AE 60 anos: Gilberto Dionísio teve emprego dos sonhos como piloto de testes


É um rosto visto por milhares de pessoas, mas ninguém sabe quem ele é (ou não sabia até agora). Assim pode ser definido o jornalista Gilberto Dionísio, mais conhecido como Giba. Ele trabalhou na Autoesporte por quase 25 anos, entre 1977 e 2001.

No período, estampou centenas de páginas da revista ao volante dos carros testados, principalmente nos anos 1980 e 1990, mesmo sem escrever uma linha sobre eles. A princípio, seu trabalho deveria ser em uma sala fechada.

Na prática, tudo foi muito diferente (e bem mais empolgante). Giba contou como eram os testes de Autoesporte antigamente, com muitos detalhes surpreendentes e várias passagens divertidas. Aperte o cinto, pois agora você vai andar de carona tendo o misterioso barbudo de óculos redondos ao volante…

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Gilberto Dionísio: Sempre fui fanático por automobilismo. Nos anos 1970 eu ia muito, mas muito mesmo, a Interlagos. Não morava perto do autódromo nem tinha carro, então ia de ônibus mesmo, saindo do Centro de São Paulo. Demorava umas duas horas para chegar. Não tinha dinheiro, então dava um jeito para entrar. Geralmente pulava o muro, mas teve vez também que subi em uma árvore… Naquele tempo a vigilância no autódromo era bem mais frouxa, era diferente do que é hoje. Assistia qualquer corrida, de qualquer categoria. Vi de perto a única vitória do José Carlos Pace na Fórmula 1, no GP Brasil de 1975, dobradinha com o Emerson Fittipaldi. Isso foi ainda no traçado antigo de Interlagos. Eu assistia também a muitas provas de moto. Corriam o Jacaré, o Adu Celso, o Tucano…

GD: Ah, sim. Como bom fanático, eu assistia a todos os programas que passavam na TV sobre automobilismo, principalmente o Alta Velocidade, da TV Gazeta, e o Grand Prix, da TV Tupi. Um dia, em Interlagos, vi passar o Fernando Calmon, que apresentava o Grand Prix, fui falar com ele e pedi para assistir à gravação do programa lá na sede da TV Tupi, que ficava no bairro do Sumaré. Mas, muito ingênuo, fui no dia e horário em que o programa passava na TV, sábado de manhã. Chegando lá, me explicaram que a gravação era nas sextas à noite…

GD: Sim. Voltei na semana seguinte e assisti à gravação. Era um estúdio minúsculo, uma coisa bem apertada mesmo. No fim eu perguntei para o Calmon se havia alguma vaga para trabalhar lá no programa. Ele disse que não, mas que poderia haver alguma chance na revista Autoesporte, onde tinha acabado de começar como editor. Ele me disse: vai lá amanhã e procura o Lito Cavalcanti. Eu fui, cheguei cedo e então abriram as portas da Autoesporte para mim, literalmente. Era uma casa e o Lito Cavalcanti tinha a chave do portão.

GD: Arquivista. Tinha que cuidar do acervo de fotos. Na época, tinha muita foto solta, sem identificação. O meu trabalho era arrumar e catalogar todos esses materiais antigos, a maioria de automobilismo, que eu conhecia bem, além de ficar responsável pelas imagens que eram usadas nas edições mensais. Tinha que pegar o filme, revelar…

GD: Na época, a editora Efecê, que publicava a Autoesporte, tinha outra revista, a Casa&Jardim. Havia um espaço enorme nos fundos do imóvel em que funcionavam as duas redações. Lá, montavam os ambientes fotografados para essa revista, que falava sobre arquitetura e decoração. Então nós começamos a usar esse espaço também como estúdio para fotografar os carros da Autoesporte. Passei a ajudar nesse processo fazendo a produção, colocando placa etc. Como também entendia um pouco dos carros, dava uns toques para o fotógrafo, apontando detalhes interessantes para mostrar, esse tipo de coisa. Em seguida, comecei a ajudar nas externas, ou seja, quando fotografavam os carros fora do estúdio. Só que geralmente não havia ninguém para dirigir o carro nessas ocasiões. Quando a foto era do veículo parado, tudo bem, não precisava, mas para produzir as imagens com ele andando… Então comecei a dirigir os carros nas sessões de foto e, por isso, aparecia muito ao volante nas fotos publicadas.

GD: Não, porque as fotos e os testes eram feitos separadamente. Quando pegávamos um carro, a primeira coisa que fazíamos eram as fotos, para que, em caso de qualquer problema futuro, as imagens já estivessem garantidas. Os testes que os jornalistas faziam com os carros aconteciam depois, em outro dia e outro lugar.

GD: Usávamos muito um trecho da rodovia Rio–Santos, na altura da Riviera de São Lourenço. Era um retão com pouco movimento. A Volkswagen também testava os carros dela lá, porque era nível do mar, e eles haviam feito diversas marcações, como de 400 metros, 1.000 metros etc., que nós aproveitávamos. Depois, passamos a fazer os testes na pista circular da GM em Indaiatuba, no interior de São Paulo. Mas só podíamos usá-la aos sábados. Aí eu cuidava da logística de levar e trazer os carros de lá.

GD: Comigo aconteceu só uma vez, com um Honda NSX. O carro chegou lá em uma sexta à noite e ninguém queria tirá-lo de dentro do caminhão, que não era dessas plataformas usadas hoje em dia. Tinha que ser na base da rampa mesmo. Estavam com medo de danificá-lo. No fim eu tirei o carro e, como não havia ninguém, estava tudo vazio, acabei dando uma volta mais forte na pista, sozinho.

GD: O Alberto Andriolo, que era o especialista dessa área, media e marcava com uma caneta de ponta porosa vários pontos na carroceria e nos vidros do carro. Aí me entregava um novelo de lã, eu cortava pedaços de 5 centímetros e ia colando um por um com fita adesiva. Dava tanto trabalho que passava o dia fazendo isso para fotografar o carro andando na manhã seguinte, geralmente em Interlagos. Eu ia dirigindo o carro até lá e não podia abrir as janelas para não estragar o trabalho. Quem me via pelo caminho não entendia nada. Depois, fazíamos o chamado “camera car”, ou seja, o carro era fotografado em movimento a partir de outro carro também andando, e era feita a análise aerodinâmica a partir do comportamento de cada filete de lã. Depois eu ainda tinha que tirar tudo e lavar o carro, para apagar as marcações.

GD: Isso, e depois passei a contribuir efetivamente nos testes, fazendo as medições. Também era muito trabalhoso, especialmente na época do Bob Sharp. Tínhamos que preencher um formulário enorme, com vários dados, e fazer as medições diversas vezes. Não era fácil, muita coisa era feita manualmente, com cronômetro. Para medir consumo, usávamos um galão que ficava dentro do carro e ia ligado direto na bomba de combustível, eliminando a linha do tanque. Rodávamos em trecho urbano umas duas horas, incluindo subidas, trânsito etc. Depois, víamos quanto havia sobrado no galão e fazíamos a conta. A seguir, a mesma coisa rodando em estrada, para aferir o consumo rodoviário.

GD: Bastante, e isso nem era o mais complicado. Para vários testes, era preciso saber a velocidade real do carro, porque os velocímetros sempre marcavam a mais. Então percorríamos um trajeto X em tempo Y e fazíamos o cálculo da velocidade real. Aí apontávamos no velocímetro com fita crepe a indicação correta para as diferentes velocidades que precisávamos medir, e só aí os testes eram feitos.

GD: Sim. O objetivo era fazer os 70 mil km em um ano. Para isso, era preciso rodar quase 6 mil km por mês. Nos fins de semana, havia um rodízio do carro. Quem ficasse com ele tinha que andar uns mil quilômetros. Eu ia para o Paraná e voltava. E tinha que anotar tudo: quantos km andei, quanto abasteci, alguma ocorrência…

GD: Ah, vários. Um foi o Mercedes-Benz 500 SL, não só por ser um carro incrível, mas porque eu saí na capa, em destaque. A foto, aliás, tem grama na parte de cima e de baixo, o que dá impressão de ter sido manipulada com Photoshop, mas não foi. A imagem é 100% real! Foi feita em Alphaville, onde encontramos um lugar para fotografar que deu esse efeito. Outro foi uma BMW M5. Também um Audi A4: o modelo ganhou o prêmio de Importado do Ano e nos deram um carro novinho, com 30 km rodados, para testar. Mas a redação queria que o carro estivesse ao menos amaciado para fazer os testes, então sobrou para mim o “sacrifício” de andar mil quilômetros com ele antes…

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Fonte: direitonews

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