Crise financeira de 2008 como estopim da tendência
“Nesse contexto, observa-se uma empreitada autoritária, em diferentes países, de figuras que usam o voto para ações que vão contra a rotina democrática. Nesse sentido, também contra as eleições ou tentando instrumentalizar as eleições para tentar se manter no poder continuamente. Isso é um sintoma grave, mas só pode ser visto nesse contexto de crise porque mobiliza as emoções. As pessoas estão sem trabalho, estão em sofrimento e por isso também querem soluções rápidas”, diz a cientista política.
Redes sociais como zonas de plena concordância
“Algumas conclusões parciais que observamos foram que essas redes para onde a extrema-direita tenta se movimentar são ‘redes do consenso’. Nessas redes alternativas, nesse caso a Parler, a gente observa que é uma grande rede do consenso: todo mundo ali tem a mesma perspectiva política e vai endossando o mesmo conteúdo.”
“Ela [a produção discursiva nas redes] é sempre calcada na ideia de ‘urgente’, ‘grave’, esse tipo de construção que tenta apelar para as emoções. Vai cercando e sendo constitutivo da forma como as pessoas constroem a realidade. Isso se aplica a qualquer questão, boas e ruins, positivas, negativas, inclusivas, exclusivas, democráticas ou antidemocráticas, e se aplica também nessa pauta específica sobre fraude eleitoral.”
“Eu vejo as redes sociais hoje como uma tecnologia, da mesma forma que se você propaga no rádio ou na televisão uma determinada mensagem, isso se amplia. As pessoas estão se habituando ao ambiente das redes. Mas vejo isso também com limitações. As redes sociais já têm mecanismos de acompanhamento de conteúdos, de denúncia, então acredito mais em aperfeiçoamento dos controles que já existem. Acho que é a forma mais saudável de lidar com as calúnias e inverdades que você pode receber via rede social.”
Um dos maiores desafios contemporâneos para a democracia
“O princípio fundamental da eleição é que você vai votar sabendo que o voto que alcançar a maioria terá de ser respeitado. É a regra do jogo. Você não pode simplesmente contestar a regra do jogo se o seu voto não se concretiza, porque isso faz parte do jogo. É como se você fosse para um jogo de futebol, aí o resultado do jogo é 3 a 0 e você não aceita porque resolve dizer que não quer mais aceitar gols como [critério para o] resultado do jogo. Obviamente é algo danoso à democracia, porque o voto é uma conquista muito importante. Se pensar no Brasil, o voto só foi rotinizado para toda a população a partir de 1988.”
“Outro ponto é o papel das instituições, dos partidos políticos. Quando um partido político endossa esse tipo de narrativa, é evidentemente problemático. Porque escala a questão para uma esfera institucional. Mas usualmente na ala política a ideia é que não se sustente, uma vez que os partidos dependem do processo eleitoral. Eles têm maiores custos em aderir a esse tipo de narrativa do que a população de modo amplo.”
Fonte: sputniknewsbrasil