A descoberta de redes de ‘bots’ agita a reta final da campanha eleitoral para presidente no Chile


Especialistas consultados pela Sputnik apontaram que os ataques às candidatas presidenciais Jeannette Jara e Evelyn Matthei coloca o foco sobre o favorito José Antonio Kast e que o episódio poderia ser aproveitado por Matthei para ganhar espaço dentro do campo opositor.
A coordenação de ataques contra as duas candidatas foi apontada por uma reportagem do canal Chilevisión, que mostrou como diversas contas no X e em outras redes sociais estão organizadas para publicar notícias falsas e imagens manipuladas, com o objetivo de minar a imagem das duas líderes. Tanto Matthei quanto Jara aparecem com frequência ridicularizadas em vídeos e fotografias.
A reportagem televisiva identificou um jornalista por trás de um dos perfis anônimos. Trata-se de Patricio Góngora, jornalista e dirigente do Canal 13 do Chile, que, segundo a Chilevisión, atuava nas redes sob o pseudônimo Patito Verde, com o objetivo de promover ataques repetidos contra as candidatas e impulsionar “tendências” negativas contra ambas.
O presidente chileno, Gabriel Boric, também sofreu ataques. O perfil citado na investigação chegou a divulgar vídeos manipulados do mandatário, apresentando-o como alcoolizado durante um discurso — algo que não aconteceu.
As revelações chegaram rapidamente à Justiça chilena: um grupo de deputados governistas denunciou os fatos ao procurador nacional, Ángel Valencia, solicitando uma investigação sobre a natureza dessas supostas redes de bots e trolls. Os parlamentares chegaram, inclusive, a pedir que José Antonio Kast seja convocado a depor.

“O que aconteceu muda as regras do jogo da campanha porque, por um lado, coloca o foco em uma zona cinzenta das relações entre estruturas partidárias e agitadores nas redes sociais, focados em exacerbar e capitalizar o descontentamento social”, disse à Sputnik o analista político chileno Marcelo Mella.

De fato, o especialista afirmou que a reportagem conseguiu colocar no centro da discussão um fenômeno que vem aparecendo nas últimas campanhas, desde as eleições de 2021 e nos processos constituintes de 2022 e 2023 — os primeiros pleitos eleitorais após a ‘Revolta Social’ de 2019.
Nas eleições de quatro anos atrás, apontou o analista, o debate político no Chile foi marcado por “um tom de maior agressividade”, principalmente associado à ascensão de “novos partidos da direita chilena”, como, por exemplo, o Partido Republicano de José Antonio Kast.
Segundo o especialista, o crescimento eleitoral do partido de Kast — que em 2021 disputou o segundo turno com Boric — “reforçou a ideia de que a polarização exacerbada traz bons resultados”, algo que está em sintonia com outras experiências internacionais.
Também em entrevista à Sputnik, a analista política especializada em processos políticos Javiera Arce destacou que as eleições de 2021 foram peculiares porque, em razão da pandemia de COVID-19, a campanha eleitoral chilena se concentrou fortemente nas redes sociais e na disseminação de mensagens políticas por meio de celulares.
Para a especialista, os processos constituintes de 2022 e 2023 apenas intensificaram essa tendência e favoreceram o uso de notícias falsas e interpretações distorcidas sobre muitas das propostas que se buscava incluir em uma eventual nova Constituição.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Chile, Gabriel Boric, em encontro em Brasília - Sputnik Brasil, 1920, 22.04.2025

“Dizia-se, por exemplo, que com a nova Constituição iriam tirar sua casa”, exemplificou a analista, ressaltando que Kast se aproveitou de muitas dessas ‘exagerações’ para reforçar sua posição contrária a uma nova Carta Magna.
A politóloga chilena enfatizou que esses grupos conseguiram construir “formas muito eficazes de coordenação” para lançar ataques nas redes sociais, especialmente dirigidos a “agredir mulheres” da política, como Jeannette Jara, candidata do governo e principal rival de Kast em um possível segundo turno, e Evelyn Matthei, candidata de centro-direita que aparece em terceiro lugar nas pesquisas e pode representar uma ameaça eleitoral ao líder do Partido Republicano no primeiro turno de novembro.

Quanto isso realmente impacta na campanha?

Apesar do impacto que as denúncias sobre esse tipo de rede tiveram na mídia e entre atores políticos chilenos, os especialistas consultados pela Sputnik divergem quanto ao nível de impacto que isso pode ter entre os eleitores.
Para Marcelo Mella, a revelação de uma “rede” de bots e trolls que ataca os adversários “causa um dano à candidatura de Kast”, que tem centrado sua campanha política na reprodução de mensagens semelhantes às atribuídas às contas anônimas.
“O impacto negativo para a imagem de Kast pode se multiplicar se ele não condenar abertamente o que a opinião pública tomou conhecimento nos últimos dias. A reação de Kast até agora tem sido evasiva e ambígua, sem reconhecer a gravidade do fato e a influência que esse tipo de prática tem no enfraquecimento da democracia no país”, afirmou Mella.
De fato, Kast minimizou a importância do tema ao ser questionado pela imprensa chilena e atribuiu a reportagem ao fato de que o jornalista Sergio Jara, irmão de Jeannette Jara, faz parte da equipe do canal que a veiculou. A emissora, por sua vez, negou em comunicado que Jara tenha participado da investigação.
Segundo o especialista, é possível que o episódio traga “consequências profundas” para a relação entre as candidaturas de Kast, Matthei e Johannes Kaiser, que seriam presumivelmente aliadas em um eventual segundo turno contra Jara.
O analista chegou a levantar a hipótese de que o caso interrompa a migração de apoios estratégicos que vinham favorecendo Kast, e até mesmo lhe tire o apoio da classe média, um setor que, segundo ele, “deseja recuperar a estabilidade”.
“Com os últimos acontecimentos, Kast tornou-se um investimento mais arriscado para o establishment e para eleitores de centro, o que pode ser decisivo em favor da candidatura de Matthei”, opinou.
Por sua vez, Javiera Arce alertou que Matthei é quem “tem mais condições de capitalizar politicamente esse episódio”, já que foi a primeira candidata a denunciar publicamente os ataques nas redes sociais.
Arce considera que o caso pode, simplesmente, “não importar” ao eleitorado de Kast, que tende a ser mais cético em relação à política e propenso a justificar ou generalizar esse tipo de prática a todos os candidatos.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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