“Se a gente lembrar um pouco o resultado da eleição, […] percebe que o fim da eleição gerou um país extremamente dividido. A vitória foi por um percentual muito pequeno. E logo após os ataques perpetrados em 8 de Janeiro, em Brasília, com toda aquela destruição, depredação do patrimônio público, vandalismo, invasões, isso criou um ambiente propício para uma aglutinação de forças que estavam, de certa forma, em xeque em termos de apoio ao governo”, explica o cientista político.
“Até o próprio ex-presidente Bolsonaro se posicionou contra os ataques, mesmo que de forma ainda um pouco tardia.”
Como ficou a CPI do 8 de Janeiro?
“A gente sempre pensa que CPI dá em pizza, mas dá em pizza porque vira muito mais um teatro político, onde as facções disputam a sua versão da verdade e se atêm pouco sobre os fatos jurídicos, as questões que realmente podem trazer mais veracidade, culpabilidade, gerar provas.”
Desconexão com a realidade alimentou os extremistas
“São grupos que são alimentados e retroalimentados por diversos segmentos da direita. Então, é aquele grupo que foi se avolumando, foi criando uma realidade paralela. Se você observar bem esses grupos, houve uma imersão nas discussões que eles tinham dentro do WhatsApp [plataforma da Meta, proibida na Rússia por extremismo], dos grupos que mobilizavam essa extrema-direita, e você vê claramente que é uma realidade completamente distorcida, completamente aquém de uma racionalidade mínima que a pessoa possa ter da realidade”, complementa.
“Obviamente que isso não aconteceu e se comprovou que essa realidade paralela não estava conectada com os desdobramentos que eles esperavam, e isso gerou uma grande frustração, e acredito que serviu também de lição para que esses grupos fossem desmobilizados ou mesmo para que […] ganhassem um choque de realidade.”
Qual a relação do 8 de Janeiro com a invasão do Capitólio?
“Sem querer fazer uma correlação sociológica, histórica, mas imagética, do ponto de vista estético, foi bem parecido. Uma coisa de tanto quanto cafonas, brutais, ridículas, extremamente deletérias do ponto de vista democrático, foi o que ocorreu aqui no Brasil.”
Como fica o bolsonarismo após o 8 de Janeiro?
“Será que nós teremos uma eleição polarizada? A única coisa que vai dizer para a gente se sim, é, de fato, a expressão dos votos. Alguns candidatos, alguns políticos já eleitos e alguns assessores políticos que eu tenho contato, estão fazendo um balanço de que essa vai ser uma eleição muito difícil, justamente porque a polarização deu uma arrefecida. Então, assim: contra quem eu estarei lutando, se esse passado antidemocrático já foi superado em 2022?”
“Eu ainda vejo novos episódios nessa questão toda, não só para ele [Jair Bolsonaro], como para outros personagens, como, por exemplo, o hoje senador Sergio Moro, o próprio Deltan Dallagnol, que já foi excluído da disputa eleitoral. Então, você tinha figuras muito carimbadas e que, obviamente, traziam muitos votos, e nas eleições isso conta muito, principalmente nas proporcionais, que estão perdendo o poder, estão perdendo o foco, até mesmo ao ponto de, ainda que estejam no poder, começarem a se descaracterizar.”
Quem será a grande figura da direita nas eleições de 2026?
“O tom que foi utilizado pelo candidato [Bolsonaro], aquele tom grotesco, agressivo, antidemocrático, excludente, as pessoas batiam palma, eventualmente, bateram muita palma para ele dançar, mas chegou em determinado ponto onde as pessoas viram que aquilo ali não conseguiria se segurar por muito tempo. […] Existiam ferramentas e tons discursivos [nas eleições de 2022] que me parece que, pelo menos para essa eleição de agora, as pessoas têm um pouco mais de receio de fazer. Até para não serem confundidas com algo que elas mesmas ajudaram a enterrar.”
“É uma coisa muito curiosa, um carioca governando o estado de São Paulo, e ele teria sido alçado como um, digamos assim, herdeiro do bolsonarismo. Ou seja, fazer um bolsonarismo 2.0 nem tanto a nível de discurso explícito, mas a nível de herdar alianças, de herdar poder de voto. Me parece que algo explícito como foi não se repetiria nessa próxima [eleição]”, explica Cardoso.
Qual o papel das redes sociais no 8 de Janeiro?
“Quem quer fazer com que esse debate [sobre a regulação] seja um debate sobre liberdade de expressão, isso é só uma cortina de fumaça”, destaca o especialista.
Fonte: sputniknewsbrasil