Em ADI apresentada ao STF Aras argumenta que ato cria regras e viola princípios constitucionais da liberdade de expressão e proporcionalidade
Foto: Antonio Augusto/Secom/MPF
O procurador-geral eleitoral, Augusto Aras, apresentou, nesta sexta-feira (21), ação direta de inconstitucionalidade (ADI), com pedido de medida cautelar, contra trechos da Resolução 23.714, de 20 de outubro de 2022, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De acordo com a resolução, os conteúdos já considerados falsos pelo próprio TSE poderão ser retirados do ar imediatamente, quando republicados em outros sites, sem a necessidade de abertura de nova ação ou julgamento, em prazo de até duas horas, independentemente de manifestação do Ministério Público Eleitoral. Na véspera do pleito, esse prazo pode ser reduzido para uma hora. A regra também estabelece multa de até R$ 150 mil por hora de descumprimento de decisão para retirada de conteúdo e prevê a possibilidade de suspensão de perfis, contas ou canais mantidos em mídias sociais.
Na inicial, aponta-se que vários artigos da resolução seriam inconstitucionais, violando os dispositivos da Constituição “constantes dos arts. 5º, II, 22, I, e 37, caput (competência legislativa sobre direito eleitoral e exigência de tipicidade estrita como corolário do princípio da legalidade); dos arts. 5º, IV, IX e XIV, e 220, caput (liberdade de expressão de manifestação do pensamento e de comunicação por qualquer veículo, independentemente de censura prévia); do art. 5º, LIII, LIV e LV (princípio da proporcionalidade, deveres de inércia e de imparcialidade do magistrado, garantia do duplo grau de jurisdição e princípio da colegialidade, como expressões do devido processo legal substantivo); e dos arts. 127, caput, e 129, II, VI e VIII (funções institucionais do Ministério Público Eleitoral)”.
Quanto ao artigo art. 2º, caput – que veda a divulgação ou compartilhamento de “fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” –, Aras pede que seja conferida interpretação conforme à Constituição a fim de afastar do seu alcance a livre manifestação de opiniões e de informação acerca dos fatos a que se refere. “O antídoto para a desinformação é mais informação, e não a censura. No espaço democrático, a palavra, o voto, é o poder do cidadão. O sufrágio universal não se limita ao momento de depositar o voto na urna, na manifestação direta do poder de decidir os rumos da nação. A democracia se faz com a participação ativa dos cidadãos, sobretudo nos espaços de diálogo, sendo induvidoso que a internet revela-se hoje como espaço dos mais acessíveis para a manifestação do pensamento”. Aras cita Alfred E. Smith para dizer que “Todos os males da democracia se podem curar com mais democracia”.
Já o art. 4º, caput, da Resolução 23.714/2022 possibilita a suspensão temporária de perfis, contas ou canais em redes sociais em caso de produção sistemática de desinformação. Para o PGR, essa medida é desproporcional. De acordo com ele, o eventual uso abusivo das redes deve ser corrigido pela retirada de conteúdos, e não pela “supressão desses espaços, alijando as pessoas de seus ambientes virtuais de atuação, no exercício da cidadania”. “A manifestação do pensamento, sem censura prévia, é tanto um espaço imune à intervenção estatal, como também é pressuposto da própria democracia, que exige um espaço livre para troca de opiniões”, lembra. Além disso, tais medidas podem ser tomadas por iniciativa da presidência do TSE, o que amplia o poder de polícia do presidente do TSE em prejuízo da colegialidade, do juízo natural e do duplo grau de jurisdição. Na inicial, destaca-se que “permitir a ação uníssona e unilateral do órgão jurisdicional, desde o início da verificação do ilícito eleitoral até a decisão e aplicação de sanção, com a supressão da representação do Ministério Público e a ausência de previsão da possibilidade de provocação da Corte Eleitoral pelos candidatos interessados e partidos e coligações respectivas, abre espaço para atuação não desejada, arriscando-se a imparcialidade da jurisdição”.
O PGR aponta que, apesar da relevância do combate às fake news, especialmente no contexto eleitoral, medidas como a interdição total de perfis configuram censura prévia vedada pelo texto constitucional. “Embora compreensível a iniciativa para o enfrentamento da desinformação que atinge a integridade do processo eleitoral, não há como se admitir que esse combate resulte em atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, tampouco censura prévia de opiniões ou da liberdade de informação, asseguradas de forma ampla pelo texto constitucional”, sustenta. Aras afirma também que a retirada de conteúdos sem manifestação do Ministério Público viola o devido processo legal.
A lei das eleições já trata em detalhes das permissões e vedações para propaganda eleitoral, com sanções para o descumprimento das normas. Há um tópico específico para a propaganda na internet, com multas previstas em valores que vão de R$ 5 mil a R$ 30 mil. Ao fixar multas de R$ 100 mil a R$ 150 mil por hora de descumprimento da vedação de divulgação de fake news, o TSE ampliou penalidades previstas em lei em mais de 400%.
Violação da prerrogativa do MP – O artigo 8º da Resolução 23.714/2022 revogou o art. 9º-A da Resolução 23.610/2019, que “dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral”, incluído pela Resolução 23.671/2021. A nova norma autoriza, ainda, à presidência do TSE, também sem provocação prévia por parte do Ministério Público Eleitoral, a extensão da decisão firmada com base no art. 2º “para outras situações com idênticos conteúdos”, com previsão de aplicação de igual sanção (art. 3º da resolução impugnada).
Na ação, o PGR salienta que o Parquet tem à sua disposição procedimentos específicos para o trabalho investigativo, que, na seara eleitoral, servem à apuração de atos que possam se configurar como atentatórios à lisura e regularidade do processo eleitoral. Aras lembra que a revogação pura e simples da previsão do art. 9º-A exclui do processo eleitoral amplamente considerado o principal e mais relevante agente constitucionalmente previsto na defesa do regime democrático, violando o art. 127, caput, da Constituição. “A preservação da legitimidade do Ministério Público Eleitoral para participação ativa no processo eleitoral – assegurando-lhe a representação inicial ou intimação para manifestação previamente à decisão –, estabelecida na Constituição, na Lei Complementar 75/1993 e na legislação eleitoral, é medida inafastável, sob pena de comprometimento dos respectivos procedimentos”, ressalta Augusto Aras.
Segundo o procurador-geral, é preciso avançar no combate à desinformação, buscando aperfeiçoamento dos instrumentos legais. “Esse aperfeiçoamento, contudo, há de se fazer sem atropelos, no ambiente democraticamente legitimado para essas soluções, que é o Parlamento, no momento adequado, em desenvolvimento contínuo de nossas instituições e do nosso processo civilizatório”, conclui, pedindo que o STF suspenda imediatamente a eficácia da norma e, ao final, determine a inconstitucionalidade dos dispositivos questionados.