá muito orgulho de Goiana e da região é como cuidar das pessoas e desenvolver conhecimento e habilidade. Sempre foi sobre pessoas. Sem elas, a planta é só formada por equipamentos parados”, comenta.

No início da pandemia, em julho de 2020, a engenheira assumiu o posto máximo em Goiana, de plant manager. Foi a primeira vez que uma fábrica da antiga FCA na América Latina era comandada por uma mulher. Em quase 50 anos de produção na região. Ela reconhece que faz parte de uma minoria e, acima disso, sabe de sua importância como referência.

Segundo dados da pesquisa sobre diversidade feita pela Automotive Business, 19% dos cargos de chefia ou liderança são exercidos por mulheres. Em postos de presidência ou vice-presidência, a presença feminina cai para 12%.

“Eu costumo dizer que não é suficiente só falar sobre diversidade, mas precisamos discutir em nossas reuniões semanais quais atitudes tomamos em relação ao tema, porque só o entendimento não é suficiente. Precisamos agir até que esse tema seja algo natural, e por enquanto não é”, reflete.

A confiança nas pessoas e no desenvolvimento da fábrica de Goiana – uma das mais tecnológicas e prósperas do grupo em todo o mundo – levou Juliana a assumir o cargo de chefe global do Modo de Produção Stellantis, ou Stellantis Production Way (SPW) no início do ano passado.

Em poucas palavras, essa nova área é responsável por difundir as boas práticas de fábricas do grupo para todo o mundo. O que é feito certo em uma fábrica é adotado em outras unidades ao redor do globo.

Ela enxerga que o sucesso da fábrica de Goiana está diretamente atrelado à diversidade e ao protagonismo dos funcionários: “Conseguimos transmitir conhecimento e fazer com que pessoas percebam o sentido no que fazem”.

Globalmente, esse desafio é muito maior. Afinal, Juliana é responsável por implantar boas práticas em quase 90 fábricas do grupo formado por 14 marcas como Fiat, Jeep, Peugeot, Citroën, RAM, Dodge e Abarth – no mundo. Ela assume que é um trabalho que se estenderá para os próximos anos, mas que já em 2022 conseguiu conhecer cerca de 65 fábricas do grupo.

“Foi um ano em que consegui entender a importância e o valor da diversidade entre as culturas. Percebi que não podemos achar que uma solução possa ser aplicada de forma rígida em todos os lugares. Precisamos explicar o porquê fazemos as coisas. As pessoas conseguiram entender o propósito no que fazem sem perder a identidade de cada um, de cada região. Isso foi o maior aprendizado a ser colocado em prática”, explica.

Ela sabe da dificuldade em implementar a diversidade a nível global, mas se considera uma pessoa otimista-realista e vê o futuro com bons olhos, sabendo que dependerá de ações tomadas agora. “Cerca de 38% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres no Brasil. Esse número era muito menor, mas tenho certeza que ele é menor do que será amanha. Acredito que estamos dando grandes avanços, mas meu posicionamento sobre isso é muito claro: precisamos falar sobre diversidade até que seja um tema natural”.

Até 2030, a Stellantis pretende ter mais de 35% dos cargos de liderança ocupados por mulheres no mundo. Mas ainda há muito a se fazer: em 2021, apenas 24% dos postos eram ocupados pelo sexo feminino.

Mas não é só implementar cargos de liderança para esse grupo. É sobre combater a desigualdade salarial, o machismo velado e dar oportunidades de crescimento. Juliana admite que, nesse caminho que seguiu, algumas mulheres ficaram para trás. Mas ela quer ser exemplo no setor, inspirando jovens engenheiras, líderes e mulheres que almejam trabalhar na indústria automotiva.

“Espero que isso (posição de líder) gere em mulheres uma vontade de trilhar seu próprio caminho, que consigam acreditar em si mesmas e saibam que podem crescer profissionalmente. Costumo a falar que, se tem sonho, é porque há espaço para ser trilhado”, reflete.

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Fonte: direitonews

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