Alinhamento das Forças Armadas aos EUA é ‘trava estruturante’ à diplomacia brasileira, diz analista


Nesta terça-feira (4), o governo brasileiro confirmou que o presidente Lula não comparecerá à conferência sobre a Ucrânia, a ser celebrada na Suíça, em função da ausência da Rússia no evento. O Brasil pode ser representado pela embaixadora do Brasil na Suíça, Cláudia Fonseca Buzzi.
Anteriormente, Lula havia declarado seu apoio à celebração de conferência de paz para solucionar o conflito ucraniano, mas insistiu na participação de ambas as partes do conflito.
“Uma desescalada seria um passo necessário para que as partes possam retomar o diálogo direto. Apoiamos a realização de uma conferência internacional que seja reconhecida tanto pela Ucrânia, como pela Rússia”, disse Lula durante declaração à imprensa ao lado do presidente croata Zoran Milanovic.
Em declaração exclusiva à Sputnik Brasil, o assessor presidencial Celso Amorim reiterou que “a negociação é indispensável e os princípios da Carta da ONU têm que ser levados em conta no seu conjunto, como tem ocorrido em outras situações, incluindo a questão das autodeterminações dos povos”.
© Foto / Fabio Rodrigues-Pozzebom / Agência BrasilLula recebe o presidente da Croácia, Zoran Milanovic, em Brasília (DF). Brasil, 3 de junho de 2024

Lula recebe o presidente da Croácia, Zoran Milanovic, em Brasília (DF). Brasil, 3 de junho de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 06.06.2024

Lula recebe o presidente da Croácia, Zoran Milanovic, em Brasília (DF). Brasil, 3 de junho de 2024
“O que nós [Brasil] achamos é que, independentemente dos méritos de ambos os lados, que têm que ser levados em conta, mas não são os únicos fatores, a paz só será encontrada pelo diálogo”, disse Amorim. “E o diálogo envolve, necessariamente, as duas partes.”
A posição brasileira sobre o conflito ucraniano se insere em uma estratégia mais ampla de mediação de conflitos internacionais de larga escala, explicou a doutoranda em ciências militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), Débora Bedim Loures.

“Existe uma estratégia comum na posição brasileira no processo de mediação. Geralmente o país busca a defesa do diálogo e da negociação em que as partes envolvidas no conflito estejam presentes para negociar a paz”, disse Loures à Sputnik Brasil.

O governo Lula mantém a mesma postura em relação ao conflito entre Israel e Palestina na Faixa de Gaza e no trato do contencioso territorial entre Venezuela e Guiana na região de Essequibo.
© AFP 2023 / Mauro PimentelMinistro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, durante reunião do G20 no Rio de Janeiro, em 22 de fevereiro de 2024

Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, durante reunião do G20 no Rio de Janeiro, em 22 de fevereiro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 06.06.2024

Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, durante reunião do G20 no Rio de Janeiro, em 22 de fevereiro de 2024
“O Brasil busca a solução de controvérsias em fóruns multilaterais”, explicou Loures. “E no caso de Israel e Palestina, o país defendeu o cessar-fogo e que os diálogos fossem realizados no ambiente das Nações Unidas, principalmente pelo conflito ter coincidido com a presidência brasileira no Conselho de Segurança da ONU.”
Já no caso de Essequibo, o Brasil preferiu abordar o tema em fóruns como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e com a Comunidade do Caribe (Caricom). Além disso, “logo no início do conflito, Lula realizou ligações e enviou Mauro Vieira e Celso Amorim para agilizar os diálogos com os presidentes e outras autoridades venezuelanas e guianesas”.
© AFP 2023 / Randy BrooksPresidente Lula e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, durante encontro da CELAC, em São Vicente e Granadinas, em 1º de março de 2024

Presidente Lula e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, durante encontro da CELAC, em São Vicente e Granadinas, em 1º de março de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 06.06.2024

Presidente Lula e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, durante encontro da CELAC, em São Vicente e Granadinas, em 1º de março de 2024
“Faz parte da estratégia nacional alcançar o prestígio internacional através da diplomacia e dos bons ofícios do presidente”, considerou Loures. “Não surpreende que a diplomacia brasileira volte a se engajar internacionalmente na tentativa de mediar os conflitos que assolam a comunidade internacional, especialmente depois de um período em que o país se mostrou isolado em suas relações internacionais.”
O professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni, lembra que o Brasil não tem alguns atributos de poder fundamentais para poder mediar com sucesso conflitos internacionais. Por isso, deve preferir agir de forma conjunta com outros países do BRICS.

“A possibilidade de o Brasil se colocar como mediador é possível, mas não é factível. O Brasil não é um país com capacidade militar, e em Relações Internacionais não basta a intenção – é necessário se impor como um país com soberania econômica interna e autonomia militar, o que não temos”, disse Maringoni à Sputnik Brasil. “Nesse contexto, o ideal é coordenar esforços com parceiros como China e Índia.”

E foi exatamente isso o que o Brasil fez em relação à questão ucraniana: no final de maio, o assessor especial da presidência da República para assuntos internacionais, Celso Amorim, e o chanceler chinês, Wang Yi, publicaram comunicado com entendimentos comuns sobre o conflito, que apontam para caminhos rumo à sua solução.

Diplomacia declaratória

Apesar do engajamento do presidente e do Itamaraty, contingências da política interna impedem que o governo Lula 3 seja mais atuante em sua política externa, acreditam os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil. A polarização política é uma realidade não só na política interna, mas também na internacional, o que dificulta a manutenção da neutralidade em relação a grandes conflitos.

“Percebe-se a limitação da ação [externa do governo Lula 3], muito provocada pelo cenário internacional e pela necessidade de posicionamento dos países perante estes conflitos”, considerou Loures. “Esse novo contexto de polarização, faz com que o Brasil tenha que assumir uma posição no cenário global que traga o maior apoio doméstico possível.”

Para Maringoni, a política externa de Lula é freada tanto pela oposição no Congresso Nacional, quanto pela falta de coordenação com as Força Armadas do Brasil.
“É impossível ter uma política externa efetiva e ousada, mas descasada da sua política de defesa. Não poderíamos ter uma política de defesa conduzida pelas Forças Armadas que rema em posição contrária à política externa”, disse o professor de Relações Internacionais da UFABC à Sputnik Brasil.
A proximidade dos militares brasileiros com os EUA impõe limites à ação externa do país, uma vez que impede posições mais firmes contra aliados de Washington, como Israel. Dessa forma, a possibilidade de o Brasil influenciar a resolução do conflito na Palestina fica debilitada.
© Foto / Vincent LevelevEquipe de Combate da 3ª Brigada e paraquedistas da 82ª Divisão Aerotransportada dos EUA e soldados brasileiros planejam estratégia operacional durante exercícios conjuntos em Fort Polk, EUA, 6 de fevereiro de 2021

Equipe de Combate da 3ª Brigada e paraquedistas da 82ª Divisão Aerotransportada dos EUA e soldados brasileiros planejam estratégia operacional durante exercícios conjuntos em Fort Polk, EUA, 6 de fevereiro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 06.06.2024

Equipe de Combate da 3ª Brigada e paraquedistas da 82ª Divisão Aerotransportada dos EUA e soldados brasileiros planejam estratégia operacional durante exercícios conjuntos em Fort Polk, EUA, 6 de fevereiro de 2021
“Ter nossas Forças Armadas tão ligadas à potência dominante, insistir na compra de armamentos da potência dominante e seus aliados, não te permite que alcancemos autonomia na nossa política externa”, explicou Maringoni. “Isso é uma trava estruturante na política externa brasileira.”
A falta de independência econômica também limita a ação externa brasileira, já que não permite que o país se indisponha com países fornecedores de materiais indispensáveis à sua indústria. No caso de Israel, há flagrante dependência brasileira na compra de componentes eletrônicos para aviões como os caças Gripen, o KC-390 e os Super Tucanos, disse o professor da UFABC.
“Na nossa política externa, a distância entre intenção e gesto, entre palavra e ação, está muito grande. E se tornou uma diplomacia declaratória”, disse Maringoni. “O Brasil faz declarações em relação a Israel, mas sem consequência prática. Faz declarações contra o Estado mínimo no plano internacional, mas aplica um programa neoliberal na economia doméstica. É uma diplomacia centrada nas palavras.”
Entre os dias 15 e 16 de junho, conferência sobre a Ucrânia patrocinada pelo Ocidente será realizada na cidade suíça de Lucerna. A ausência da Rússia na mesa de negociações, no entanto, é considerada controversa. A China declarou que não comparecerá ao encontro ainda no mês de maio. O Brasil não enviará nem o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, nem o assessor presidencial Celso Amorim, preferindo a representação a nível de embaixador local. Os EUA, por sua vez, serão representados pela vice-presidente Kamala Harris, informou a Casa Branca nesta segunda-feira (3).
Logo da emissora Sputnik - Sputnik Brasil
Acompanhe as notícias que a grande mídia não mostra!

Siga a Sputnik Brasil e tenha acesso a conteúdos exclusivos no nosso canal no Telegram.

Já que a Sputnik está bloqueada em alguns países, por aqui você consegue baixar o nosso aplicativo para celular (somente para Android).

Também estamos nas redes sociais X (Twitter) e TikTok.

Fonte: sputniknewsbrasil

Anteriores Israel nomeia terroristas mortos durante ataque contra escola da ONU em Gaza e diz que mídia ‘apaixonou-se pelas táticas do Hamas’
Próxima Ucrânia ataca pela 1ª vez território russo com armas do Ocidente