Acordo entre Mercosul e UE teria fracassado devido a uma ‘narrativa europeia’, diz analista


As últimas declarações do porta-voz da Comissão Europeia, Eric Mamer, de que “não estão reunidas as condições” para assinar o acordo de livre comércio com o Mercosul semearam mais uma vez dúvidas sobre o tratado, que é negociado há mais de duas décadas, e parece cada vez mais distante.
Em entrvista à Sputnik, o consultor econômico Víctor Benítez González atribuiu o fracasso das negociações à “pressão interna” que a UE tem tido dos produtores agrícolas franceses, que resistiram ao acordo desde o início sob a premissa de que os produtos agrícolas do Mercosul competirão “injustamente” com os locais.
“Os europeus dizem que é ‘concorrência desleal’ porque, embora tenham subsídios, os produtos do Mercosul não têm os mesmos requisitos ambientais e não há Estados que controlem as violações ambientais”, disse Benítez González.
O analista afirmou que esta “narrativa europeia” contrasta com uma “narrativa” do Mercosul, fortemente defendida pelos produtores paraguaios, que afirma que “os europeus destruíram o seu ambiente e agora impõem-nos as suas regulamentações muito rigorosas”.
Também consultado pela Sputnik, o especialista em relações internacionais Mario Paz Castaing destacou que os produtores europeus “procuraram todos os mecanismos possíveis para evitar que este acordo tivesse uma implementação rápida” e, nesse quadro, surgiram as exigências ambientais apresentadas ao Mercosul.
O presidente francês Emmanuel Macron (E) fala com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, antes da cimeira do Conselho Europeu, na sede da UE em Bruxelas, em 30 de junho de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 31.01.2024

Para Paz Castaing, as exigências ambientais elencadas pelo lado europeu “são uma barreira tarifária para impedir” a entrada em vigor do acordo e “promovidas pelos mesmos grupos que desde o início impediram a sua concretização”.
Benítez González explicou que os requisitos introduzidos pela Europa visam garantir que os produtos exportados para a Europa pelo Mercosul tenham rastreabilidade, de forma a garantir que a sua produção não envolva danos ambientais.
“A Europa diz ‘vou comprar a sua carne se puder me dar a rastreabilidade da origem daquela vaca, mas se essa vaca saiu da zona X, ao lado do rio Z, aonde meu satélite diz que há dez anos havia um bosque e hoje não, então não vou comprá-la de você'”, ilustrou o consultor econômico.
Nesse sentido, o analista explicou que os produtores paraguaios estão especialmente relutantes em aceitar esta rastreabilidade, garantindo que as regulamentações europeias prejudicam a “soberania” paraguaia. Contudo, a rejeição dessas exigências não abrange apenas o Paraguai, pois também encontra resistência dos demais parceiros do bloco, especialmente do Brasil.
“Se Luiz Inácio Lula da Silva, que é uma pessoa bastante progressista, ficou em frente à Torre Eiffel para dizer que não vamos conseguir cumprir todas as exigências ambientais europeias, o que se pode esperar de outras sociedades mais conservadoras como as do Paraguai e do Uruguai”, argumentou o especialista.
Paz Castaing, por sua vez, considerou que as regulamentações europeias “não são impossíveis de cumprir” para o Mercosul, mas destacou que “quando Lula, há algum tempo, estava sequer considerando a possibilidade de aceitá-las com algumas modificações e assinar o acordo, foi quando surgiram medidas protecionistas para os produtores agrícolas europeus”.
Bandeira da União Europeia (à esquerda) hasteada no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, França, em 18 de abril de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 30.01.2024

Nesse sentido, o especialista sublinhou que embora “haja setores muito fortes da economia europeia que querem o acordo”, a negociação estagnou devido à luta com estes setores agrícolas. Embora tenha evitado garantir que o acordo caia definitivamente, admitiu que “se encontra em um momento de paralisia e retrocesso”.
Tanto Benítez González como Paz Castaing sustentaram que, como alternativa ao mercado europeu, o Mercosul pode se concentrar nas negociações com dois parceiros comerciais de grande importância e com os quais há negociações em curso: Cingapura e os Emirados Árabes Unidos.

“A salvação é Cingapura”, enfatizou Benítez González, destacando que o país asiático se consolidou como “um grande comerciante [negociador]” que pode ser fundamental para adquirir produtos do Mercosul e depois trocá-los com outros países. Esta fórmula seria fundamental para o acesso do Paraguai ao mercado da China, com quem não mantém relações diplomáticas devido ao reconhecimento de Taiwan.

Paz Castaing valorizou a importância crucial que o mercado asiático e o Pacífico em geral têm para o Mercosul, destino para o qual também será fundamental o canal bioceânico que liga o oeste do Brasil e do Paraguai à costa do Pacífico.

Fonte: sputniknewsbrasil

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