Reconhecida por sua atuação discreta na defesa de interesses religiosos na esfera pública, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) se consolidou como principal instituição de influência dos evangélicos no Poder Judiciário brasileiro.
Criada em 2012, a ANAJURE fornece base legal para projetos de lei que atendam aos interesses dos setores evangélicos. Durante o governo Bolsonaro, a entidade ampliou a sua atuação para garantir a nomeação de seus membros a altos cargos do funcionalismo público, revelou a revista Piauí.
A ANAJURE ainda defende pautas como a proibição do aborto – inclusive em casos atualmente permitidos por lei no Brasil – a liberdade religiosa, isenção fiscal para igrejas e o combate à chamada “ideologia de gênero”.
“A ANAJURE tem um histórico de enfrentamento direto nas pautas relacionadas ao segmento evangélico, seja nas questões de identidade de gênero, aborto, bíblias nas escolas, ensino religioso e funcionamento de igrejas em tempo de restrição de acesso durante o período da pandemia de COVID-19”, disse o doutor em Direito e Religião João Paulo Echeverria à Sputnik Brasil.
Desde 2014, a organização tem atuação destacada no Supremo Tribunal Federal (STF), onde adquiriu o status de “amiga da corte”, que permite o seu pronunciamento durante o julgamento de casos considerados da sua esfera de interesse.
© AP Photo / Eraldo PeresO presidente Jair Bolsonaro segura uma bandeira brasileira com texto que diz em português “Brasil sem aborto. Brasil sem drogas”
O presidente Jair Bolsonaro segura uma bandeira brasileira com texto que diz em português “Brasil sem aborto. Brasil sem drogas”
© AP Photo / Eraldo Peres
Apesar de ser normalmente associada à senadora eleita Damares Alves, que foi diretora de Assuntos Legislativos da organização, a ANAJURE e suas similares ganharam espaço ainda durante os governos petistas.
“Os governos Lula 1 e 2, assim como Dilma 1, 2 e Temer, foram justamente os que mais dialogaram com as organizações religiosas“, revelou Echeverria. “O governo Bolsonaro, embora tenha projetado essa inserção dos religiosos na política, na prática pouco fez de diferente se comparado com os governos Lula 1 e 2, com a exceção da indicação do ministro [do Supremo Tribunal Federal] André Mendonça.”
© Foto / Roque de Sá / Agência SenadoAndré Mendonça e Sérgio Moro, então Advogado-Geral da União e ministro da Justiça, respectivamente
André Mendonça e Sérgio Moro, então Advogado-Geral da União e ministro da Justiça, respectivamente
© Foto / Roque de Sá / Agência Senado
De fato, foi durante o governo Dilma Rousseff que a ANAJURE conseguiu assento inédito a entidades de juristas evangélicos na Organização dos Estados Americanos (OEA). O trânsito fluido da ANAJURE dentro do Itamaraty ainda garantiu que a entidade disputasse vaga no Comitê de ONGs da Organização das Nações Unidas (ONU). As investidas do grupo para obter assento nesse prestigiado comitê, no entanto, foram repetidamente bloqueadas por países como Cuba e China.
Influência dos EUA
Apesar das pautas defendidas pela ANAJURE dividirem os analistas, há amplo consenso sobre a capacidade de organização da entidade.
De acordo com a revista Piauí, o grupo possui sistemas de software que monitoram diariamente todas as publicações do poder público nacional, inclusive o Diário Oficial da União. Caso o sistema encontre palavras-chave associadas a agendas da ANAJURE, a equipe jurídica da entidade é imediatamente acionada para tomar medidas cabíveis.
Em 2016, o grupo também inovou ao criar a Academia ANAJURE, que busca imprimir uma “cosmovisão cristã” à aplicação do Direito no Brasil. Em 2023, o programa concederá 40 bolsas de estudo para estudantes recém-formados, aprovadas em processo seletivo que demanda a apresentação de carta de Recomendação Pastoral, que comprove sua ética cristã e atividades eclesiásticas.
A edição de 2019 do programa contou com a tutoria do ex-ministro da Educação do governo Bolsonaro, Milton Ribeiro, acusado de favorecer pastores na distribuição de verbas do ministério, além da participação em crimes de tráfico de influência, corrupção passiva e prevaricação.
© Folhapress / Pedro LadeiraMinistro da Educação, Milton Ribeiro
Ministro da Educação, Milton Ribeiro
A Academia ANAJURE foi criada com base no programa que a associação mantinha com a norte-americana Alliance Defending Freedom (ADF), que oferecia cursos nos EUA a alunos selecionados pela entidade brasileira. A ANAJURE, no entanto, considerava o número de alunos selecionados insuficiente, decidindo pela criação de uma academia própria em solo nacional, informou a Agência Pública.
Volta da esquerda ao poder
Apesar do número estimado de deputados e senadores pertencentes à bancada evangélica ter diminuído nas eleições de 2022, quando comparado ao de 2018, o aumento da bancada de agremiações como o Partido Liberal (PL) aponta para a manutenção do conservadorismo religioso no Congresso brasileiro.
De acordo com Echeverria, a agenda de costumes pode ficar em segundo plano durante o governo Lula 3, em função da necessidade de compor com grupos conservadores.
“Quanto às questões […] relacionadas ao aborto e gênero, a dificuldade política já se tornou menor quando, em campanha, o próprio Lula recuou”, considerou Echeverria. “Tanto o governo quanto as organizações religiosas já se voltam para o STF para que a corte trate do tema.”
Por outro lado, a pesquisadora do Laboratório de Estudos de Religião e Política das instituições Laberp, Fundaj e da Universidade Federal de Pernambuco Ana Carolina Marsicano ressalta que a formação de um grupo de trabalho sobre mulheres na equipe de transição do governo Lula é um sinal promissor, mas que ainda não define o posicionamento da próxima administração quanto aos direitos reprodutivos.
“Acredito que o ‘termômetro’ para sabermos a forma que o tema será tratado pelo governo Lula se dará através da indicação para o Ministério da Saúde, a criação do Ministério das Mulheres e a retirada da adesão do Brasil da Declaração de Consenso de Genebra, retomando o compromisso com a agenda dos direitos sexuais e reprodutivos”, disse Marsicano à Sputnik Brasil.
A oposição de organizações religiosas como a ANAJURE, no entanto, deve desacelerar a adoção de medidas protetivas aos direitos reprodutivos adquiridos e se opor energicamente aos avanços desta pauta.
© Folhapress / Cris FagaProtesto contra a liberação do aborto no Brasil na avenida Paulista, em São Paulo
Protesto contra a liberação do aborto no Brasil na avenida Paulista, em São Paulo
“É importante destacar que setores evangélicos conservadores vão continuar se fazendo representar na política institucional […] e também no âmbito social, através da mobilização de ativistas antiaborto junto de políticos conservadores”, notou Marsicano.
O engajamento social dessas entidades se manifestou recentemente em casos como o da menina de dez anos, assediada por manifestantes no Espírito Santo após ter obtido o acesso a aborto legal, lembrou a pesquisadora.
“Não enxergo no horizonte qualquer alteração na estrutura de poder dessas organizações religiosas, pois a tendência, como no passado, é que ocupem os espaços independentemente do governo que se estabelece no poder”, asseverou Echeverria.
Segundo ele, “embora haja um aparente distanciamento das organizações religiosas diante desse novo governo que se avizinha, fato é que dificilmente esse distanciamento se materializa na prática“.
“A ANAJURE continuará atuando normalmente, mas […] a tendência é que a associação tenha bastante trabalho pela frente“, concluiu Echeverria.
A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) é uma organização, composta por juristas brasileiros, que atua nacional e internacionalmente pela defesa de pautas religiosas frente às instituições laicas. A entidade conta com cerca de 800 associados no Brasil e está representada em 23 unidades da Federação, de acordo com dados da entidade.
Fonte: sputniknewsbrasil