Adesão de territórios pode funcionar como ultimato da Rússia à OTAN, dizem especialistas


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O presidente russo, Vladimir Putin, anunciou na manhã desta sexta-feira (30) a adesão dos territórios das repúblicas populares de Donetsk (RPD) e Lugansk (RPL) e das regiões de Kherson e Zaporozhie à Rússia.
A adesão se dá após as regiões passarem por um referendo no qual eleitores decidiram se concordavam ou não com a integração. A votação ocorreu entre os dias 23 e 27 de setembro, e, com 100% das urnas apuradas, eleitores de todas as regiões decidiram pela adesão com ampla margem de votos.
Em discurso na cerimônia de adesão, Putin afirmou que “nada é mais forte do que a determinação de milhões de pessoas para retornar à sua verdadeira pátria”.

“Não há nada mais forte do que a determinação de milhões de pessoas que em sua cultura, fé, tradição e língua se consideram parte da Rússia, cujos antepassados viveram durante séculos em um único país. Não há nada mais forte do que a determinação dessas pessoas em sua verdadeira pátria histórica”, disse o presidente russo.

Pessoas com bandeiras durante concerto de comemoração da adesão à Rússia das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, e das regiões de Kherson e Zaporozhie, Parque Central de Novosibirsk, Novosibirsk, Rússia, 30 de setembro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 30.09.2022

Horas após o discurso de Putin, o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Jens Stoltenberg, declarou que a aliança militar não vai tomar parte no conflito na Ucrânia e não pode garantir que este país seja admitido como membro neste momento. Porém afirmou que a organização continuará apoiando Kiev.
Para saber que impactos a adesão dos territórios pode ter sobre Moscou, sobre os rumos do conflito na Ucrânia e sobre a OTAN, a Sputnik Brasil conversou com o analista geopolítico Rogério Anitablian e com Isabela Gama, especialista em segurança e teoria das relações internacionais e BRICS e pesquisadora pós-doutoranda da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).
Para Rogério Anitablian, o episódio demonstra que “as questões territoriais merecem ser observadas sob um único prisma, dos aspectos de admissibilidade da autodeterminação“. De acordo com o especialista, tais aspectos “deveriam valer indistintamente”.

“A aplicação relativa à Convenção de Montevidéu não pode escolher países e povos simpáticos às agendas da vez de grupos poderosos, vide a questão kosovar e sua interpretação por Washington–Londres”, diz o analista político à Sputnik Brasil.

Ele acrescenta que “o povo dos oblasts de Zaporozhie, Kherson, Lugansk e Donetsk tem o mesmo direito de viver em paz e segurança”.
Anitablian diz estar de “pleno acordo” com a posição de Putin “no que tange às questões de imposições culturais por ele referidas”.

“Não há possibilidade de admitirmos que uma agenda exportada pela cultura anglo-saxônica possa ser imposta a culturas milenares, exortando outros povos a abrir mão de sua história, religiosidade e tradições, que remontam a séculos”, diz o especialista.

Referendos na RPD, RPL, regiões de Zaporozhie e Kherson - Sputnik Brasil, 1920, 28.09.2022

Isabela Gama, por sua vez, diz acreditar que a adesão dos territórios deve desencadear uma nova onda de sanções do Ocidente contra a Rússia. Porém ela lança dúvidas quanto à política de sanções ter alguma eficácia.

“A Rússia está sofrendo sanções há anos, e não está surtindo efeito. As sanções estão sendo basicamente um band-aid em um ferimento a bala, não vai estancar o sangramento”, diz Gama em declarações à Sputnik Brasil.

Segundo a especialista, a adesão dos territórios envia uma mensagem ao Ocidente de que, assim como o Ocidente, a Rússia também pode agir de acordo com suas regras.
“Desde 2013, a política externa da Rússia vem sendo cada vez mais assertiva com relação a mandar mensagens para o Ocidente”, comenta.
© Sputnik / Sergei Pivovarov  / Acessar o banco de imagensCédula de voto de cidadão da RPD durante o referendo no local de votação, a Universidade Estatal de Don, em Rostov-no-Don, em 24 de setembro de 2022

Cédula de voto de cidadão da República Popular de Donetsk (RPD) durante o referendo no local de votação, a Universidade Estatal de Don, em Rostov-no-Don, em 24 de setembro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 30.09.2022

Cédula de voto de cidadão da RPD durante o referendo no local de votação, a Universidade Estatal de Don, em Rostov-no-Don, em 24 de setembro de 2022

Adesão coloca OTAN sob pressão

Questionado sobre os impactos que a adesão pode ter no conflito vigente na Ucrânia e na agenda dos países ocidentais envolvidos, Anitablian diz que “consequências militares são esperadas“.

“Visto que os players globais envolvidos na contenda possuem amplo e reconhecido poder dissuasório, se não houver uma célere disposição para negociação das partes, o risco de escalada com consequências imprevisíveis é mais real do que nunca”, diz o especialista.

Isabela Gama concorda e diz que a adesão altera muito a balança dentro da Europa. Segundo ela, agora, “ou o Ocidente vai ter que se afastar e deixar a Rússia ganhar ou realmente vai ter de tomar medidas mais drásticas“, o que, em sua avaliação, pode escalar o conflito “para um nível sem precedentes no pós-Guerra Fria”. No entanto ela diz ter dúvidas sobre a disposição da aliança para um engajamento de fato no conflito.
“Eu não tenho certeza se o Ocidente está realmente disposto a arcar com os custos disso, porque, até o momento, o que alguns países europeus e os EUA fazem é uma ajuda secundária”, destaca a especialista, acrescentando que “enviar tanque, armamento é uma coisa; outra coisa é realmente enviar seus homens para lutar em um front de batalha”.

“Acho possível que a OTAN seja freada um pouco, sim, porque se houver maior engajamento do Ocidente nesse conflito, um engajamento de fato no campo, isso pode escalar realmente e se espraiar para outras regiões da Europa, e acredito que a Europa não queira isso, nem agora nem em nenhum momento. Não à toa estão tentando manter esse conflito entre Rússia e Ucrânia, sem maiores envolvimentos”, conclui.

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