Brasil ‘sem fôlego’ para investir em defesa enquanto mundo se arma: dilema deixa país em risco?


Em evento que marcou o início das comemorações dos 377 anos do Exército do Brasil, o comandante da instituição, general Tomás Paiva, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cobrou mais investimentos em defesa nacional diante do aumento das tensões mundiais, inclusive na América Latina.
“Os investimentos em defesa vêm crescendo exponencialmente em todas as regiões do globo, uma realidade que sugere ao nosso país atenção redobrada em relação à proteção dos brasileiros e dos ativos consagrados pela Constituição”, disse à época.
A declaração ocorre em um momento em que o Brasil vê o orçamento para a defesa cada vez mais “asfixiado” pelas despesas obrigatórias, que contemplam custeio, manutenção e salários. Esses gastos já consomem quase 90% da receita, que, em 2025, está prevista em pouco mais de R$ 133 bilhões, abaixo somente de pastas como Previdência Social, Desenvolvimento Social, Saúde e Educação.
Para o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em indústria aeroespacial e defesa Marcos José Barbieri, o país está há décadas na contramão do que ocorre em âmbito mundial.

“Até antes do conflito na Ucrânia os gastos militares mundiais representavam, em média, 2,2% do PIB [produto interno bruto] mundial. No caso brasileiro, nas duas primeiras décadas deste século, o conjunto de gastos em defesa teve uma média de 1,4% do PIB. Essa diferença que já existia e era significativa se ampliou, porque os investimentos militares têm aumentado não só pela questão ucraniana, mas pelo conjunto de disputas regionais e também entre Estados Unidos e China. Enquanto isso, no Brasil, aquele gasto que já era relativamente baixo foi reduzido para 1,1% do PIB nos últimos anos“, destacou à Sputnik Brasil.

Conforme o especialista, a realidade brasileira mostra que praticamente todo o dinheiro destinado às Forças Armadas vai quase exclusivamente para as despesas de pessoal, seja da ativa ou da reserva.
“Não sobra para investimento. O gasto é tão baixo que você mal consegue manter a folha de pagamento […]. Então é necessário ampliar de forma gradual e que fosse destinado quase na sua totalidade para projetos estratégicos de defesa e custeio de operações e treinamentos“, pontua.

Qual o gasto militar do Brasil?

Desde 2023 está em tramitação no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que assegura um orçamento mínimo para a Defesa Nacional equivalente a 2% do PIB do ano anterior. O texto, de autoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ), sequer ainda foi analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que é a primeira entre as discussões na Casa. Em fevereiro, o presidente da CCJ, senador Otto Alencar (PSD-BA), assegurou que um relator seria indicado em breve para garantir o andamento da proposta.
O professor da Unicamp defende a PEC como um caminho que vai permitir ao país avançar no setor.
“Além disso, o projeto prevê que 35% dos gastos militares devem ser destinados aos projetos estratégicos de defesa. Mais do que isso, deve-se priorizar o desenvolvimento e a produção local de equipamentos e produtos militares […]. E um elemento importante que não está no texto é a necessidade de criar uma estrutura em que haja a centralização dos investimentos em defesa, e não uma que fique segmentada em cada uma das forças. Isso proporciona maior racionalização desses gastos”, enfatiza.
Outro ponto que o especialista lembra é que o texto traz maior previsibilidade ao setor de defesa, o que ajudaria a evitar “contingenciamentos” que atrasam a conclusão de projetos importantes, como a compra de novos obuseiros ou a construção do submarino nuclear brasileiro, por exemplo.
“É preciso ter uma garantia mínima para a estrutura de defesa, que são os equipamentos, como para a base industrial brasileira”, acrescenta.
Ademais, Barbieri alega que a Estratégia Nacional de Defesa de 2008 já incluía as principais necessidades das Forças Armadas do Brasil para impulsionar o setor: investimentos nas áreas nuclear, espacial e cibernética — a última área, ainda, com a inclusão da inteligência artificial, criptografia e comunicação segura.
“O Brasil tem uma estrutura de defesa insuficiente para as nossas necessidades, independentemente do que esteja ou não ocorrendo em âmbito mundial. Há um esforço grande em manter certo grau de operacionalidade. O país tem alguns equipamentos, mas o que se verifica é que a estrutura ainda está muito aquém das nossas necessidades.”

Quanto o Brasil gasta com pensões militares?

Só entre 2018 e 2022, o Brasil gastou mais de R$ 94 bilhões para pagar pensões a herdeiros de militares. O especialista em assuntos militares Pedro Paulo Rezende frisou à Sputnik Brasil que esse é um dos principais problemas que deixa o orçamento do setor cada vez mais engessado.
“Dinheiro não falta, tem muito envolvido. O orçamento da defesa é um dos maiores e, para gastar 2% do PIB, vai precisar tirar de algum lugar. É uma questão muito complicada. Há uma previsão de que esses gastos cumulativos [como pensões] só comecem a diminuir a partir de 2030”, afirma, ao lembrar que o modelo previdenciário militar é uma herança que atravessou os últimos dois séculos.
De acordo com o especialista, até os anos 2000, todos os militares tinham o direito de deixar pensão para as filhas. Além do mais, uma aposentaria militar pode durar até 50 anos, enquanto no meio civil a média é de 20 anos.

“Até uns anos atrás havia pensionistas da Guerra do Paraguai ainda recebendo, um conflito que terminou há mais de 100 anos. Tudo isso mostra uma distorção muito grande.”

Por fim, Rezende garantiu que o modelo tradicional de guerra se provou ultrapassado com as tensões na Ucrânia, que trouxe um novo paradigma para o setor: equipamentos mais baratos e mais efetivos.
“No lugar de aviões caros, você usa drones, em vez de carros de combate, equipamentos mais leves para o campo de batalha. Em suma, ocorre uma revolução na guerra, e o Exército poderia estabelecer suas compras a partir desse novo panorama. Mas é preciso abandonar paradigmas, e os militares brasileiros ainda são muito conservadores.”
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Fonte: sputniknewsbrasil

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