(UOL-FOLHAPRESS) – O Órgão Especial do TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) aprovou o pagamento de verbas retroativas a 2006, a serem acrescentadas aos salários dos juízes e desembargadores do estado. Nos cálculos do presidente da Corte, desembargador Arthur Carvalho, o custo será de cerca de R$ 5 bilhões, entre vários “penduricalhos”, como o adicional do tempo de serviço, ou quinquênio.
A contragosto dos colegas de plenário, ele defendeu na sessão, realizada no dia 14 de setembro, que o caso seja analisado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) antes que qualquer pagamento seja feito.
“Eu não vou fazer um pagamento de R$ 5 bilhões sem submeter esse valor ao Conselho Nacional de Justiça. Tenho certeza de que qualquer um dos senhores não faria de outra maneira”, disse Carvalho durante a votação unânime -o Órgão Especial do tribunal é formado por 25 desembargadores, mas não foi divulgado se todos estavam presentes na sessão.
Em uma petição ao CNJ nesta semana, Carvalho disse que uma parte dos pagamentos é correta e incontroversa. Essa parcela, cujo valor se ignora, foi creditada na conta dos magistrados em 1º de outubro. A outra parte só vai ser paga com o aval do conselho, afirmou o desembargador.
Procurada pelo UOL, a assessoria do TJ de Minas disse que a estimativa precisa do custo do pagamento de verbas retroativas ainda está sendo quantificada.
O valor de R$ 5 bilhões seria o suficiente para bancar quase um mês do Auxílio Brasil quando ele ainda era de R$ 400. Antes de ser elevado, o benefício consumia R$ 7 bilhões por mês -são 18 milhões de famílias atendidas.
O TJ de Minas justificou a decisão de pagar verbas retroativas após o tribunal fluminense aprovar pagamentos semelhantes no ano passado, como o UOL revelou. No Rio, até os promotores -que integram o Ministério Público- se movimentaram para obter as verbas retroativas, principalmente adicional de tempo de serviço.
Em Minas, os colegas de Carvalho criticam seu posicionamento -de consulta ao CNJ- mesmo depois de serem informados do volume de dinheiro a ser desembolsado dos cofres públicos. O UOL obteve uma das cópias do vídeo da sessão na qual um desembargador -não é possível identificar qual deles pelas imagens- disse que o corregedor do CNJ, ministro Luís Felipe Salomão, tem origem na magistratura do Rio, que já recebe o benefício.
“Presidente, eu acho que não vai ter problema nenhum, não, porque o ministro Salomão tá recebendo [pelo] Rio”, diz o desembargador, antes de emendar uma risada.
O UOL solicitou à assessoria do TJ de Minas a ata com a lista de presença a transcrição completa da sessão de 14 de setembro, mas não obteve o documento.
Atualmente, um desembargador do TJ de Minas ganha R$ 35 mil brutos por mês, quase o limite salarial do STF (Supremo Tribunal Federal), que é de R$ 39 mil mensais. Já um juiz de primeira instância recebe pelo menos R$ 30 mil brutos mensalmente, segundo o Portal da Transparência.
Interpretação do STF. O pagamento de verbas retroativas se deve a uma interpretação de um julgamento do STF, de acordo com declarações do presidente do TJ-MG, na sessão que tratou do tema.
Em 2014 (por liminar) e 2020 (julgamento da decisão), o Supremo decidiu que o teto salarial dos desembargadores era igual ao deles –hoje fixado em R$ 39 mil mensais. Por isso, interpreta-se que essas verbas pessoais precisam ser reajustadas e pagas retroativamente há 16 anos.
“É uma interpretação que o Rio Janeiro fez com relação à abrangência e à extensão do voto da ministra [do STF, Rosa Weber], que poderá não ter essa abrangência e essa extensão”, afirmou Carvalho no julgamento do TJ-MG.
“Por isso a necessidade de submeter essa questão ao CNJ, para que ele se posicione se a interpretação dada pelo ilustre corregedor no voto é realmente vem de maneira coerente com o que foi decidido pelo STF”, disse o presidente do tribunal mineiro.
TJ vê ‘premissa aplicável’. Em nota, a assessoria do TJ de Minas afirmou que a decisão do Supremo criou uma “premissa aplicável” a outras situações. “O Supremo Tribunal Federal decidiu, com repercussão geral, (..) estabelecendo premissa a ser aplicável em todas as situações jurídicas idênticas”, diz.
O tribunal avaliou que “eventual equívoco no pagamento de servidores ou magistrados, fundado em decisão judicial, pode repercutir na composição de saldo retroativo”. “Inviável tecer qualquer consideração quanto à expressão ‘supersalário’, até porque de conteúdo indeterminado”, afirma a nota.
O presidente da Amagis (Associação de Magistrados de Minas), o juiz Luiz Carlos Rezende, disse ao UOL considerar o aumento um “direito adquirido”.
“O que ocorreu foi que o STF reconheceu que as vantagens pessoais (relacionadas ao tempo de serviço) que os magistrados possuíam ao tempo da entrada em vigor da Emenda Constitucional 41 [que trata da remuneração e do subsídio dos servidores] não poderiam ser excluídas da remuneração de cada um deles, posto que acobertadas pelo direito adquirido”, disse o juiz Luiz Carlos Rezende.
Se os penduricalhos excederem o limite legal, há os chamados “supersalários”. O presidente da Amagis, porém, nega a possibilidade de isso acontecer. “O máximo que ocorrerá será a remuneração do magistrado chegar ao teto do STF”, afirmou o juiz, em respostas encaminhadas por email à reportagem.
A reportagem perguntou ao CNJ e ao Conselho Nacional do Ministério Público se há uma estimativa de gasto se todos os 27 tribunais e Ministérios Públicos tomarem a mesma decisão do TJs do Rio e Minas. O CNJ não se manifestou.
Os promotores dizem não saber o custo da medidas “Depende de estudo aprofundado, para o qual esta Comissão [de Controle Administrativo e Financeiro] não dispõe, no momento, de elementos de informação suficientes”, disse a assessoria do CNMP.