O Brasil está em negociações com a Índia para comprar mísseis de defesa antiaérea Akash. A informação foi revelada pelo comandante do Exército, general Tomás Paiva em audiência na Comissão das Relações Exteriores e Defesa Nacional (Creden) da Câmara dos Deputados na quarta-feira (17). A falta de um sistema de defesa antiaéreo é uma das maiores fraquezas das Forças Armadas do Brasil.
O novo cenário mundial de guerras da Ucrânia e em Israel vem mostrando que as defesas antiaéreas permitem a sobrevivência da população civil em impedem que um país entre em colapso em decorrência de ataques de grandes proporções. Além dos caças Gripen, e dos navios da esquadra da Marinha (sediada no Rio de Janeiro), o Brasil tem apenas defesas antiaéreas de curta distância, capazes de protegem apenas edifícios estratégicos e algumas unidades militares.
A ideia das Forças Armadas é vender aviões cargueiros produzidos pela Embraer e comprar sistemas de mísseis antiaéreos indianos.
“A gente tem tido uma boa interlocução com a Índia e há muito interesse em [fazer uma] parceria para [adquirir] um armamento antiaéreo de média altura, como o míssil Akash. Vamos propor ao Ministério da Defesa uma aquisição gov-to-gov [negociação de governo para governo, sem intermédio da iniciativa privada], talvez com a possibilidade do KC-390 e o Akash, que é um equipamento dissuasor em relação à nossa proteção antiaérea”, disse o comandante.
Ou seja, a negociação envolveria uma troca das aeronaves cargueiras KC-390, fabricadas pela empresa nacional Embraer, por baterias Akash, de fabricação indiana. Brasil e Índia têm expandido suas relação no âmbito dos Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
À Gazeta do Povo, o doutorando em políticas públicas, estratégia e desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Henrique Alvarez, explica que o míssil Akash é um sistema de bateria de médio alcance e que pode chegar até 20 quilômetros de altitude e 30 quilômetros de distância. Caso essa aquisição seja concluída, será a primeira defesa antiaérea de fato do Brasil.
Os sistemas de defesa antiaérea são compostos por “camadas” de defesa de curto, médio e longo alcance. Um exemplo de defesa de curto alcance é o Iron Dome, que protege Israel contra ataques de foguetes e drones lançados da Faixa de Gaza e do Sul do Líbano. Quando os israelenses foram atacados por drones e mísseis do Irã na semana passada, precisaram contar com defesas de longo alcance americanas e britânicas, formadas principalmente por caças e embarcações militares.
Na guerra da Ucrânia, as defesas de longo alcance são formadas por baterias antiaéreas de longo alcance americanas Patriot e soviéticas S-300, que atingem até 120 quilômetros de distância, e por sistemas de defesa de médio alcance, como a alemã Iris-T, que protege um raio de 30 quilômetros a seu redor.
“O Brasil só tem esse sistema antiaéreo de curto alcance e essa é uma das maiores deficiências que as Forças Armadas Brasileiras têm”, avalia Alvarez que é mestre em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente, o arsenal do país conta apenas com defesa antiaérea de curto alcance.
Entre os equipamentos desta categoria disponíveis para as Forças Armadas, estão o míssil de ombro Igla, de origem russa e o míssil portátil RBS 70 sueco; além do canhão antiaéreo Oerlikon GDF, de origem suíço/italiano e do veículo blindado de combate antiaéreo Gepard, vendidos pela Alemanha. Nenhum deles, contudo, possui um alcance superior a 8 quilômetros, o que deixa o Brasil defasado em defesa antiaérea.
Alvarez ainda relembra que as tratativas para adquirir um sistema de médio alcance não são recentes e já houve tentativas anteriores de compras que não foram bem sucedidas. “Durante os primeiros mandatos de Lula, quase se fechou uma compra do sistema russo Pantsir, que tem um alcance maior e chega a 25 quilômetros, mas acabou sendo cancelado”, relembra o especialista. Henrique Alvarez ainda pontua que negociações com a China e Inglaterra também chegaram a ser cogitadas, mas não avançaram.
“O que acontece agora é que a Embraer está produzindo KC-390, o avião cargueiro militar, e a Índia abriu uma concorrência para compra de cargueiro militar em grande quantidade. Para o Brasil seria um sonho ganhar essa concorrência porque venderia uma grande quantidade dos KC-390”, explica Alvarez. “Nessa proposta estava-se projetando que o Brasil comprasse os Akash indianos e a Índia compraria os KC-390, como se fosse uma troca, algo que é muito comum no mercado de Defesa”, afirma.
O especialista ainda avalia que há pontos positivos e negativos com a conclusão desta negociação. “A venda dos aviões é positiva para a indústria brasileira e seria positivo, finalmente, o Exército ter um sistema de defesa antiaéreo de médio alcance, que é aparentemente moderno, pelo o que os indianos propagam. O porém é que é um sistema indiano”, explica à Gazeta do Povo.
Henrique Alvarez explica que, pelo fato da Índia ainda não ser um país consolidado no mercado internacional de Defesa, como os Estados Unidos ou países europeus, a compra seria vista como uma “aposta”. Além disso, pode haver uma dificuldade maior e até mais custos para adaptar os militares brasileiros para a utilização de um sistema indiano, que difere de sistemas bélicos ocidentais que as tropas nacionais já estão adaptadas a utilizar.
“Têm pontos positivos e negativos, mas acredito que os pontos positivos acabam superando porque destravar essa compra seria muito bom para o Exército. É realmente um absurdo que um país com o tamanho do Brasil não tenha cobertura antiaérea de médio alcance para se proteger. Além disso, é interessante uma parceria com a Índia que também é um país em desenvolvimento”, avalia Alvarez.
Fonte: gazetadopovo