AE 60 anos: Glauco Lucena é o mestre-sala de nova era na revista


Com mais de uma década de trabalho na Autoesporte, de 2002 a 2013, inicialmente como editor e depois promovido a redator-chefe, o jornalista, vocalista de banda de rock e palmeirense fanático Glauco Lucena vivenciou diretamente o processo de transformação da marca após sua aquisição pela Editora Globo, em 1998.

A carreira inteira de Lucena está ligada à comunicação no setor automotivo: começou como repórter no Jornal do Carro (do Jornal da Tarde, do Grupo O Estado de S. Paulo) e foi editor do site Carsale. Chegou a Autoesporte exatamente para encarar o desafio de fortalecer a publicação e prepará-la para os novos tempos. Depois, foi para o chamado “outro lado do balcão”: trabalhou na assessoria de imprensa da FCA (atual Stellantis) e, hoje, é gerente de comunicação da Anfavea, a associação que reúne as montadoras no Brasil.

Nesta entrevista exclusiva, Lucena recorda com orgulho sua passagem por Autoesporte e ressalta alguns furos jornalísticos memoráveis, como a revelação do Ford EcoSport e do Volkswagen Fox.

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Glauco Lucena – No início dos anos 2000 o mercado editorial estava bem agitado. Autoesporte havia sido comprada pela Editora Globo, em 1998, e algum tempo se passou até que acontecesse uma reformulação, inclusive na equipe. Aí muita gente boa acabou saindo da revista nesse meio-tempo, porque nasceram os portais da internet, que contratavam jornalistas automotivos a peso de ouro. Na época, o chefão da Editora Globo era Juan Ocerin, um espanhol que originalmente tinha vindo ao Brasil para cuidar da separação da Autolatina. Ele conhecia bem a indústria automotiva e gostava de carro. Partiu dele a iniciativa de dar uma injeção de ânimo na revista, que era então apenas a quarta colocada em vendas dentro do segmento automotivo. Ele assumiu pessoalmente uma missão do tipo “ou salva ou fecha”.

GL – Eu comecei no Jornal do Carro, do Jornal da Tarde, mas também acabei migrando para a internet. Tornei-me editor de um site chamado Carsale, que era metade do UOL e metade do Pacifico Paoli, ex-superintendente da Fiat. Fiquei dois anos lá. Acontece que o Juan Ocerin era fã do Carsale. Eu sempre gostei de segredos, trabalhava muito nisso. Sempre que o Carsale publicava uma matéria de segredo, o Juan imprimia e levava para o Marcus Vinicius Gasques, que era o diretor de redação de Autoesporte, dizendo que era disso que a revista precisava, que essas matérias davam audiência e repercussão, coisas desse tipo. Eu e o Gasques já nos conhecíamos da época do Jornal do Carro, tínhamos um bom relacionamento, e ele acabou me convidando para trabalhar na revista.

GL – Exatamente. E conseguimos revelar em primeira mão dois segredos mundiais, o Ford EcoSport e o Volkswagen Fox. Absolutamente todo mundo estava atrás desses dois carros, que eram os maiores segredos de então, guardados a sete chaves.

GL – No caso do EcoSport, que até então chamávamos de Amazon, o nome do projeto, eu consegui a informação de que o carro estava rodando em testes no Campo de Provas da Ford em Tatuí, no interior de São Paulo. Mas o único jeito de fotografá-lo era de helicóptero, o que custava uma fortuna. Falamos com a direção da Editora Globo e eles toparam, mas era um risco, poderia ser que não desse em nada. Chamamos o Oswaldo Palermo, fotógrafo com experiência nesse tipo de matéria, e deu certo, conseguimos pegar o carro. A repercussão foi gigantesca, também porque fizeram uma propaganda mostrando a capa da revista no intervalo do Jornal Nacional. O resultado foi que a venda da edição daquele mês, agosto de 2002, chegou a quase o triplo do normal. Os diretores da Editora Globo adoraram e falaram: é isso aí, queremos mais.

GL – Antes conseguimos também pegar o Polo Sedan, que eu soube que estava rodando em testes na fábrica de motores da Volkswagen, em Taubaté (SP). Fizemos outra vez o esquema do helicóptero e conseguimos de novo. Aí as vendas triplicaram de vez. O Fox, que também chamávamos até aquele momento de Tupi, apelido do projeto, foi o que deu mais trabalho. O pessoal da Volkswagen sabia que estávamos atrás do carro, não só nós como a imprensa automotiva inteira, e tentava nos desestimular dizendo “nem adianta procurar que vocês não vão achar”. Foram dois meses caçando o carro, o fotógrafo e o auxiliar de testes rodaram 10 mil quilômetros atrás dele, várias tentativas foram frustradas. No fim, conseguimos encontrá-lo no interior de Minas Gerais. Sinceramente, a projeção publicada não ficou muito boa, porque o segredo era tão grande que ficamos com medo de contratar alguém de fora para fazer o desenho e a informação vazar para alguma revista concorrente. Pouquíssimas pessoas sabiam que tínhamos conseguido as fotos do carro camuflado — e tinha que ser assim —, então acabamos usando alguém da arte da Editora Globo para fazer a projeção. As ferramentas de edição de imagem não eram tão desenvolvidas como hoje, mas o furo em si, o fato de conseguirmos pegar o carro, que era o mais importante, estava lá.

GL – Sim, pode-se dizer que a revista não só tirou o pescoço para fora do buraco como ganhou respeito. Passamos a trabalhar em uma nova configuração editorial. Usávamos muito referências de revistas europeias; e algumas editorias, como as de automobilismo e turismo, perderam espaço, enquanto outras, como Qual Comprar e Área Restrita, nasceram. Fizemos também grandes entrevistas com executivos da indústria automobilística. Uma das principais foi com Carlos Ghosn, o brasileiro que era presidente da Nissan no Japão. Autoesporte passou a ter um estilo mais “quente”, ficou menos dirigida a entusiastas e mais a temas de mercado, ganhou uma pegada sem tanto “tecniquês”. Investimos muito no editorial: queríamos melhorar os textos, fazer coisas diferentes, mais inspiradas, e fotos com maior plástica. O resultado foi que as vendas, tanto em banca quanto assinaturas, explodiram, chegando a níveis de praticamente cinco vezes mais do que no início dos anos 2000. Com esses números, iniciamos mais um ciclo de crescimento que nos ajudou ainda mais a aumentar e a rejuvenescer a equipe, investindo também no site e nas redes sociais de Autoesporte, o que ainda era algo pouco explorado.

GL – Montamos uma equipe específica para trabalhar no site e o material produzido era independente da revista. Era uma linguagem diferente, mais descolada. Usamos muito a nosso favor a época de pico do Facebook, que nos ajudou muito, trazendo fluxo para o site. Na parede da redação tínhamos até um “hodômetro” de quantos seguidores tínhamos, que foi crescendo: 100 mil, 200 mil… Quando chegamos a 1 milhão, teve festa com bolo, champanhe e tudo. O engajamento era absurdo na época, foi uma fase em que Autoesporte ficou muito popular. Chegou um momento em que todo mundo da imprensa automotiva queria trabalhar lá.

GL – Algumas matérias que escrevi me marcaram mais do que os carros em si. Uma delas foi quando o Q3 chegou ao Brasil: a Audi estava em baixa na época, tinha saído do Salão do Automóvel, seus preços haviam subido absurdamente e as vendas caíram muito. A situação estava ruim. Fiz a matéria como se fosse o próprio carro escrevendo, em primeira pessoa, procurando seus irmãos mais velhos Q5 e Q7 pelos bairros nobres de São Paulo. Muita gente que nem era leitor regular de Autoesporte elogiou essa reportagem. Outra legal foi a do Chrysler Town & Country. Na época, meu filho tinha 6 anos, e ele explorou o carro em detalhes, porque era grande, tinha TV e mais um monte de coisas que chamaram a atenção dele. Afinal, era um modelo com proposta essencialmente familiar. Aí acabei fazendo o texto descrevendo o carro sob a ótica dele, uma criança, com ele assinando a matéria. Também teve a que contei como era dirigir um Mercedes-AMG GT R, com um V8 biturbo de 585 cv, pintado de verdão Green Hell Magno pelas ruas de São Paulo. Nunca chamei tanta atenção na vida…

GL – É isso. Era uma pegada mais leve, bem–humorada, que deixava as matérias mais interessantes e criativas. Funcionava muito bem, particularmente nos casos em que o carro tinha pouco apelo ou leves atualizações de ano/modelo, sem muita novidade. Uma coisa que eu também fazia era criar personagens para falar dos carros, trabalhando o texto como se fosse uma conversa. Teve o vizinho curioso, o barbeiro palpiteiro, o guarda questionador etc. Eles, inclusive, apareceram em várias edições. Nessa linha, nós ainda criamos a seção Testemunha Ocular, na qual um repórter vivia na pele situações que estavam ligadas, de alguma forma, a carros. O pessoal pulou de car bungee, que era um bungee-jump de carro, trabalhou um dia em uma linha de montagem… esse tipo de coisa. Isso eu trouxe ainda da época do Jornal do Carro, onde também fazíamos matérias como essas. Em uma delas, eu até passei um dia como frentista. Só que apareceu para abastecer um antigo colega da faculdade, que não sabia de nada e não me via há algum tempo. Imagine o susto dele quando me viu trabalhando no posto de gasolina…

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Fonte: direitonews

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