A VII Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) que aconteceu nesta semana na Argentina foi marcada pelo retorno do Brasil ao bloco após a posse presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva.
O encontro revelou o interesse do presidente brasileiro e de seu homólogo e amigo, Alberto Fernández, de aprofundar o histórico vínculo comercial que une Brasília e Buenos Aires e fortalecer a união das lideranças de países sul-americanos.
© Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert / CC BY 2.0Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e diversos chefes de Estado da América do Sul posam para foto juntos durante a CELAC, 23 de janeiro de 2023
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e diversos chefes de Estado da América do Sul posam para foto juntos durante a CELAC, 23 de janeiro de 2023
© Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert / CC BY 2.0
Como comentou à Sputnik o embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, o objetivo é consolidar a CELAC e relançar a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). Entretanto, no que diz respeito aos acordos firmados na CELAC, três anúncios centrais para o desenvolvimento da relação bilateral Brasil-Argentina foram abordados durante o evento:
O projeto de estabelecer uma moeda comum
O financiamento brasileiro para a construção da segunda etapa do gasoduto argentino Néstor Kirchner – cujo objetivo é aumentar a vazão de gás do campo de Vaca Muerta para exportação ao Brasil;
Financiamento à importação, que consiste na ampliação de uma linha de crédito do Banco da Nação Argentina que beneficia as empresas do país fornecendo-lhes os dólares necessários para importar do país vizinho;
Em relação à última medida, o prazo de pagamento da moeda da Argentina é antecipado para 366 dias, graças ao financiamento em reais oferecido pelo Banco do Brasil.
Mas será que essas medidas na prática serão benéficas? Sobre o gasoduto argentino, para engenheira, pesquisadora e consultora de energia, Cecilia Graschinsky, entrevistada pela Sputnik, “o financiamento do Brasil para a construção do gasoduto é o mais importante, porque hoje a Argentina não tem dólares para realizar a segunda etapa”.
“O potencial de Vaca Muerta é muito alto. Sabemos que o principal obstáculo que dificulta a extração de todo o gás potencialmente extraível é a limitada capacidade de transporte, e o anúncio visa esse ponto central”, afirmou Graschinsky.
A especialista refere-se à ampliação da obra que agora busca conectar a jazida Vaca Muerta com a província de Buenos Aires.
Se a segunda fase do gasoduto for concluída, a construção de mais 467 quilômetros chegaria à província de Santa Fé, e possibilitaria o abastecimento de grandes eixos urbanos e indústrias do centro e norte do país, bem como a oportunidade de exportar os excedentes para o Chile e Brasil. Para esta instância, o Brasil está disposto a financiar com US$ 689 milhões (R$ 3,4 bilhões).
© AFP 2023 / Emiliano LasalviaVista aérea de uma usina de gás perto de uma área rural em Allen, província de Rio Negro, Argentina, na formação Vaca Muerta. Vaca Muerta é um enorme depósito não convencional de petróleo e gás aninhado em uma formação geológica na Argentina
Vista aérea de uma usina de gás perto de uma área rural em Allen, província de Rio Negro, Argentina, na formação Vaca Muerta. Vaca Muerta é um enorme depósito não convencional de petróleo e gás aninhado em uma formação geológica na Argentina
© AFP 2023 / Emiliano Lasalvia
A conclusão de Cecilia Graschinsky é compartilhada entre outros analistas.
Segundo o economista e diretor do Centro de Economia Política (CEPA), Hernán Letcher, a construção “no futuro renderá muito mais dólares do que custa fazê-la. Mas a verdade é que hoje se precisa de moeda estrangeira, e o fato de ser financiado pelo Brasil resolve um capítulo central para nós: não afeta as reservas do Banco Central. É absolutamente transcendental para a economia argentina”, sublinhou Letcher.
“O efeito central seria na questão cambial. Se a primeira etapa da obra for concluída em junho deste ano, a Argentina economizaria US$ 3 bilhões (R$ 15,2 bilhões), dependendo do valor da energia, porque esse trecho seria suficiente para abastecer o mercado interno de consumo de gás”, diz o diretor.
O impacto que a conclusão do gasoduto geraria para traduzir a exploração de Vaca Muerta em exportações — a segunda maior reserva de gás e a quarta maior reserva de petróleo do mundo — é crucial para a macroeconomia argentina, que vive uma situação premente ligada à escassez de divisas.
“Além da quantidade de divisas, em Vaca Muerta há reservas para abastecer a Argentina por 130 anos: há muitos dólares disponíveis que potencialmente poderiam entrar, e essa é a chave da economia. Depende de onde o gás pode ser colocado e a que preço. Se houver outro conflito como o da Rússia e Ucrânia, a quantidade de divisas estrangeiras seria francamente substancial”, acrescenta.
Outro dos eixos centrais do acordo reside no estabelecimento de uma moeda comum para as trocas comerciais entre Brasil e Argentina. Como destacou o chanceler hondurenho, Eduardo Reina García, com exclusividade para a Sputnik, a proposta busca reduzir a dependência de moedas estrangeiras como o euro ou o dólar.
© Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert / CC BY 2.0Presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa durante a cúpula da CELAC, 23 de janeiro de 2023
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa durante a cúpula da CELAC, 23 de janeiro de 2023
© Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert / CC BY 2.0
No entanto, Letcher destaca que o caso não seguiria o exemplo da moeda da União Europeia: “Vejo essa possibilidade bem longe. Além disso, o euro funcionou bem para Alemanha e França, mas mal para a Grécia: não vai ser que qualquer acordo nesse sentido acabe fazendo os países pagarem o custo”, pondera.
Entretanto, o especialista diz que independentemente do formato da moeda de convergência, a vontade de aprofundar o intercâmbio bilateral é incontornável.
“O objetivo é recuperar a relação comercial entre Argentina e Brasil, que chegou a atingir um volume de US$ 40 bilhões (R$ 202 bilhões), enquanto hoje está em US$ 28 milhões [R$ 142 milhões]”, alerta o economista, acrescentando que a “Argentina é o país mais demandado em termos de divisas. Para o Brasil pode ser menos significativo, embora possa ter como prioridade a recuperação da relação comercial, visto que já foi a 6ª maior economia do mundo e hoje é a 13ª”, conclui Letcher.
Além de questões econômicas, o setor da Defesa também foi conversado entre os dois países durante a CELAC.
© AFP 2023 / Vanderlei AlmeidaVeículo blindado de combate sobre rodas VBTP-MR Guarani (imagem de arquivo)
Veículo blindado de combate sobre rodas VBTP-MR Guarani (imagem de arquivo)
© AFP 2023 / Vanderlei Almeida
Mauro Vieira e Jorge Taiana, ministros das Relações Exteriores do Brasil e da Defesa da Argentina, respectivamente, assinaram uma carta de intenções para a aquisição por Buenos Aires de 156 veículos blindados de combate sobre rodas (VCBR) Guarani 6×6, de produção brasileira.
A compra dos veículos blindados brasileiros “melhorará a interoperabilidade entre os exércitos da Argentina e do Brasil, já que eles operarão com o mesmo veículo em ambos os lados da fronteira”, escreveu na segunda-feira (23) o portal argentino Zona Militar.
Fonte: sputniknewsbrasil