Os descontos indevidos de benefícios de aposentados em favor de entidades, que motivaram uma enxurrada de críticas e denúncias, foram comprovados por uma auditoria interna divulgada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A estimativa é de que os descontos indevidos tenham somado ao menos R$ 45 milhões desde janeiro de 2023, mas o próprio INSS admite que o valor pode ser maior, pois nem todos os aposentados lesados podem ter percebido o problema.
Com base em uma amostra, a auditoria do órgão estimou que pouco mais da metade das filiações a essas associações foi feita de modo irregular. O documento completo foi enviado como base para investigações da Polícia Federal e à Controladoria-Geral da União.
O problema é antigo e recorrente. As fraudes têm origem em Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) firmados com entidades para a prestação de serviços aos aposentados, que têm acesso a informações de contato dos segurados.
Elas oferecem assistência jurídica, financeira e de saúde, além de benefícios como descontos em redes de farmácias, cobertura para exames médicos, serviços residenciais e auxílio-funeral.
A mensalidade, no entanto, só pode ser descontada diretamente da folha de salário, assegura norma do convênio, se a filiação for aceita pelo beneficiário.
Nem sempre é o que acontece. Frequentemente, adesões são feitas sem autorização. Muitos aposentados alegam não ter aceitado a cobrança e estar sendo descontados. Outros dizem que contrataram algum serviço e, em meio aos documentos assinados, acabaram autorizando o desconto sem perceber.
O assunto voltou à tona no início do ano, denunciado pelo site Metrópoles. A Gazeta do Povo também divulgou denúncias recebidas de leitores afirmando terem sido cobrados sem autorização. A repercussão na mídia forçou o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, a solicitar a auditoria em maio.
Relatório detalha descontos indevidos de aposentados do INSS
As informações coletadas dão conta de que 1,1 milhão de notificações foram feitas ao INSS por aposentados contestando a autorização de descontos de mensalidade associativa.
As associações acusadas nos processos judiciais de descontos indevidos, diz o relatório final, aumentaram de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões seus rendimentos mensais em apenas um ano.
Foram constatadas imprecisões em assinaturas dos aposentados para suas filiações ou mesmo a ausência delas, além do uso de “laranjas” (pessoas ou entidades de fachada) de empresários para a celebração dos contratos.
Na conclusão, o órgão admite que o total de descontos pode ser ainda maior que o calculado.
“Reitera-se, contudo, que os valores representativos do total dos descontos não autorizados pelos beneficiários podem ser ainda maiores, a depender de quando o beneficiário identifica o desconto indevido no extrato do benefício previdenciário e a solicitação da exclusão do desconto é efetivada pelo INSS”, diz o documento.
Em uma amostra de 603 filiações, 332 não tinham documentos necessários para autorizar os descontos em folha de pagamento dos aposentados.
“Considerando os descontos identificados, a regularidade da consignação não foi comprovada quanto à apresentação dos documentos para 55% da amostra”, afirma o documento do INSS.
Também fica explícito que a diretoria de benefícios do INSS foi negligente na obrigação de fiscalizar entidades conveniadas, aceitando novos ACTs com associações acusadas de fraude.
Mesmo assim, as entidades identificadas não foram descredenciadas e seguem autorizadas a descontar as mensalidades dos beneficiários.
Irregularidades perpassam diferentes gestões do INSS
As irregularidades apontadas atingem as gestões dos diretores de benefícios José de Oliveira (PSD), que foi ministro do Trabalho e Previdência do governo Jair Bolsonaro (PL), e André Fidelis, indicado na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Fidelis, um dos envolvidos na operação que permitiu a Dilma Rousseff (PT) furar a fila da aposentadoria em 2016, após o impeachment, foi demitido do INSS em julho, após as denúncias.
Desde o início do ano, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, havia prometido que o órgão iria “agir duro contra fraudes e irregularidades”. Uma portaria, publicada em 15 de março, criou novas regras para filiação às entidades para dificultar as transferências indevidas. Mas ficou longe de ter resultado efetivo.
No período que compreende as duas gestões, de Oliveira e Fidelis, mais de 30 fiscalizações deixaram de ser feitas pela diretoria do órgão.
Em ambas as gestões, os diretores reabriram as portas do INSS para associações expulsas por fraudes em 2019, contrariando pareceres internos do INSS que alertaram sobre o risco em razão do histórico das entidades.
A auditoria identificou “a alta materialidade financeira do processo de trabalho, uma vez que os repasses dos descontos associativos totalizaram cerca de R$ 3,07 bilhões no período de janeiro de 2023 a maio de 2024, destacando-se a quantidade expressiva de beneficiários, no total de 7.692.313, com descontos associativos em sua folha de pagamento no mês de maio de 2024”.
O documento destaca que foram apresentados 1.163.455 requerimentos para exclusão da mensalidade associativa junto aos canais de atendimento do INSS no mesmo período. Além disso, ressalta “as repercussões sociais, legais e de imagem institucional decorrentes de eventuais irregularidades”.
O ministro Oliveira negou a ocorrência dos eventos em sua gestão, afirmando que foi diretor de benefícios da autarquia por apenas cinco meses. “É inadmissível se falar em omissão e gravíssima negligência em nossa gestão, pois nunca deixamos de apurar qualquer denúncia, muito pelo contrário, sempre zelamos pelo erário público”, disse ao Metrópoles.
A Gazeta do Povo não conseguiu contato com André Fidelis. Questionado pelo jornal, o INSS não informou os desdobramentos e providências a serem tomadas após a conclusão da auditoria.
Fonte: gazetadopovo