“Da natureza geográfica à combinação populacional, o país que mais se beneficia do crescimento econômico da Venezuela é a Colômbia (e vice-versa). Um dos fatores dessa retomada econômica venezuelana também é a distensão na relação com a Colômbia no governo Gustavo Petro. Assim, embora ainda não se tenha chegado a um ponto ótimo, já ajuda a movimentar um pouco. A Venezuela tem um problema seríssimo, que é a própria moeda corrente ter sido muito desvalorizada. É um processo inflacionário absurdo. E a circulação de formas de moeda por meio de trocas é muito importante no país. Na fronteira tem uma moeda, que se negocia com ouro, com dólar paralelo, com euro paralelo. O bolívar não vale muito, o petro (que é uma moeda digital) não avançou no sistema de trocas. Enfim, o crescimento econômico da Venezuela é importante para o entorno, mas é mais importante para se criar algum grau de estabilidade monetária no interior do país”, elencou.
O que Nicolás Maduro pode apreender do legado de Hugo Chávez?
“Quando o Brasil entra em cena, é uma coisa monstruosa. O Brasil é como se fosse um elefante, um paquiderme. Demora para se mexer. Quando se mexe, muda tudo ao seu redor. É esse crescimento combinado, quase uma concorrência entre países do Sul, uma concorrência positiva, cria um círculo virtuoso. Então qualquer retomada da economia venezuelana pode vir a criar esse círculo virtuoso. Está muito distante do que foi a Venezuela de Chávez, mas qualquer retomada é importante, ainda mais na situação quase desesperadora que a Venezuela viveu até pouco tempo atrás.
O quão estável é esse crescimento da atual economia venezuelana?
“O nível de pobreza lá é muito alto ainda. E o papel dessa associação entre empresa e Estado é muito elevado. Como a Venezuela quer atrair investidores de qualquer maneira e quer preservar os capitais privados que tem, é quase uma situação-limite para quem é do mundo do trabalho formal”, explicou Rocha.
“Os fundamentos macroeconômicos da Venezuela (eu não estou falando de economia financeira; estou falando de produção, energia, remuneração da força de trabalho, capacidade de reinvestir) estão baixos ainda. Pode demorar um pouco até essa recuperação chegar a ser plena ou, quiçá, comparável à dos primeiros dez anos do século XXI, com Chávez à frente.”
Venezuela e o 3º governo Lula
“O Brasil passa a ter um papel muito importante nisso ao criar a normalização das relações diplomáticas com a Venezuela (porque o que o [presidente Jair] Bolsonaro fez é um absurdo, é uma aberração) e, na sequência, insistir em uma saída diplomática mas com a plena devolução de direitos econômicos. É preciso ressarcir o prejuízo que a Venezuela teve, porque a Venezuela foi roubada. Repito: ela foi roubada com a Citgo, que era da PDVSA nos Estados Unidos, e com os depósitos em ouro que estão em Londres. Eles foram roubados e estão rendendo de forma roubada, e as justiças dos Estados Unidos e da Inglaterra insistem em formalizar esse roubo. Então a diplomacia brasileira tem um papel muito importante nisso. E pode, inclusive, ser o pivô dessa renegociação ampla.”
“E o Brasil tinha essa capacidade com as construtoras, com a construção pesada, com as empreiteiras, com o complexo de obras de infraestrutura que a [Operação] Lava Jato quebrou. Então também vai ao encontro de remontar um setor da construção civil no Brasil pós-Lava Jato.”
“Sempre tenho muitos pés-atrás com […] a posição dos Estados Unidos […] [quanto à] América Latina, mas, sem tergiversar, o gesto de Biden mais correto seria, de novo, devolver a Citgo e insistir com seu aliado subalterno, que é a Inglaterra, para a devolução do ouro roubado. A caneta do presidente é muito forte nos Estados Unidos. É mais forte que no Brasil, por exemplo, com relação à distribuição de poderes entre Executivo e Congresso. Então é importante que aquilo que depende da caneta presidencial, o Biden sinalize [a devolução da Citgo]”, avaliou.
“Isso seria muito relevante. Porque não precisa ser muito inteligente para entender que entre Estados Unidos e Venezuela a única chance de incidência direta neste momento é um golpe de Estado, que está cada vez mais distante. Isso ou a retomada de um pacto democrático com uma centro-direita ganhando. E isso não está tão distante ao fim do governo Maduro”, argumentou. “Do contrário, toda saída venezuelana vai ser ir ao encontro das economias que são rivais ou concorrenciais aos Estados Unidos, por exemplo China, Rússia e Irã. Especificamente Rússia e Irã, pela posição também de país sancionado pela arrogância dos Estados Unidos.”
“As alianças históricas do Brasil são com os vizinhos latino-americanos, com os Estados Unidos, com a União Europeia, parceria comercial e empresarial com a China. O mundo é mais do que isso, e o Brasil vai se voltar aos vizinhos e vai se voltar às relações Sul–Sul, heterodoxas e pragmáticas. Talvez seja mais interessante para os Estados Unidos garantir que não vão interferir nessa aproximação Brasil e Venezuela do que a Venezuela ficar totalmente dependente de capitais de apoio da China, da Rússia e também do Irã (com maquinário pesado, maquinário agrícola etc.). Seria um ponto de vista lúcido, mas não tenho certeza de que o Departamento de Estado dos EUA tem essa lucidez.”
Fonte: sputniknewsbrasil