Assim como Juma, de “Pantanal”, a nova camisa da seleção de futebol tem um lado, digamos, selvagem. Com estampa de oncinha, a peça virou assunto nas redes sociais nesta semana, quando foi divulgada pela CBF, a Confederação Brasileira de Esporte, como o uniforme nacional da Copa do Mundo de 2022.
Disponível nos modelos amarelo e azul, a camiseta foi comparada a cenas da novela em que rosetas de onça-pintada ganham destaque e Alanis Guillen faz o papel de uma jovem que se transforma no bicho. Mas não é só pela semelhança com “Pantanal” que a roupa viralizou.
O vestuário futebolístico dificilmente põe foco em estampas com figuras ou detalhes chamativos. Se você quiser descrever um tradicional uniforme de futebol, por exemplo, basta falar sobre as cores e o símbolo do time em questão. Pronto, eis a base de qualquer roupa dessa modalidade esportiva.
Contrariando esse hábito, porém, a nova camiseta da seleção brasileira aposta numa estética conhecida como “animal print”, na qual peles de animais como onças, tigres, leopardos, zebras e cobras servem de inspirações para looks, acessórios e objetos de decoração.
A estampa de oncinha, que agora estará em campo nos jogos do Brasil, tem fama de dividir opiniões -há muitos que lhe chamam de cafona, por exemplo- e transmite múltiplas mensagens, a depender do contexto em que aparece.
Foi nos anos de 1930 que ela ganhou espaço na indústria têxtil, com o sucesso de “Tarzan”. Depois, na década de 1950, adquiriu uma faceta sexual, com a popularização da figura das pin-ups. E na década de 1970 se tornou símbolo de rebeldia, sendo incorporada pelo movimento punk. Mas a estética em si do animal print é anterior a tudo isso.
“[Detalhes corporais de animais] foram a primeira estampa da humanidade”, explica a designer especialista em estamparia Rosana Rodrigues. “No começo, humanos usavam peles de animais [como roupas] para se proteger do frio. Depois, desde a Antiguidade, plumagens de aves e outras peles foram ligadas à ideia de poder e de força.”
Segundo a CBF, a roseta da onça-pintada na camiseta nacional é uma homenagem à “coragem e cultura de um povo que nunca desiste”. Quando a instituição divulgou a roupa, afirmou que era inspirada “na garra e beleza” do bicho, que é o terceiro maior felino do mundo e pode ser visto em quase todos os biomas brasileiros.
Para Rodrigues, a presença do animal print no uniforme está relacionada a conceitos como agilidade e força, que são marcas da onça -e também habilidades caras à seleção, que agora tentará, de novo, o tão sonhado hexa, depois de uma Copa do Mundo marcada pelo famoso sete a um contra a Alemanha, em 2014, e de outra Copa frustrada, sem grandes emoções, em 2018.
Além disso, Rodrigues ressalta que a nova coleção não passa batido, o que, claro, é ótimo para a Nike, fornecedora do material esportivo da seleção. A marca está vendendo a camisa por quase R$ 350 e o moletom, também com marcas de onça, por quase R$ 500.
Numa lógica à la “fale bem ou fale mal, mas fale de mim” -verso de um dos maiores hits de Melody-, Nike segue os passos de grifes como a Balenciaga, que lançou os polêmicos Paris Sneakers já sabendo do quão chamativos seriam.
A designer arrisca uma hipótese para tentar explicar por que o futebol não investe em uniformes ultraestampados -a de que o preto e branco da TV da época em que as partidas passaram a ser transmitidas limitaria a percepção desses pormenores.
Com a chegada da televisão a cores, ela explica, houve uma mudança na forma como as paletas davam as caras nas coleções de futebol. Mas diante de estereótipos de gênero e da alta visibilidade dada às seleções masculinas, a discrição foi mantida.
“Sabemos que o futebol masculino tem muito mais destaque que o feminino. E por uma questão cultural, o guarda-roupa feminino tem mais possibilidades de variações”, afirma Marcia Aguiar, professora de moda na FAAP e especialista em estamparia.
Aguiar diz ainda que a estampa de oncinha está, de certa forma, atrelada a uma imagem erotizada e feminina e, por isso, muitos homens optam por não vesti-la. Com a venda das camisetas, no entanto, a especialista acredita que há uma brecha para questionar essa lógica sexista.
“Simpatizo muito com a nova camisa. Remete à fauna brasileira de uma forma não clichê. E, claro, de garra.”