A guerra tarifária entre EUA e China, desencadeada pelo presidente estadunidense, Donald Trump, pode criar oportunidades para expandir as exportações brasileiras, principalmente de alimentos. A afirmação foi feita nesta semana pelo secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária, Luis Rua, em coletiva na qual apresentou um balanço das ações da pasta para impulsionar as exportações nacionais.
Segundo o secretário, a tensão comercial entre Washington e Pequim pode impulsionar as exportações brasileiras “não só de soja, como de qualquer outro produto agregado”.
A fala de Rua é corroborada por números do setor que mostram que, nos últimos dias, a China registrou um aumento atípico na compra de soja brasileira, adquirindo 40 cargas do grão, equivalente a 2,4 milhões de toneladas.
Os EUA são o maior fornecedor da soja consumida pela China, seguido pelo Brasil. Em 2024, o país asiático importou 105 milhões de toneladas de soja. Desse total, 71% foram provenientes dos EUA e 21% do Brasil. Produtores de soja norte-americanos, um dos setores mais relevantes para a economia do país, já alertaram que as tarifas de Trump provocarão falências. Em contraponto, no Brasil, a expectativa do governo e de produtores é que a guerra tarifária aumente o apetite chinês pela soja brasileira.
Guerra tarifária beneficia a produção brasileira?
A maior demanda da China pela soja “pode beneficiar as exportações brasileiras”, conforme aponta à Sputnik Brasil Eduardo Assad, professor do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV Agro).
Ele acrescenta que, além da soja, as exportações de outros produtos também podem ser beneficiadas pela guerra tarifária, como “milho, algodão, café e carne”.
Renan Silva, gestor da Bluemetrix Asset, afirma à reportagem que a guerra tarifária “pode fortalecer a posição do Brasil como exportador de alimentos”.
“É certo que quando um país impõe tarifas sobre produtos de outro, é natural a busca por fornecedores alternativos. E o Brasil, por ser um grande produtor agrícola, torna-se mais competitivo nesse cenário”, explica.
Ele compartilha da opinião de Assad quanto aos outros produtos que podem ser beneficiados pela guerra tarifária entre EUA e China.
“Além da soja, outros produtos brasileiros que podem se beneficiar são o milho, amplamente demandado para a alimentação animal e produção de biocombustíveis; a carne bovina, suína e de frango, pelo fato de o Brasil atuar como um dos maiores exportadores mundiais; o café, em razão do país ser o maior exportador global. Ainda, o açúcar, a celulose, o algodão, frutas — laranja, manga, melão, entre outras —, com papel relevante principalmente nos mercados europeu e asiático.”
Aumento na produção pode levar à escassez de água?
O consumo de soja exige uma grande quantidade de água, e a falta do recurso é um dos motivos apontados que leva a China a importar o grão.
Questionado se o aumento das exportações pode ter como consequência crises hídricas no Brasil, Silva observa que é correto afirmar que a produção de soja demanda grandes volumes de água, principalmente para a irrigação e manutenção do solo. Porém, o fato de grande parte da soja brasileira ser cultivada em áreas com clima favorável, ou seja, com chuvas abundantes que permitem a cultura de sequeiro, que usa água da chuva para a produção, “reduz a dependência de irrigação artificial, principalmente nas regiões Centro-Oeste e Sul”.
“O risco de escassez de água, por conta do aumento das exportações, existe, mas é relativamente limitado nas áreas tradicionais de cultivo de soja. O que pode ocorrer é a pressão sobre recursos hídricos locais onde há expansão da fronteira agrícola, por exemplo, em áreas do Matopiba [Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia], que podem enfrentar problemas ambientais, inclusive com competição por água entre agricultura, comunidades locais e biodiversidade.”
Segundo ele, um aumento das exportações pode intensificar o uso de recursos naturais, e há preocupação sobre sustentabilidade, “mas o risco de faltar água em larga escala para a população por conta da exportação ainda é considerado baixo”.
A opinião é compartilhada por Assad, que descarta essa possibilidade. “A soja brasileira é uma cultura de sequeiro e depende de chuva. Não é irrigada”, afirma.
Por sua vez, Ricardo Ojima, chefe do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), afirma que, em curto prazo, não deve haver grande impacto no consumo de água, uma vez que a produção do grão já estava comprometida e, de certa forma, deve haver uma mudança na cadeia logística para reacomodar essa nova demanda. Porém, em longo prazo e somado a demandas por carne, há possibilidade de crises hídricas.
“Mas no médio prazo, se forem mantidas essa política dos EUA, tende a haver uma pressão maior na demanda de produção. Diante da urgência, certo será que a tendência será de ampliar os impactos ambientais que já são grandes no ciclo de produção para exportação de grãos e carne no Brasil. Mas deve haver uma acomodação de interesses ao longo dos próximos anos. Se mantidas essas tarifas, deveremos ter também mudanças nos preços das commodities”, afirma.
Ele aponta que a mesma tendência será observada no consumo da chamada água virtual, conceito que abrange toda a água usada em processos de produção para exportação, principalmente de commodities, que supera o consumo de água para fins domésticos.
“No caso da água virtual, essas demandas seguirão a mesma lógica. Somada à emergência climática que se amplifica cada vez mais, o aumento do impacto pela demanda de produção [de soja], as crises hídricas devem ser ampliadas. Não apenas nos locais de produção, mas na cadeia como um todo porque é uma mudança.”
Aumento das exportações pode tornar os alimentos mais caros no Brasil?
Assad aponta que o aumento das exportações tem consequências para a mesa dos brasileiros. “Redução da oferta para o mercado interno”, aponta o professor.
Silva afirma que o aumento das exportações pode fazer com que produtores passem a priorizar o mercado externo, principalmente se os preços internacionais estiverem elevados, o que pode tornar a mesa dos brasileiros mais cara.
“Essa priorização pode resultar em alta nos preços internos de soja e derivados como óleo, farinha, ração animal e carnes. O efeito é indireto sobre outros alimentos, já que a elevação do preço da soja usada na alimentação de animais poderá encarecer carnes, leite e ovos. A redução da disponibilidade no mercado interno poderá agravar a inflação de alimentos, especialmente sobre os mais vulneráveis. Em especial, o Brasil experimentou essa situação no passado, por exemplo, em 2020/2021, quando exportações recordes de soja e milho contribuíram para o aumento nos preços dos alimentos, mesmo durante a pandemia”, conclui o analista.
Ojima avalia que, por outro lado, a tendência de queda populacional registrada em vários países, incluindo China e Brasil, “deve criar um impasse para o futuro da produção exponencial de grãos”.
“Vivemos um ‘antiboom’ populacional, pois a tendência é de estabilização e redução populacional em médio prazo, mas a curva de aumento da produção agrícola segue exponencial pelo avanço da tecnologia de produção e de aumento de áreas cultiváveis. Até quando haverá demanda para essa enorme produção se a população tende a reduzir em um futuro não muito distante?”, questiona o analista.
Fonte: sputniknewsbrasil
