Um fotógrafo entusiasta ou um entusiasta fotógrafo? As duas definições servem muito bem a Fabio Aro, 38 anos, que trabalha como freelancer para Autoesporte desde os 23. Representante da “nova escola” de fotografia automotiva, que aplica técnicas modernas de iluminação e vários recursos avançados, inclusive de pós-produção, ele foi o responsável por dar vida, formas e cores a inúmeros testes, comparativos e reportagens da revista, conferindo às páginas da publicação um visual tão empolgante e arrojado quanto o dos próprios carros retratados.
No lado entusiasta ele coleciona alguns feitos, como andar no mítico traçado de Nürburgring, na Alemanha, além de ter na garagem alguns carros, digamos, singulares, como um Pontiac Trans Am 1974 laranja (que ele insiste em dizer que é vermelho) e um Suzuki Swift Sport 2014 amarelo tom “Mercado Livre”.
Nesta entrevista, que compõe a série especial que retrata alguns dos personagens que passaram pelos 60 anos de AE, ele conta um pouco sobre o início de sua carreira e os bastidores de várias produções fotográficas da revista. A seguir, confira os melhores trechos dessa conversa.
Eu sempre digo, mesmo em tom de brincadeira, que a minha paixão nunca foi a fotografia, mas sim os carros. A fotografia foi uma forma de trabalhar com carros. Inicialmente eu queria ser designer automotivo, esse era o meu sonho de moleque. Quase cursei desenho industrial, mas no fim estudei publicidade, pois sempre gostei de tudo que estivesse, de alguma maneira, relacionado a imagens. O fato é que sempre estive muito envolvido com o meio automotivo, ia a todos os encontros, e então comecei a pegar a câmera e fotografar os eventos, depois os carros dos amigos…
Ainda era uma coisa despretensiosa, mas que já representava o início de um objetivo, de um dia trabalhar com isso, de fazer isso profissionalmente. Nessa etapa eu pesquisava muito, principalmente nas revistas de fora, para comparar o que faziam no exterior com o que então era feito aqui. E comecei a me desenvolver nesse sentido, procurando descobrir e aprimorar algumas técnicas específicas para fotografia de carros que envolviam iluminação e outros equipamentos, coisas que ainda não eram muito difundidas por aqui.
Ah, sim, inclusive fiz um monte de besteiras, comprei uns equipamentos que nem tinha como usar na prática, joguei um monte de dinheiro fora. Inclusive dinheiro que eu nem tinha, pois ganhava mal [risos]. Foi na raça mesmo, ainda que tenha feito alguns cursos específicos. Com o tempo, consegui chegar mais perto do meu objetivo, que era fazer um trabalho de foto automotiva diferenciado em relação ao que era feito na época, lá por meados dos anos 2000.
Em 2006 consegui meu primeiro trabalho, que era fotografar para um site chamado Carros de Rua, que falava sobre carros modificados. Foi curioso, porque aí as coisas começaram a acontecer até de forma meio rápida. Algum tempo depois conheci uma revista chamada Driver, que me impressionou muito pela qualidade visual e gráfica. Falei com eles e comecei a fotografar para essa revista também. Foi por pouco tempo, mas foi bem intenso. Fotografei uns carros absurdos, como alguns Pagani Zonda, coisas desse tipo.
Aí eu já trabalhava muito na pós-produção das imagens; e usava algumas técnicas mais elaboradas, como iluminar o carro por partes e depois agrupar as imagens, utilizar equipamentos para mostrar o carro em movimento etc. É uma produção bem minuciosa, não é muito aquela coisa de “câmera na mão”, é um processo até lento, sem tantas variações de pose, que pode até exigir roteiro prévio.
Sim. É um inferno [risos]. Hoje em dia até acho que consegui criar um processo relativamente ágil, mas dentro desse panorama. Realmente é demorado.
O meu objetivo era realmente fotografar para revistas grandes, as mais conhecidas, renomadas. Mas estava um pouco difícil entrar nesse mercado — que, afinal, é pequeno. Eu não conseguia contatos bons… Analisando hoje, acho que havia também uma certa questão envolvendo idade, pois todos os fotógrafos dessas publicações tinham na faixa de 40 anos e eu estava com pouco mais da metade disso. Claro que é um trabalho de extrema responsabilidade, dá para entender.
Mas, de toda forma, decidi arriscar e mandei um e-mail para os editores-chefes das grandes revistas, mesmo sem conhecê-los, apresentando meu trabalho e pedindo uma oportunidade. Era uma tentativa. E aí houve uma mistura de sorte com tempo certo: o Marcus [Vinícius Gasquez, então diretor de redação de Autoesporte] encaminhou minha mensagem para o editor de arte, que me ligou umas duas horas depois perguntando se eu poderia ir lá conversar com eles, naquele mesmo dia.
Pois é. O que aconteceu é que até então o fotógrafo de Autoesporte era fixo, contratado, e a revista estava mudando para um esquema de freelancers, mais variado. E justamente nesse dia em que mandei o e-mail o fotógrafo avisou que não poderia fazer um trabalho no dia seguinte de manhã, então calhou de dar muito certo para mim, no tempo exato.
Foi em 2009.
Um Ford Fusion V6 AWD. Era o lançamento do facelift, e as imagens seriam feitas no autódromo da Fazenda Capuava, em Indaiatuba. Levei um equipamento chamado Rig, que na época nem tinha para vender, eu havia desenvolvido um em parceria com um engenheiro. Basicamente é um tubo enorme, de até sete metros, que você prende no carro usando ventosas e a câmera fica na outra extremidade.
Com ele se consegue um efeito muito bacana de velocidade nas fotos, sem que o carro em si precise andar rápido; às vezes dá até para fazer só empurrando e trabalhando com uma exposição lenta na câmera. Mas nas fotos parece que o carro está a 200 km/h. Ficou bem bacana, chamou a atenção, o pessoal da revista gostou, tanto da arte como da redação. Então, a partir daí comecei a trabalhar para Autoesporte.
São vários, mas um em especial me marcou muito: foi uma matéria que apresentava dois lançamentos, o Audi S7 e o Chevrolet Camaro. Eu sugeri fazer uma coisa meio maluca, que era usar uma técnica chamada light painting, mas com fogo em vez de luz. O pessoal achou meio arriscado, tinha chance de não dar certo, porque nunca ninguém havia tentado algo parecido. Mas, mesmo assim, toparam.
Fizemos à noite, em um galpão que havia dentro da Editora Globo no bairro do Jaguaré, em São Paulo. Tivemos até que chamar um bombeiro para acompanhar e deixar extintores a postos, pois eu usei uma corda embebida em gasolina que era içada no tripé, pegando fogo. Foi um trabalho insano. Levamos umas oito horas para fazer somente dez fotos, começamos por volta de oito da noite e fomos até quatro da manhã. Ficou incrível.
Um [trabalho] que também gostei bastante, esse mais por uma questão conceitual do que técnica, foi com a Volkswagen Amarok. Era uma picape branca a diesel, para ser fotografada durante o dia, com prazo apertado… não tinha muito apelo.
Mas foi bem na época do Dieselgate, e aí tive uma ideia de comprar umas bombas e fazer as fotos da Amarok “sob ataque”, uma coisa meio inspirada no filme O Resgate do Soldado Ryan, até um pouco lúdica. Me chamaram de louco, mas, de novo, toparam. Arrumamos uns morteiros e fizemos as fotos no terreno de uma construção, com bastante movimento, mostrando a picape desviando do “bombardeio”. Foi divertido! Demos muita risada e as fotos ficaram ótimas.
Várias vezes [risos]. A gente trabalha com a adversidade. Acho que a pior situação foi no lançamento de uma nova geração da Ford Ranger. Íamos fazer as fotos em um grande terreno no interior de São Paulo, que havia sido terraplenado recentemente, mas choveu muito nas noites anteriores. Saímos para dar uma olhada na área e, de repente, a picape afundou com tudo na terra, que estava muito fofa.
Já foi difícil até abrir a porta. Desci e foi minha vez de afundar, quase até o joelho, e meu tênis ficou lá no fundo, encharcado. Isso era por volta de sete horas da manhã. A picape não saía de lá de jeito nenhum. Conseguimos arrumar um trator para puxá-la. E o trator também atolou. Então tivemos que chamar uma retroescavadeira, que puxou o trator, que puxou a Ranger. Foi difícil e corrido, mas conseguimos fazer as fotos perto do fim da tarde. Deu tudo certo.
As fotos para capa são sempre as mais trabalhosas, especialmente quando há muitos carros envolvidos, como naquelas matérias de comparativos grandes. Na edição Qual Comprar 2015, por exemplo, eram 14 carros. Primeiro fotografei todos de cima, usando uma plataforma dessas de caminhão de companhia elétrica que balançava muito.
Depois fotografei um por um e ainda erguemos todos os carros no macaco, também um por um, para fotografar a roda girando e conseguir um efeito como se os carros estivessem andando. Dava para fazer isso no Photoshop? Até dava, mas aí a pinça de freio também gira, não fica bom. É um certo preciosismo, porque dificilmente alguém vai reparar. Mas eu vou…
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Fonte: direitonews