Audiência pública em Bambuí discute segregação de pais e filhos durante política de isolamento compulsório em MG e medidas de reparação


Também foi realizada visita às instalações da antiga colônia que recebeu pessoas com hanseníase em Bambuí (MG)


Foto: Arthur Custódio/ Morhan

O Ministério Público Federal (MPF) realizou audiência pública para discutir questões relacionadas às medidas de reparação aos filhos e às filhas das pessoas atingidas pela hanseníase no estado de Minas Gerais. O evento ocorreu na Casa de Saúde São Francisco de Assis, antiga colônia situada na Fazenda da Lagoa, zona rural de Bambuí (MG), município localizado a cerca de 270 km de Belo Horizonte (MG), em 18 de outubro.

A audiência contou com a participação de representantes das ex-colônias de Bambuí, Betim e Ubá, que deram testemunhos sobre a política de isolamento compulsório, sobre a separação dos filhos de pais atingidos pela hanseníase. Também falaram sobre as consequências sociais e emocionais da segregação social e da separação entre pais e filhos, sobre graves violações de seus direitos e maus tratos sofridos em instituições denominadas preventórios e educandários, para onde os filhos eram levados.

Também foi abordada a insuficiência das políticas públicas existentes de reparação aos filhos dos atingidos pela hanseníase. Foram ainda relatadas questões atuais, ligadas à falta de atendimento primário à saúde na ex-colônia de Bambuí. Houve ainda relatos sobre problemas de falta de acesso à água e luz e de falta de transporte, entre outros.

Reparação – Outro problema levantado foi sobre a insuficiência do valor da indenização prevista na lei estadual 23.137/2018, no valor de apenas R$14 mil, para filhos segregados de pais com hanseníase em Minas Gerais.

Durante a audiência pública, os procuradores da República Edmundo Antonio Dias e Ângelo Giardini de Oliveira explicaram aos participantes que o MPF pretende buscar medidas de reparação aos danos causados a essas famílias e ressaltaram a enorme insuficiência da lei criada pelo estado de Minas Gerais. “Diante das gravíssimas violações sofridas por filhos e pais que foram separados durante a política de isolamento compulsório de pessoas acometidas pela hanseníase, a evidente insuficiência de indenização de apenas R$14 mil é uma nova agressão que revitimiza quem sofreu os efeitos da política de segregação que perdurou por tanto tempo em nosso país. Esse reduzidíssimo valor obviamente não atende aos parâmetros do art. 5º., inciso V, da Constituição de 1988. A reparação monetária é uma das perspectivas, mas é importante trabalhar em várias frentes para a construção de uma política de reparação consistente e efetivamente justa”, afirmaram os procuradores.

O coordenador nacional do Movimento de Reintegração de Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) Athur Custódio, considerou que “audiência foi histórica, no sentido de trazer à tona os crimes de Estado cometidos contra estas pessoas na política de segregação da Hanseníase ela deveria ter acabado na descoberta da cura, mas prosseguiu por muito e muitos anos, separando famílias, separando pessoas, causando sofrimento e aumentando o estigma, na verdade a gente avalia que isso foi um crime contra a humanidade”.

Além de medidas relacionadas à alteração do valor da indenização, o MPF pretende atuar para a preservação do patrimônio histórico da ex-colônias, instituindo espaços de memória no contexto da política de isolamento compulsório de pessoas acometidas pela hanseníase. Para nortear a atuação do MPF, na parte da manhã foi realizada visita às instalações da antiga colônia em Bambuí (MG).

A audiência contou com a participação dos representantes do Morhan, Donizete Custódio Rodrigues, Ivone Maurício, Vicente Ferreira, Pedro de Paula Costa e de seu coordenador nacional Athur Custódio; dos procuradores da República Ângelo Giardini de Oliveira e Edmundo Antonio Dias; do defensor público de Minas Gerais Paulo César Azevedo de Almeida, e da diretora da Casa de Saúde São Francisco de Assis, Vanessa Cristina Leite da Silveira.

Atuação do MPF – Em 2015, o MPF recomendou à União que assegurasse, a todos os requerentes da pensão especial prevista na Lei 11.520/07 que tiveram seus pedidos negados, a efetivação do direito à ampla defesa e ao contraditório, permitindo ampla produção de prova documental, testemunhal, e, caso necessária, prova pericial, conforme prevê a própria lei que criou essa pensão especial.

Como a recomendação não foi acatada pela União, o MPF ingressou em 2017 com ação civil pública, para que todas as pessoas, que tiveram seus direitos indeferidos com fundamento apenas na ausência de provas documentais, sem que tenham sido realizadas quaisquer diligências adicionais, como colheita dos seus depoimentos ou oitiva de testemunhas, tivessem os seus requerimentos revisados pela União e pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Na ocasião, para o ajuizamento da ação, o MPF visitou a antiga colônia Santa Isabel, localizada em Betim (MG), onde ouviu depoimentos de pessoas que foram vítimas da política de isolamento compulsório.

Quase dois anos após seu ajuizamento, a ação foi extinta pela Justiça Federal sem julgamento do mérito. O MPF apresentou recurso de apelação, que ainda não foi julgado.

Íntegra da ata da audiência pública

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