Com o tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o Brasil já substituiu os EUA como principal exportador de soja para a China, maior alvo da guerra econômica declarada por Washington.
Segundo dados noticiados recentemente pela emissora estatal chinesa CCTV, em abril a China importou 700 mil toneladas do grão brasileiro, um aumento de 32% em relação ao mesmo período do ano anterior. Os números sugerem que, apesar da turbulência global, no recorte interno o momento é bom para o Brasil.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam se o governo pode aproveitar a alta demanda do agro, impulsionada pela guerra tarifária, para financiar o projeto de reindustrialização, atrair novos parceiros comerciais e implementar transferências de tecnologias.
Fernando Goulart, pesquisador do Núcleo de Estudos dos Países BRICS (NuBRICS), da Universidade Federal Fluminense (UFF), e doutorando em ciência política pela universidade, afirma que o plano de reindustrialização, também chamado neoindustrialização, tem como primeira missão exatamente fomentar as cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética, e que o Planalto pode orientar o agronegócio para financiar esse projeto.
O aumento da demanda do agronegócio brasileiro vai mexer com várias cadeias produtivas diferentes, diz Goulart, como a indústria de maquinário agrícola.
“Podemos nacionalizar muitas dessas máquinas. Tivemos no passado empresas brasileiras de máquinas agrícolas, mas hoje somos muito dependentes da importação. Poderíamos buscar parcerias para desenvolver essa indústria de máquinas“, explica.
Nesse contexto, ele acrescenta que também será necessário investir em logística para melhorar estradas e ferrovias, o que aumenta também a demanda por aço, fomentando a indústria do setor, além de impulsionar a construção civil.
O pesquisador destaca que entre os países do BRICS há grandes oportunidades de parcerias que envolvam transferência de tecnologia, principalmente com a China, Índia e Rússia.
A China já é o principal parceiro comercial do Brasil, principalmente nas máquinas agrícolas e ferrovias, mas a Índia também possui potencial nesses setores, além da biotecnologia e das vacinas. Já a Rússia é forte na tecnologia agrícola e poderia desenvolver uma parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
“Os países do BRICS são economias emergentes e com grandes populações. A gente pode ter ganhos mútuos explorando os nossos mercados. Hoje, se você somar os países BRICS, tranquilamente dá mais de 40% da população do planeta.”
Goulart afirma que a guerra comercial que os Estados Unidos está travando cria uma oportunidade para o Brasil substituir o lugar dos norte-americanos em mercados globais, especialmente se conseguir concluir a rota entre os portos do Sudeste e o Peru. “Seria maravilhoso.”
Dessa forma, ele afirma que, se o Brasil conseguir alavancar a reindustrialização com suporte do agronegócio, o país, que já é muito competitivo, ficará ainda mais e se tornará uma ameaça aos EUA, à Austrália — outro grande produtor agrícola global — e à Europa.
“De arrastão”, diz o pesquisador, o Brasil pode gerar um crescimento para o resto da América do Sul. “Se a gente melhorar a industrialização brasileira calcada na melhoria do nosso agronegócio, isso pode trazer por força gravitacional a melhoria da produção dos nossos vizinhos.”
Falando sobre esse ponto, Gilberto Braga, professor de economia do Ibmec Rio de Janeiro, afirma que o grande gargalo da questão do agronegócio no Brasil ainda é a questão do escoamento, principalmente em áreas de cultivo, que dificulta a chegada da produção até os corredores de exportação.
A questão da logística interna, diz Braga, deve ser o foco do momento, uma vez que é difícil identificar exatamente quais mercados o Brasil poderia explorar. “Isso depende muito da evolução das tarifas e dos acordos. Se a gente for parar para pensar, nós não temos dez dias sem que exista uma medida, seja de nova taxação ou de retrocesso.”
“O xadrez da guerra tarifária ainda tem as peças se movendo, todas ao mesmo tempo”.
Porém ele frisa que o Brasil tem capacidade para se tornar um grande entreposto da produção chinesa. “O que a gente sabe é que a China hoje tem buscado parceiros locais, e a partir do momento que o Brasil tem uma taxação menor que a China, ele se torna um parceiro de ocasião.”
Ele acrescenta que as trocas internacionais, historicamente, sempre foram feitas com cada um aproveitando aquilo que tem de melhor, e enfatiza que “para os países ricos é mais interessante que os países pobres sejam meros fornecedores de produtos menos elaborados”.
Entretanto, a produção de alimentos do Brasil mudou essa tradição. No passado, nossa produção era feita de uma maneira “quase artesanal”. “Hoje nós temos um agro industrializado, tecnológico, com grande produtividade, com bastante riqueza.”
“É preciso saber fazer essas parcerias e essas trocas e não ser apenas um fornecedor de produtos alimentares”, conclui o analista.
Fonte: sputniknewsbrasil