‘A serviço do mercado financeiro’, agências de risco pressionam por reformas políticas, diz analista


As grandes agências de classificação de risco — Standard & Poor’s (S&P), Fitch e Moody’s — são empresas do mercado financeiro que têm como serviço avaliar o perigo de investir em um determinado título, seja público ou privado, explica Bruno de Conti, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Dessa forma, na hora de compor sua carteira de títulos, os grandes investidores não precisam fazer avaliações individuais de determinada empresa ou país. Em vez disso, eles contratam o serviço dessas agências, que possuem seu próprio sistema de notas, ou rating.
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Tamanha influência no destino de capitais nem sempre existiu, aponta De Conti. Segundo o especialista, essas empresas ganharam maior destaque no planeta a partir dos anos 1970 e 1980, no contexto da chamada “mundialização financeira”.
É o fim do regime de Bretton Woods, que de alguma maneira controlava os fluxos globais de capital“, afirma De Conti. Essa época é marcada pelo fim do padrão-ouro, com o dólar se tornando uma moeda completamente fiduciária, sem lastro. “E aí entra a onda de abertura das contas financeiras.”

“Primeiro nos países centrais, depois nos países periféricos, inclusive sob muita pressão de instituições multilaterais como o FMI [Fundo Monetário Internacional] e o Banco Mundial, o chamado Consenso de Washington, para nós aqui da América Latina.”

Qual é a função das agências de rating?

Em tese, essas agências de risco dão a investidores uma indicação do nível de confiança em relação à saúde financeira de determinada instituição ou país.
Hoje, no entanto, o poder que elas possuem é grande demais, afirma o analista. Com tantos investidores de peso se pautando por suas classificações, essas três agências — que constituem um oligopólio no mercado — adquiriram um “protagonismo absolutamente aberrante”.
“Os atores do mercado financeiro agem conjuntamente”, diz De Conti. “Nós chamamos isso de comportamento de manada: se uma vaca corre, todas correm junto, mesmo que não saibam o motivo.”
Isso significa que qualquer melhoria ou piora na nota dada por essas agências de classificação de risco é capaz de mover grandes volumes de capital, “e a gente sabe, aqui na América Latina, mais do que em qualquer lugar do mundo, o problema que pode dar uma fuga massiva de capital”.

“Gera desvalorização cambial, a taxa de câmbio vai lá em cima e aumenta a inflação para quem está endividado em dólares. Isso pode quebrar empresas e até mesmo o setor público.”

Essas agências, com tanto poder de influência em suas mãos, acabam tornando muitos países reféns de suas avaliações, ressalta De Conti. “A serviço do mercado financeiro”, as agências de classificação de risco pressionam, com o Banco Mundial e o FMI, por mudanças na legislação, como a desregulamentação do mercado de trabalho e reformas no sistema previdenciário.
“Elas fazem visitas aos ministérios da Economia com recomendações — que são mais coações — e dizem: ‘Olha, se você não fizer reforma de trabalho no horizonte próximo, vamos ter que rebaixar tua nota‘”, afirma o economista.

“Elas acabam se tornando policy makers [legisladores], quando elas não deveriam ser. Quem faz política é o governo”, sublinha o analista.

Nesse sentido, afirma De Conti, essas agências funcionam como “a voz do mercado financeiro”. “Elas vocalizam os sentimentos dos mercados financeiros com um componente muito forte em prol de uma economia completamente liberalizada.”
Uma economia desregulamentada, sem taxas e sem restrições, facilita as idas e vindas do capital, permite “ganhos mais rápidos e maior especulação”.
“Um investidor pode investir em um país, tirar o dinheiro no dia seguinte e fazer lucros exorbitantes sem pagar taxa nenhuma”, explica.
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Esse tipo de coação, exemplifica o analista, ocorreu no Brasil. Em 2014, Dilma Rousseff se elegeu com uma agenda econômica mais à esquerda, mas não praticou o que tinha prometido na campanha “por medo de downgrade, de ter sua nota rebaixada por essas agências”.

BRICS quer criar sua própria agência de risco

O domínio que Fitch, Moody’s e Standard & Poor’s têm do mercado as coloca em posição privilegiada para forçar sua ideologia perante governos. É uma “balela” que elas façam avaliações técnicas e neutras, diz De Conti.

“Na verdade, tem por trás uma determinada maneira de entender a economia, uma determinada ideologia.”

Essas agências, afirma, até pelo modo de funcionamento do capitalismo contemporâneo, “olham para o curto prazo, para o ganho de curtíssimo prazo”. Isso faz com que políticas que trarão retornos no longo prazo, como a nova política industrial do governo, sejam vistas negativamente, uma vez que são analisadas pelas agências apenas como “intervencionistas”.
A existência de uma agência de classificação de risco capaz de fazer análises alternativas, que possa servir de contraponto, seria “muito bem-vinda”, diz De Conti. É o caso da agência do BRICS.
O grupo de países, cujo volume total de suas economias já está previsto para superar o dos países do G7, em 2028, pensa já há alguns anos em criar sua própria agência de classificação de risco. “Uma agência do Sul Global que pudesse fazer um contraponto nessa disputa ideológica seria, claro, bem-vinda.”
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Uma agência que não seja “contaminada por um viés ideológico completamente neoliberal”, sublinha o economista, pode enxergar, por exemplo, que no médio e longo prazos uma política de reindustrialização é boa para o país e para o PIB.
No entanto, aponta De Conti, há obstáculos para a aceitação de uma agência do BRICS. As três maiores agências de rating podem ter um oligopólio do mercado, mas não são as únicas que existem. É muito difícil para uma nova agência conseguir uma credibilidade que a coloque como grande nome nesse mercado.

“[…] A criação [] não vai ser uma panaceia, mas não deixa de ser um instrumento de combate a essa hegemonia.”

Fonte: sputniknewsbrasil

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