SÃO PAULO, SP – A Casa Branca deve enviar a secretária do Interior, Deb Haaland -uma crítica contumaz do governo Bolsonaro- para ser a representante do governo americano na posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 1º de janeiro.
Havia uma expectativa de que a Casa Branca fosse enviar a vice-presidente Kamala Harris para a cerimônia, como um sinal de prestígio. Os EUA vêm fazendo muitos gestos de aproximação com o novo governo, inclusive com a visita do assessor de segurança nacional, Jake Sullivan, ao presidente eleito no início deste mês.
Mas, segundo fontes diplomáticas, a escalação de Haaland tem forte valor simbólico. Ela é a primeira indígena a ser secretária (equivalente a ministra) nos EUA e tem papel central na implementação da agenda ambiental e climática do presidente Biden.
Como deputada da ala mais à esquerda do Partido Democrata, Haaland foi uma das maiores críticas do governo Bolsonaro e liderou diversas resoluções e cartas no Congresso americano pressionando a Casa Branca a não assinar acordos com o líder brasileiro.
Ela participou ou liderou resoluções pedindo que os Estados Unidos cancelassem a designação do Brasil como aliado preferencial extra-Otan, concedida durante o governo Trump, e suspendesse todo o apoio militar americano ao governo brasileiro, “a não ser que o Departamento de Estado se certifique formalmente de que medidas efetivas estejam sendo tomadas para evitar mortes injustificadas promovidas por agentes de segurança brasileiros, para investigar e judicializar mortes de ativistas e para cumprir com normas internacionais de direitos humanos”.
Nas vésperas da visita de Bolsonaro a Trump na Casa Branca, em março de 2019, Haaland publicou no Washington Post um artigo de opinião com a então deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) dizendo que Bolsonaro e Trump eram ameaças ao meio ambiente e às terras indígenas.
Em outubro de 2020, Haaland e outros três congressistas divulgaram uma carta contra o Acordo de Proteção de Tecnologia, assinado por Bolsonaro e o então presidente Donald Trump em 2019, que prevê o uso da base de Alcântara, no Maranhão, pelos Estados Unidos.
O texto pedia que o governo americano não participasse de projetos que colocassem comunidades quilombolas brasileiras sob risco de “ataques racistas e desapropriações”.
E ela, ainda quando era deputada, conseguiu aprovar uma emenda ao orçamento de Defesa para obrigar o governo Trump a fazer um relatório sobre direitos humanos no Brasil -a medida foi sancionada pelo republicano.
“Queremos que os EUA aumentem o escrutínio em relação ao desrespeito aos direitos humanos no Brasil, especialmente nas violações contra indígenas e afro-brasileiros”, disse a deputada à Folha de S.Paulo em maio de 2019.
Em 2020, Haaland também esteve entre os 22 deputados democratas que assinaram uma carta de solidariedade a Talíria Petrone, deputada federal (PSOL-RJ), com críticas às políticas “antidemocráticas e xenófobas” de Bolsonaro.
O nome e escalão do escolhido pelo presidente Joe Biden para representar os EUA na posse de Lula será examinado com lupa, em busca de sinalizações sobre a importância dada pelos americanos à relação com o Brasil.
Em 2015, o então presidente Barack Obama enviou o vice-presidente Joe Biden para representar o governo americano na posse da presidente reeleita Dilma Rousseff. Na época, a Casa Branca avaliou que seria importante enviar o vice-presidente por ser um momento em que as relações entre Brasil e Estados Unidos ainda passavam por sérias turbulências. No fim de 2013, havia estourado o escândalo da NSA, com vazamentos revelando que a agência de segurança nacional americana havia espionado a presidente Dilma e a Petrobras. Isso levou Dilma a cancelar a visita de Estado que faria aos EUA em outubro de 2013.
Na posse de Bolsonaro, os EUA enviaram o secretário de Estado Mike Pompeo – e já haviam mandado o então assessor de Segurança Nacional, John Bolton, para se reunir com Bolsonaro eleito.