“É muito provável que isso [a guerra comercial] aconteça. A estrutura do sistema internacional mudou muito nos últimos anos, a erupção da China como grande potência econômica, como uma vanguarda tecnológica, e a imantação da China em relação aos seus vizinhos na Ásia-Pacífico é uma coisa que mudou a estrutura do sistema internacional. Não temos mais um sistema unipolar.”
“Há uma questão econômica importante, porque os norte-americanos já não exercem, nem podem exercer mais, o domínio econômico que durante muito tempo exerceram sobre a Europa. A Europa, hoje, tem a alternativa que é a China. O projeto da China da Nova Rota da Seda inclui os europeus. E os europeus consideram isso uma coisa interessante, de modo que aquela harmonia que havia entre EUA e Europa tende a se perder, a ser ultrapassada.”
“Isso também não é novo, esse foi sempre o comportamento dos EUA. Ao mesmo tempo em que, para fora, defendem o livre comércio; dentro, eles praticam o protecionismo. Podemos dizer que essa é a grande diferença entre a hegemonia econômica norte-americana e a hegemonia inglesa econômica no século XIX. Os ingleses eram autenticamente livre cambistas, ao passo que os EUA não”, explica Gonçalves.
“Isso era uma coisa muito evidente, inquestionável, enquanto houve a Guerra Fria. A posição dos EUA e seus interesses se estendendo, sendo confundidos com os interesses de todos os aliados foi uma tônica, todos se submeteram à estratégia dos EUA. Isso sofreu algumas mudanças com o fim da Guerra Fria, com a dissolução do bloco soviético e da própria União Soviética. Deu alguma autonomia maior para os aliados, e essa autonomia, essa flexibilidade política, aumentou ainda mais com a ascensão da China. Portanto, os interesses dos EUA não podem mais ser confundidos automaticamente, sistematicamente, com os interesses de todo o mundo”, explica Gonçalves.
“Ela [a democracia nos EUA] não está ameaçada de fora. Não é nenhuma invasão, são os próprios norte-americanos que hoje lançam desafios, como Donald Trump fez e seus seguidores continuam fazendo. Portanto, a crise norte-americana é uma crise real. Não resta aos EUA senão fazer tudo para recuperar sua posição. E isso, naturalmente, implica nesse protecionismo, nesse egoísmo e, consequentemente, em relações cada vez mais difíceis com aqueles que até então eram ‘os amigos do peito'”, diz Gonçalves.
Fonte: sputniknewsbrasil