Acidente do filme ‘F1’ foi real e piloto sobreviveu por ‘milagre’


Antes de qualquer coisa, um aviso: este texto contém alguns spoilers importantes sobre F1 – O Filme, que estreou no fim da semana passada nos cinemas brasileiros. Autoesporte já fez sua análise do longa dirigido por Joseph Kosinski e estrelado por Brad Pitt — este, um entusiasta automotivo e detentor de uma coleção de carros e motos de respeito. Aqui, focaremos em uma curiosa conexão do personagem Sonny Hayes com um fato real ocorrido na Fórmula 1 dos anos 1990.

Portanto, se não quer saber de antemão do que se trata, melhor assistir à película antes e voltar a esta reportagem depois. Agora, se você já viu ou se spoilers não são um problema para você, vamos em frente.

Na trama, Hayes tem a jovem e promissora carreira interrompida em 1993 por um gravíssimo acidente enquanto disputava posição com Ayrton Senna, repetidamente mostrado em pequenas pílulas ao longo do filme.

Entusiastas mais aficionados pela categoria não precisam de muito mais do que isso para perceber a esperteza de Kosinski ao usar um acidente real como base para amarrar o drama vivido por Hayes no princípio de sua carreira. As montagens de um Brad Pitt jovem vestindo um macacão amarelo ao lado de um carro de mesma cor com capacete azul e patrocínio da marca de cigarros Camel reforçam a percepção.

De repente, surge a cena real de um piloto caído sobre o asfalto com um carro partido ao meio e tudo fica cristalino: o filme F1 fez o acidente real do piloto britânico Martin Donnelly se tornar uma passagem da conturbada carreira de Sonny Hayes. Nos créditos que aparecem no final do vídeo, um agradecimento especial ao próprio Donnelly, que certamente deve ter sido consultado pela produção e autorizado esse inventivo mashup, fundamental para deixá-la mais fidedigna.

Mas, afinal, quem foi Martin Donnelly, o ás que teve uma passagem importantíssima de sua vida e carreira recortada para ser “emprestada” ao herói Sonny Hayes? Vamos à sua história. Nascido em 1964, na Irlanda do Norte, Hugh Peter Martin Donnelly era considerado um dos vários talentos promissores que a escola automobilística do Reino Unido formava nos anos 1980.

Iniciou a carreira na Fórmula Ford Irlandesa e, depois, foi duas vezes seguidas (em 1986 e 1987) terceiro colocado na prestigiada Fórmula 3 Britânica, mesma categoria da qual Nelson Piquet e Ayrton Senna foram campeões. Em 1988, venceu o GP de Macau, o mais importante da F3. Nessa mesma temporada, já era piloto de testes da Lotus, equipe que competia com patrocínio principal da Camel e, portanto, tinha seu carro pintado de amarelo.

Donnelly estreou na Fórmula 1 em 1989 emprestado pela Lotus à equipe Arrows. Na ocasião, substituiu o inglês Derek Warwick no GP da França, devido a uma lesão nas costas que o veterano sofreu em uma corrida de kart. Impressionou com uma ótima 14ª posição no grid de largada, 11 colocações à frente de seu companheiro de equipe, o americano Eddie Cheever.

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Na corrida, contudo, acabou sendo envolvido involuntariamente em um acidente múltiplo na primeira largada, o que avariou seu carro e o obrigou a fazer a segunda largada dos boxes, com o carro reserva. Na prova, sentiu a falta de ritmo (típico de um estreante) e terminou em 12º e último entre os carros que cruzaram a linha de chegada, três voltas atrás do vencedor, o francês Alain Prost, da McLaren.

Ainda assim, deixou uma boa impressão e foi promovido pela Lotus a piloto titular para a temporada 1990, ao lado do próprio Warwick. Ambos pilotariam um chassi chamado 102, com a já mencionada pintura amarela e motor Lamborghini V12. Diferentemente de Hayes, que disputava a liderança de uma corrida com Ayrton Senna quando bateu, o pacote de Donnelly na vida real era muito mais limitado e o deixava bem mais distante de lutar por vitórias.

Sua melhor posição de largada com o Lotus 102 Lamborghini foi um 11º lugar repetido três vezes, nas etapas de San Marino, Mônaco e Itália. Em corridas, obteve um sétimo lugar na Hungria como melhor resultado, em uma época na qual apenas os seis primeiros colocados marcaram pontos. Cruel.

Donnelly só chegou ao final de cinco corridas entre as 13 que disputou. Nas demais, o carro não aguentava até o final e quebrava antes. Warwick, bem mais experiente, conseguiu faturar três pontos ao longo do ano, com um quinto lugar na mesma prova da Hungria e um sexto na corrida do Canadá.

Mas foi na 14ª etapa do calendário, o GP da Espanha, no circuito de Jerez de la Frontera, que tudo mudou na carreira de Martin Donnelly. Diferentemente de Sonny Hayes, que bateu em corrida, tentando ultrapassar Ayrton Senna, o acidente real do norte-irlandês ocorreu no primeiro treino livre do evento, na sexta-feira de manhã.

Tanto que não há imagens nem fotografias da batida em si, apenas registros do carro já partido ao meio na saída da veloz curva Ferrari, feita à esquerda e a carca de 260 km/h, e a assustadora cena do piloto deitado e desacordado no chão. A causa da perigosa colisão foi uma falha de suspensão. Senna aparece, de fato, próximo ao cenário do resgate, porque passava com seu carro pelo local e parou para acompanhar o que acontecia. Esse detalhe foi bem aproveitado pela produção do longa.

Mas, apesar da assustadora cena de ter sido ejetado do veículo e ficar largado sobre o asfalto, desacordado e preso ao banco pelo cinto de segurança, Martin Donnelly estava vivo. Foi levado de helicóptero ao hospital e induzido ao coma. Lá, sofreu duas paradas cardíacas, correu o risco de falência múltipla dos órgãos e chegou a receber a extrema-unção de um padre. Os médicos também cogitaram amputar sua perna direita, devido às fraturas.

Com muita paciência e tratamento intensivo, Donnelly se recuperou e teve alta após longos meses de internação. E o mais importante: saiu do hospital andando. Mas o acidente cobrou seu preço. Martin jamais voltaria a correr na Fórmula 1. Posteriormente, disputou corridas de rallycross e competiu em diversos campeonatos britânicos de carros GT e Turismo, até sofrer outro acidente em 2019 e parar no hospital de novo, com novas fraturas nas pernas.

Assim, diferentemente de Sonny Hayes e sua improvável volta à Fórmula 1 30 anos depois, a jornada de Martin Donnelly foi igualmente heroica e vitoriosa, embora de um jeito distinto: estar vivo para contar sua própria história.

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Fonte: direitonews

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