Aceleramos a Ferrari 296 GTB, de 830 cv, até 250 km/h em um circuito de F1!; leia o teste


Existe uma máxima no jornalismo segundo a qual as reportagens devem ser escritas em terceira pessoa; o jornalista é apenas o intermediário da notícia — e não o protagonista. Usar pronome pessoal “eu” é considerado uma heresia na profissão. Hoje os tempos são outros, mesmo assim peço desculpas antecipadamente. Não quero ser estrela de nada, mas dirigir uma Ferrari pela primeira vez — e em um circuito de Fórmula 1, diga-se — é uma experiência que precisa do “eu”.

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É cedo em Austin, Texas (EUA). Acordo duas horas antes de o despertador tocar e não consigo mais dormir. Penso que daqui a algumas horas estarei dentro de uma Ferrari, mais especificamente da 296 Gran Turismo Berlinetta, ou apenas GTB, com hiperbólicos 830 cv e R$ 4,5 milhões na etiqueta de preço por aqui. Já escrevi milhares de linhas sobre as máquinas de Maranello, mas dirigir uma falta no currículo.

Desço para tomar meu café da manhã com uma ansiedade do tamanho das gigantescas picapes norte-americanas (ainda mais no estado americano do Texas). O suco de laranja e as fatias de pão descem com dificuldade pelo meu esôfago, e vou para a apresentação. Estou no Ferrari Racing Days, uma ode ao cavallino e um evento que reúne clientes, pilotos, fãs e, claro, muitos carros. Ocorre nos Estados Unidos, na Europa e na China.

Autoesporte também foi convidada a participar do Corso Pilota, um curso oferecido (vendido, na verdade) desde 1993. Dividido em três níveis (Sport, Evoluzione+ e Race), o workshop tem o objetivo de fornecer aos clientes uma melhor compreensão das técnicas de direção (desde a posição mais eficiente no cockpit até aceleração progressiva, controle de freio e traçado ideal) dos modelos Ferrari em seu habitat: a pista.

Os preços são salgados para nós mortais (começam na casa dos US$ 20 mil), porém uma ninharia para os proprietários que gastam fortunas em suas Ferrari. Só que aí também entra a grife Ferrari. Além do curso, o pacote inclui hospedagem em hotel cinco estrelas e recepção com champanhe, refeições (no almoço tinha até lagosta, só para constar), brindes e traslado até a pista. Os clientes também não usam o próprio carro. O curso oferece a 296 GTB, a SF9O e a 488 Challenge Evo, para técnicas avançadas.

Minha missão era subir o primeiro degrau, o Corsa Pilota Sport, um curso de dois dias. Mas havia um pequeno problema: eu só teria algumas horas. Outro “agravante”: entro na van com destino ao Circuito das Américas, nada menos que uma das três pistas do país que estão no calendário da F1. A ânsia por realizar um sonho me atrapalha na hora de lembrar tudo o que os instrutores disseram e de absorver as informações sobre o modelo.

Desço do carro e meus olhos vão ao encontro de quatro exemplares semelhantes à 296 GTB devidamente trajados na icônica cor vermelha Rosso. Os esportivos estão estacionados e milimetricamente alinhados em modo de espera. Mesmo não sendo a primeira vez que vejo ao vivo o esportivo, chamam a atenção as duas protuberâncias dos largos para-lamas com tomadas de ar (inspirados na clássica 250 LM tricampeã de 24 Horas de Le Mans), o escapamento central e o ostensivo difusor em fibra de carbono.

É também atrás que fica o motor, em uma espécie de “aquário”. Nada de V8 ou V12. O vidro mostra o retorno do V6 (usado pela última vez em uma Ferrari nos anos 1970) e adiciona uma pitada de modernidade com um conjunto híbrido. O 2.9 biturbo de seis cilindros “V” (daí a numeração 296) gera 663 cv. Já a unidade elétrica (a chamada MGU-K), proveniente das pistas de corrida, posiciona-se entre o V6 e o câmbio de dupla embreagem e oito marchas, e contribui com 167 cv extras. Combinados, fornecem 830 cv e 75,3 kgfm.

A 296 não é esteticamente “difícil” de entender. Tem desenho mais limpo, a dianteira é bem baixa, os faróis têm formato de losango, ladeados pelas luzes diurnas que marcam a parte de cima das entradas de ar. Embaixo, o para-choque não é cheio de aletas ou penduricalhos aerodinâmicos. Para mim, a 458 Italia continua imbatível no quesito design, mas a 296 é um carro bem bonito aos olhos.

Chega a minha vez. A primeira parte do curso começa com uma ambientação no carro, voltas de reconhecimento e um pequeno circuito de cones. Entro na 296 GTB e a friagem daquela manhã no Texas dá lugar a um suador sem precedentes. Eu me contorço para entrar no carro de um jeito que Daiane dos Santos ficaria orgulhosa.

E me acomodo no banco de fibra de carbono que me abraça igual vó com saudade do neto. Ajeito minha posição de dirigir (estou quase sentado no chão de tão baixo), coloco o E-Manettino (nome pomposo do seletor de modo de condução) no Hybrid, deslizo o dedo pelo botão “invisível” de partida e o carro desperta com uma bela trilha enquanto o macambúzio instrutor me explica o que fazer e aonde ir.

Traçado memorizado, hora de acelerar forte. A Ferrari vai cronometrar cinco voltas rápidas e fazer uma pequena competição entre os jornalistas. Parto um pouco cauteloso, não querendo fazer feio. Eis que na terceira volta escuto um “push, push, push!”. Eu entendia, mas não conseguia assimilar as interjeições do senhor italiano sentado ao meu lado, pois meus músculos estavam mais tensos do que homem quando a namorada pega seu celular.

Na minha cabeça eu já estava além do meu limite, espancando o acelerador, freando a 5 metros da curva e com o café da manhã no meu estômago rebolando mais que a Carla Perez do É o Tchan. Para a 296, era apenas um passeio no parque…

Direita, reta curta, freio, entro rápido na curva, acho que não vai dar — e a Ferrari contorna com maestria. Logo de cara, a aderência e a direção afiada impressionam. Então me vem à cabeça o Porsche 911 GT3, pelo nível com que o carro gruda no chão. Esquerda, direita, reta um pouquinho mais longa, chego aos 100 km/h em menos de 3 s, freada forte, a 296 mergulha e a frente entra como se nada tivesse acontecido.

Vou ganhando confiança para arriscar acelerar (mais), frear tarde, contornar com mais velocidade e… recebo a bandeirada — a adrenalina dá lugar a um gostinho de quero mais! Saio do carro com as pernas tremendo, tentando assimilar o que acabou de acontecer. O gostinho ainda fica mais agridoce quando descubro que fiz apenas o terceiro melhor tempo.

Hora do segundo exercício. Um caminhão-pipa molha a pista para facilitar a escorregada, o instrutor coloca o controle de tração em um modo mais permissivo, sem desligar completamente. O objetivo aqui é derrapar, mas com controle a todo momento. E fazer a traseira da 296 rodopiar é uma das coisas mais fáceis do dia: volante todo esterçado para o lado, carro a 3 km/h e o instrutor manda pisar no acelerador como se fosse matar uma barata gigante.

Dito e feito: a rabeira desliza, contorno metade do cone sem perder o controle e a Ferrari segue na direção certa. Depois da décima repetição e de errar apenas três vezes, quando o carro sai de frente, me sinto pronto para fazer a sequência do Velozes e Furiosos Tokyo Drift.

Tempo para respirar, porque o último módulo do curso era, claro, dar três voltas nos 5,5 quilômetros de extensão do Circuito das Américas, inaugurado em 2010. Balaclava, capacete. Entro no carro, primeiro de carona, e o sorumbático instrutor ao lado dá o aviso: “Só acelere, freie, suba ou desça marchas quando eu mandar”, diz o italiano em inglês com um baita sotaque. Um “ok” foi o máximo que saiu da minha boca. Depois de uma volta não tão rápida assim para aprender em três minutos alguns truques da pista, chegava a minha hora de assumir o belíssimo volante.

Primeira volta mais lenta para me ambientar. Faço a 20ª e última curva. Pé embaixo. O V6 urra (claro que não soa como o V12 de uma 812 Superfast, mas com seis cilindros a menos a sinfonia é bem instigante), meus olhos nem piscam, o velocímetro chega perto dos 250 km/h — ainda longe da máxima de 330 km/h —, e me aproximo da primeira curva. Quem vê pela televisão percebe, obviamente, que é uma subida, mas ao vivo é bem mais íngreme do que parece: são 40 metros. É bem impactante ver de perto.

“Freia, terceira marcha”, diz o instrutor. Reduzo uma por uma por meio das vistosas aletas de fibra de carbono. O câmbio é preciso e rápido. A Curva 2 é tranquila e, ao mesmo tempo, uma das mais importantes do circuito — é preciso fazê-la bem porque da Curva 3 até a Curva 8 é “carrossel”, uma sequência de “S” inspirada na famosa Maggots e Becketts, de Silverstone. Esquerda, direita, esquerda, direita e meu estômago embrulha. A 296 tem um equilíbrio e uma leveza que nunca senti em outro carro.

Curvas 9, 10 (meio cega em subida passando na zebra e uma pequena levantada de pé do acelerador), reta e freada forte para fazer o cotovelo que dá acesso à outra reta, oposta. “Quarta marcha”, brada o instrutor para a próxima curva. Sem querer, engato uma segunda e ele repete: “só reduza quando eu mandar”.

Curvas 13, 14 e 15 também bem lentas, porém mais fáceis. Quando chego na 16 o instrutor italiano volta a se manifestar. “Essa é a curva da paciência”, explica. Trata-se de uma curva com raio gigante em que é preciso, literalmente, ter paciência ao voltar a pressão total no acelerador. Depois de uns 4 segundos com o volante virado para a direita, ouço o instrutor falar: “Patience, patience, patience”.

Mais alguns segundos e a curva finalmente acaba, e posso voltar a acelerar. Curva 18 para a esquerda, acelero, freio, Curva 19 e pé embaixo — última vez passando pela reta principal. A volta seguinte é mais cool down, para resfriar o freio e dar um respiro também para o carro…

Chegando aos boxes, o irritadiço italiano, que me acompanhou a manhã inteira e fez todo o curso ao meu lado, me surpreende e solta: “Você deveria fazer o segundo nível do curso”. Incrédulo, respondo apenas com um “É mesmo?”. Mas escuto a frase com certa dúvida: ele deve falar isso para todos. Mesmo assim, aquela manhã de sexta-feira vai ficar na minha memória. É uma coisa de que eu nunca vou esquecer. Desculpe pelo “eu” mais uma vez.

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Fonte: direitonews

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