Assinalando o aniversário de dez anos do lançamento da iniciativa Cinturão e Rota (ou Nova Rota da Seda, como também é conhecido), o fórum reuniu representantes dos países participantes do projeto, no intuito de discutir as perspectivas para o futuro.
Por certo, o processo incutido na Nova Rota da Seda de integração regional em infraestruturas de transporte terrestre e marítimo lançado por Xi Jinping em 2013 foi resultado do desejo chinês de aumentar sua influência política e econômica na Eurásia, contando, ao mesmo tempo, com o apoio fundamental da Rússia.
Moscou, aliás, antes mesmo do lançamento da Nova Rota da Seda, já buscava projetar-se como importante líder de um bloco econômico multinacional – eurasiático – e independente, a começar pela formação de uma União Aduaneira com Belarus e o Cazaquistão em 2010, cujo intuito era suprimir entraves ao comércio e estabelecer uma política tarifária comum para a importação de produtos de terceiros países.
Quatro anos depois, em 2014, sob a liderança de Moscou, ocorre a formação da União Econômica Eurasiática (UEE) que, além da própria Rússia, Belarus e Cazaquistão, conta ainda com as participações adicionais de Quirguistão e Armênia. A exemplo da União Europeia, a UEE visava estabelecer a livre circulação de mercadorias, serviços, capitais e trabalho entre os seus países-membros.
Além disso, Putin chegou a comentar, em 2011, quando a ideia de formação da União Econômica Eurasiática ainda estava sendo finalizada, que a organização representaria “uma poderosa associação supranacional capaz de se tornar um dos polos do mundo moderno e servir como uma ponte entre a Europa e a dinâmica região da Ásia-Pacífico”.
Com isto, a estratégia da Rússia consistia na criação de um “polo de poder” eurasiático no sistema internacional, fazendo uso dos recursos naturais e industriais existentes no continente. Tal ideia, por sua vez, também é condizente com o pensamento chinês para a região.
No plano energético, a UEE detém cerca de 14% da produção de petróleo e cerca de 19% da produção total de gás natural do mundo, fator este que reserva à iniciativa russa recursos de poder suficientes para consolidar a importância da Eurásia no plano geoeconômico global.
E mais uma vez, a exemplo do período soviético no âmbito do COMECON (Conselho para Assistência Econômica Mútua), a Rússia demonstra uma evidente superioridade dentro do bloco, uma vez que é responsável por cerca de 84% de seu território, 54% de sua produção de petróleo, 93% de sua produção de gás natural e 78% de sua população total.
Ainda assim, dentro da Eurásia, a Rússia enxergou com bons olhos a iniciativa de integração continental promovida pela China através de sua Nova Rota da Seda, envolvendo investimentos estatais chineses em infraestrutura nos países da Ásia e da Europa, direcionados para a construção de rodovias, portos, gasodutos e ferrovias que objetivam transportar de forma mais eficiente a produção chinesa até esses mercados e vice-versa.
© Sputnik / Grigory SysoevO presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente chinês, Xi Jinping, posam para uma foto de família com outros participantes antes da cerimônia de abertura do 3º Fórum do Cinturão e Rota para Cooperação Internacional, no Grande Salão do Povo em Pequim, China, 17 de outubro de 2023
O presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente chinês, Xi Jinping, posam para uma foto de família com outros participantes antes da cerimônia de abertura do 3º Fórum do Cinturão e Rota para Cooperação Internacional, no Grande Salão do Povo em Pequim, China, 17 de outubro de 2023
© Sputnik / Grigory Sysoev
No todo, vale lembrar, a Nova Rota da Seda engloba cerca de 55% do PIB, 70% da população e 75% das reservas energéticas do mundo, constituindo-se um dos mais ambiciosos projetos empreendidos por uma grande potência em toda a história.
Diante desse contexto, foi que, em 2015, Vladimir Putin e Xi Jinping assinaram uma declaração conjunta que versava a necessidade de harmonização entre a União Econômica Eurasiática (sob a liderança da Rússia) e a Nova Rota da Seda (sob a liderança chinesa), acenando para a “cooperação sino-russa na Eurásia”.
Para o Ocidente, tal aceno representou um verdadeiro pesadelo do ponto de vista geopolítico, dado que a junção do poderio econômico chinês com os recursos energéticos da Rússia faz da Eurásia um “ator geopolítico global” da mais alta importância.
Afinal, o que russos e chineses propõem, cada um a seu modo, não é somente uma iniciativa clássica de integração regional – é, na verdade, um megaprojeto, compreendendo as mais diversas áreas de cooperação (da economia à cultura), que, uma vez implementado, conduzirá à criação de uma “Eurásia autônoma e independente” no plano internacional.
Ao mesmo tempo, conforme afirmou Vladimir Putin em entrevista a um canal estatal chinês, essa união sino-russa no continente eurasiático testemunhada hoje não se deu a partir da conjuntura política recente, pelo contrário, ela foi sendo construída gradualmente ao longo das últimas décadas. A começar pela resolução de questões espinhosas, como a demarcação fronteiriça entre ambos os países em 2004, evoluindo a partir de então no sentido de eliminar quaisquer questões que pudessem impedi-los de avançar em suas relações bilaterais.
© Sputnik / Sergei SavostyanovPresidente do novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, Dilma Rousseff, é recebida pelo presidente chinês, Xi Jinping, e sua esposa, Peng Liyuan, durante cerimônia de boas-vindas aos chefes de delegações participantes do 3º Fórum do Cinturão e Rota para Cooperação Internacional em Pequim, 17 de outubro de 2023
Presidente do novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, Dilma Rousseff, é recebida pelo presidente chinês, Xi Jinping, e sua esposa, Peng Liyuan, durante cerimônia de boas-vindas aos chefes de delegações participantes do 3º Fórum do Cinturão e Rota para Cooperação Internacional em Pequim, 17 de outubro de 2023
© Sputnik / Sergei Savostyanov
Como resultado, a China tomou o lugar da Alemanha como principal parceira comercial da Rússia a partir de 2009, ao passo que, hoje, a Rússia ocupa o primeiro lugar entre os fornecedores de recursos energéticos ao mercado chinês.
Enquanto isso, o fornecimento de gás russo à China em 2023 deverá atingir o patamar de 22 bilhões de metros cúbicos, ante os 15 bilhões de metros cúbicos exportados em 2022.
Tais relações econômicas se refletem justamente na confiança mútua existente entre russos e chineses que, por sua vez, é manifestada em seu desejo de avançar em conjunto tanto a União Econômica Eurasiática como a Nova Rota da Seda.
Em se tratando de futuro, podemos esperar que a coordenação sino-russa envolvendo ambas as iniciativas fará jus à alcunha de “integração das integrações“.
Quanto a isso, há muito pouco que o Ocidente possa fazer para impedir a realização deste plano encabeçado por Putin e Xi, plano esse que fará da Eurásia um centro de poder global e que tende a mudar a própria história do mundo no século XXI.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
Fonte: sputniknewsbrasil