Acordo entre Inea e empresas envolvidas para elaboração de medidas compensatórias foi celebrado sem qualquer consulta prévia, formal e informada às populações tradicionais existentes na região e fortemente afetadas pelos danos socioambientais decorrentes da poluição ambiental praticada no local
Gramacho já foi o maior lixão da América Latina. Crédito: Wikimedia Commons
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com recurso ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), para que a comunidade de pescadores de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, contribua com os processos decisórios que dizem respeito à reparação ambiental, no aterro de Jardim Gramacho, “já que a comunidade pesqueira é a mais negativamente afetada, diante da degradação ambiental, e a maior interessada na despoluição da Baía de Guanabara”.
A apelação se dá após a 2ª Vara Federal de Duque de Caxias proferir sentença de improcedência dos pedidos formulados pelo MPF em ação civil pública, movida em janeiro de 2019, sob o argumento de que não foi comprovada a existência de um grupo de pescadores artesanais com características específicas para fins de reconhecimento como comunidade tradicional e grupo culturalmente diferenciado.
Para o MPF, o que a sentença aponta como fatos comprobatórios a afastar o reconhecimento da Colônia de Pescadores de Duque de Caxias como povo tradicional, são justamente consequências do processo de aniquilação daquela colônia, provocado pelas graves agressões ambientais sofridas, ao longo do tempo, de que é um grande exemplo o derramamento de chorume do Aterro de Gramacho, na Baía de Guanabara. “Essa situação fática é fator primordial para análise quanto à causa da diminuição ou do desaparecimento de características originais da comunidade tradicional da Colônia de Pescadores de Duque de Caxias e não poderia ter sido desconsiderada na Sentença”, enfatiza a apelação.
A sentença afirma, ainda, que não há, no âmbito do grupo de pescadores artesanais, a prática de transmissão de conhecimentos de geração em geração, como fator de justificativa para o não enquadramento da Colônia de Pescadores de Duque de Caxias. Contudo, “o que ficou demonstrado nos autos é que não se pode dizer que os filhos de pescadores da Colônia de Duque de Caxias optaram por deixar de exercer o ofício dos pais, por livre escolha, simplesmente, uma vez que ficou claro que lhes foi retirada essa possibilidade, diante da completa degradação do local de pesca, além de sua expulsão do território que ocupavam e de diversos outros tipos de violência, acabando com sua forma original de subsistência”, reforça o recurso do MPF.
Diante da decisão da 2ª Vara Federal de Duque de Caxias e da insistência do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e do Estado do Rio de Janeiro em negar a participação das populações afetadas, principalmente os pescadores, o MPF recorre ao Tribunal Regional Federal para que condene o estado e o Inea à abster-se de tomar qualquer decisão administrativa acerca dos danos socioambientais decorrentes da poluição causada no Aterro de Gramacho, enquanto não houver a realização de consulta prévia, formal, livre e informada, nos moldes do que determina a Convenção nº 169, da OIT, aos povos tradicionais da região.
Outro pedido é a declaração de nulidade do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) 07/2017, celebrado pelo Inea com as empresas Gás Verde, J Malucelli Construtora de Obras e Biogas Energia Ambiental, para adequar as atividades e permitir a obtenção da licença de operação da estação de tratamento de chorume e da licença ambiental de recuperação do antigo aterro controlado de Jardim Gramacho, além da licença de instalação para uma nova lagoa de chorume.
No entanto, o acordo foi celebrado sem a realização de consulta formal, prévia, livre e informada (prevista na Convenção 169/OIT) aos pescadores artesanais que são extremamente impactados pelo derramamento de chorume no local e sem qualquer previsão específica acerca do enfrentamento dos problemas socioambientais vivenciados pelos pescadores.
No recurso, o MPF pede que os envolvidos sejam condenados a assegurarem o acompanhamento permanente dos pescadores acerca dos desdobramentos do TAC, bem como a realização de consulta prévia, livre e informada para o monitoramento do termo a partir da decisão, abrangendo quaisquer medidas administrativas, mesmo as não atinentes ao termo, que possam afetar os pescadores em questão, quanto aos danos socioambientais causados no Aterro de Gramacho.
Danos ambientais – Os danos socioambientais na região do Aterro de Gramacho foram objeto da Ação Civil Pública 0001666-93.2012.4.02.5118, ajuizada anteriormente pelo MPF, que tramitou na 2ª Vara Federal de Duque de Caxias, tendo sido proferida sentença de procedência que condenou a Novo Gramacho Energia Ambiental e a Comlurb a implementarem monitoramento permanente dos níveis de poluição causada pelo vazamento de chorume, além de condenar o Inea a incluir, em qualquer licença ambiental para atividades no Aterro Jardim Gramacho, a obrigação de ser efetuada a captação para monitoramento da qualidade da água, nos pontos determinados e a implementar o monitoramento do chorume.
Paralelamente à referida ação civil pública, o Inea adotou medidas no âmbito administrativo, em relação ao Aterro de Gramacho. Dentre elas, o órgão ambiental estadual firmou o TAC Inea 07/2017, ora questionado, visando à adoção de medidas ambientais relacionadas às atividades das empresas no Aterro de Gramacho, ao pagamento de multas decorrentes de infrações previstas na Lei nº 3.467/2000, além da execução de projetos de serviço de interesse ambiental aprovados no Banco de Projetos Ambientais do Inea.
De acordo com os termos do TAC, dentro de 36 meses, as empresas deveriam adotar medidas ambientais relacionadas a suas atividades no aterro metropolitano do Jardim Gramacho, bem como, ao pagamento de multas decorrentes de infrações previstas na Lei 3.467/2000, e à execução de projetos de serviço de interesse ambiental aprovados no Banco de Projetos Ambientais do próprio instituto.
No TAC, estavam previstos três planos de ação. O primeiro tratava diretamente do aterro metropolitano. O outro do apoio financeiro à sala de situação do sistema de alerta de cheias. Já o último plano de ação remetia à gestão do manguezal de Gramacho.
Apesar de o TAC ter por objetivo a adoção de medidas de recuperação ambiental, o termo foi celebrado sem conter qualquer previsão específica acerca do enfrentamento dos problemas socioambientais vivenciados pelos pescadores, tampouco houve a consulta prévia ou qualquer participação deles na elaboração de medidas compensatórias.
Recomendação do MPF – Antes de judicializar a ação para a nulidade do TAC, o MPF expediu, em 2018, recomendações à Secretaria de Estado do Ambiente e ao Inea para que declarassem nulo o acordo. Em resposta, o Inea sustentou a legalidade do Termo de Ajustamento de Conduta, sob a alegação de que houve posicionamento favorável de sua área técnica. Outro ponto de divergência foi a desconsideração do Inea em relação aos pescadores como povo tradicional.
Pescadores artesanais de Gramacho – Tramita no MPF o Inquérito Civil 1.30.017.000649/2013-80, que apura a lesão a direitos coletivos dos pescadores do município de Duque de Caxias por omissão do Poder Público e pela inviabilização de sua atividade de subsistência, em razão da poluição causada à Baía de Guanabara, da contaminação do Rio Sarapuí e de manguezais na região de pesca do município de Caxias.
Existiam mais de 190 pescadores e centenas de famílias que dependiam da pesca, os quais, entretanto, vinham sendo prejudicados pela poluição decorrente do aterro. A instalação de tubulações gigantescas do aterro que o ligavam ao Rio Sarapuí, criando uma vala com dezenas de metros, causou grande prejuízo à pesca. Houve a contaminação de milhares de peixes e caranguejos, ao passo que dezenas de pescadores teriam adoecido em razão do contato com o chorume e com resíduos, sem nenhum respaldo do Poder Público.
Apesar de desativado desde 2012, o Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, que já foi o maior “lixão” da América Latina, ainda representa graves riscos ambientais para a Baía de Guanabara, para o ecossistema dos manguezais e para o Rio Sarapuí, na região da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro.
Ação Civil Pública 5000284-57.2019.4.02.5110
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