Pela segunda Copa do Mundo consecutiva, o desapego do brasileiro quanto ao torneio atinge a casa dos 50% da população. Pesquisa Datafolha aponta que, a três meses do Mundial no Qatar, 51% dos entrevistados afirmam não ter interesse no assunto.
O número é semelhante ao registrado antes da competição na Rússia, em 2018. Na época, a indiferença chegou a 53%.
O levantamento deste ano foi realizado entre 27 e 28 de julho. Foram ouvidas 2.556 pessoas com 16 anos ou mais, espalhadas por 183 municípios do país. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Os dois últimos mundiais registraram um desinteresse bem maior do que o observado desde 1994, quando o instituto começou a medir o humor da população antes do torneio. A exceção é 1998, quando não foi feita a pesquisa.
Antes da Copa de 1994, 20% disseram não ter qualquer preocupação com os jogos. Em 2002, eram 22%. Quatro anos mais tarde, o número caiu para 10%. Em 2010, subiu para 20%. A meses do Mundial de 2014, realizado no Brasil, saltou para 36%. E disparou em 2018 e 2022.
O nível dos que responderam ter “grande interesse” no evento também sofreu queda histórica, embora tenha apresentado melhora numérica em relação a 2018. Neste ano, foram 22% os que se encaixaram nesta categoria, mais do que os 18% de quatro anos atrás. Antes disso, 56% estavam entusiasmados em 2014, 42% em 2002, 51% em 2006, 42% em 2010 e 25% em 2014.
Um dos possíveis motivos para os números é um afastamento da seleção brasileira em relação ao torcedor. Neste ano, a equipe jogou no país duas vezes, ambas pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo (Paraguai e Chile). Quando teve de disputar os amistosos, seguiu a tendência registrada nos últimos anos: foi para o exterior. Atuou contra Coreia do Sul e Japão em uma excursão pela Ásia.
É um problema reconhecido pelo atual presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues.
“Existe realmente um afastamento muito grande da seleção brasileira para com seu torcedor. Isso em grande parte por conta dos jogos amistosos no exterior. Tem um contrato que vence agora em 2022. Queremos a seleção mais perto do torcedor, também dos patrocinadores e da imprensa”, disse o dirigente, em entrevista ao ge.com.
A queda do interesse do brasileiro pelo Mundial tem uma série de explicações, esportivas e políticas. E não pode ser considerada um fenômeno recente.
“O Brasil não é a pátria de chuteiras já há algum tempo”, observa o professor Ronaldo George Helal, coordenador do Grupo de Pesquisa Esporte e Cultura da (Uerj) Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Autor de estudos que analisam a cobertura da mídia no futebol brasileiro em publicações internacionais, ele lista uma série de fatores que influenciam esse desinteresse.
“A Copa do Mundo se sustenta na ideia de que a seleção representa a nação, mas as pessoas estão cada vez mais descoladas disso. Há uma globalização maior, pouca identidade com a seleção. Tanto que o 7 a 1 [da semifinal em 2014, contra a Alemanha] não virou um trauma. Virou um meme. Uma coisa é não ter interesse pela seleção, outra é não ter interesse pelo seu clube. Há pessoas que acompanham muito mais o seu time do que a seleção. Isso era impensável na década 1970, até 1982”, completa.
Para Bernardo Buarque de Hollanda, professor da Escola de Ciências Sociais do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil), da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o percentual registrado pelo Datafolha não é algo “fora da curva”. Isso por uma série de fatores.
“Não seria tão alarmista no sentido de que houve grande mudança na última década. Há uma transição no modo de viver uma Copa do Mundo a cada quatro anos. Há o fortalecimento da atividade clubística. Essa correlação [entre clubes e seleção] deixou de ser tão equilibrada quando os ícones da seleção deixaram de ser os ícones dos clubes nacionais. Há todo esse conjunto de mudanças e variáveis que ajudam a explicar esse decréscimo”, analisa.
O que os dois pesquisadores enxergam também é a questão política, as eleições presidenciais marcadas para este ano e o uso da camisa da seleção por forças consideradas conservadoras.
“Há o arrefecimento da marca identitária da seleção brasileira. Existe uma discussão sobre o significado da camisa verde e amarela na conjuntura política atual, que nos últimos anos voltou a embaralhar essas relações entre futebol e política, o que se acreditava antes serem elementos antagônicos. Temos um calendário diferente neste ano. O torneio será no final do ano, logo depois do pleito eleitoral nacional”, explica Buarque de Hollanda.
“Existe esse sequestro do símbolo [a camisa] por parte de grupos mais extremistas. As pessoas associam esses grupos à vitória da seleção. A Copa começa três semanas depois das eleições… Tem aquela coisa de de que alguns jogadores de futebol têm posições mais conservadoras. A camisa da CBF também está associada à corrupção, e macularam a camisa da seleção”, concorda George Helal.
Esse é um distanciamento sentido também pelos principais jogadores da equipe.
“Brasileiro é muito rigoroso e mal-acostumado, mas, quando eles estão juntos para apoiar, é algo surreal. Mas hoje em dia a seleção se distanciou muito do torcedor. Não sei como isso aconteceu, mas os nossos jogos hoje são pouco comentados. Isso é ruim”, admitiu Neymar, capitão e principal jogador do país, em participação no podcast Fenômenos, do ex-atacante Ronaldo. “É triste estar vivendo nessa geração em que a seleção não é importante quando joga. Na época em que eu era criança, o jogo da seleção era um evento. Hoje não tem importância.”
Mas, apesar de Neymar citar “essa geração”, referindo-se aos jovens, o maior desapego com a Copa do Mundo registrado pelo Datafolha está entre os mais velhos. Foram 55% dos entrevistados entre 35 e 59 anos os que disseram não ter interesse com o torneio. O número cai para 51% entre os maiores de 60 anos.
O desinteresse diminui para 34% na faixa etária de 16 a 24 anos e chega a 51% dos 25 a 34.
O número dos que disseram ter “grande interesse” com a Copa é maior também entre os que têm de 16 a 24 anos: 32%. Para os entrevistados de 45 a 59, o percentual diminui para 18% e é o mais baixo.
Os homens têm maior atração pelo torneio do que as mulheres. No total, 28% deles responderam ter grande expectativa, e 44% não têm nenhuma. Para elas, os números são, respectivamente, 17% e 56%.
Entre as diferentes regiões do país, o maior interesse registrado para a Copa do Mundo está entre os entrevistados do Norte (29%), enquanto número diminui no Nordeste (26%), no Centro-Oeste (23%), no Sudeste (20%) e no Sul (17%).
A situação se inverte entre os que declararam maior descaso. O maior percentual está no Sul (58%) e passa para 53% no Sudeste, 48% no Centro-Oeste, 47% no Norte e 44% no Nordeste.